Feedbacks na rede econômica podem transformar crises locais em globais
por Jeffrey Sachs
FOTOS POR BRUCE GILBERT/EARTH INSTITUTE; ILUSTRAÇÃO POR MATT COLLINS
por Jeffrey Sachs
FOTOS POR BRUCE GILBERT/EARTH INSTITUTE; ILUSTRAÇÃO POR MATT COLLINS
A crise econômica global se parece muito com um apagão. Uma única queda numa linha de transmissão, ou uma sobrecarga temporária, provoca a interrupção de energia elétrica em outras partes da rede o que, por sua vez, leva a novas sobrecargas, interrupções e finalmente a uma cascata de falhas que fazem uma região ficar às escuras. De forma análoga, a situação emergencial do sistema bancário americano, provocada pela degradação das condições do mercado, enviou ondas de choque ao sistema financeiro mundial, provocando uma crise bancária global que agora ameaça transformar-se em crise econômica geral.
Falências em cascata – conhecido como “efeito dominó” – são fenômenos que estão surgindo em redes, em vez de serem considerados como fracassos independentes e coincidentes de seus componentes individuais. Apesar de muitos bancos nos Estados Unidos e Europa investirem massivamente no financiamento de valores mobiliários de risco, endossados por hipotecas (MBSs em inglês), respostas positivas no sistema econômico global amplificaram esses erros. Reguladores bancários e diretrizes macroeconômicas ainda não deram a devida atenção a esses efeitos.
O primeiro efeito importante é a “espiral deflacionária da dívida”. Quando as taxas de inadimplência das hipotecas começaram a aumentar, em 2007, os bancos sofreram perdas de capital em seus investimentos em MBSs. Para reembolsar seus credores (como os fundos do mercado financeiro, que tinham emprestado dinheiro a curto prazo), os bancos venderam massivamente seus MBSs, reduzindo ainda mais os preços de mercado desses títulos e ampliando as perdas do setor bancário.
Em segundo lugar, quando bancos sofrem perdas de capital empregado em ativos ruins, cortam os empréstimos na mesma proporção de suas perdas de capital. Esse corte desvaloriza ainda mais o preço dos imóveis, reduzindo o valor dos ativos bancários e aumentando a depreciação.
Terceiro: enquanto um ou mais bancos entram em pane, o pânico se instala. Os bancos emprestam a curto prazo para investir em ativos em longo prazo, que somente podem ser liquidados rapidamente com grandes perdas. Quando, de repente, os credores de curto prazo acreditam que outros credores de curto prazo estão resgatando seus empréstimos, cada credor tenta racionalmente resgatar seu empréstimo antes dos outros. O resultado é a caracterização da auto realização do pânico em massa, às retiradas, como aconteceu no mundo todo em setembro de 2008, com a quebra do Lehman Brothers. Um “pânico racional” como esse pode liquidar bancos que de outra forma estariam solventes.
Em quarto lugar, à medida que os bancos cortam seus empréstimos, os gastos e investimentos dos consumidores caem verticalmente, o desemprego aumenta e os bancos perdem mais capital e aumentam os riscos de seus empréstimos. A economia entra em parafuso. Somente políticas fiscais e monetárias agressivamente expansionistas na China, Japão, Alemanha e outras nações com lucros acumulados internacionais podem evitar essas conseqüências nas atuais circunstâncias. A recessão americana não poderá mais ser evitada, mas seus efeitos ainda podem ser moderados nos Estados Unidos e mais lentos no Leste Asiático.
Entre algumas precauções parciais adotadas, as mais importantes incluem padrões de adequação de capital que protegem bancos individuais contra perdas de capital, empréstimos emergenciais do banco central, seguros de depósitos e políticas macroeconômicas contracíclicas – ações que procuram suavizar as oscilações da atividade econômica. Na prática, essas políticas têm sido praticadas casualmente sem levar em conta os limites a serem superados e, em geral, foram reduzidas e tardias, sem qualquer preocupação em criar proteções para impedir rapidamente a propagação dos efeitos entre países.
Como, agora, novas diretrizes começam a reformar os sistemas financeiros e econômicos globais, seria prudente que consultassem as análises clássicas da Grande Depressão apresentadas no livro A monetary history of the United States, 1867-1960 (Uma história monetária dos Estados Unidos, 1867-1960) por Milton Friedman e Anna Jacobson. Segundo eles, “o colapso econômico, muitas vezes, tem características de um processo cumulativo. Se ultrapassar certo ponto tenderá, por algum tempo, a ganhar força de seu próprio desenvolvimento e seus efeitos se espalharão e voltarão a intensificar o processo de colapso”.
Nossos riscos vão muito além dos financeiros. Nossos empreendimentos temerários na recente bolha financeira são minimizados pelos riscos de longo prazo que assumimos através do fracasso com que tratamos as crises inter-relacionadas de água, energia, pobreza, alimentos e mudanças climáticas. A crise financeira deveria abrir nossos olhos para essas ameaças, muito mais graves e sistêmicas, e à cooperação global necessária para remediá-las.
Jeffrey Sachs é diretor do Earth Institute da Universidade de Columbia (www.earth.columbia.edu).
Scientific American Brasil
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