sexta-feira, 9 de novembro de 2012

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Falta de recursos afeta a forma de tomar decisões

Pesquisa propõe que qualquer um, se submetido à escassez, prioriza problemas imediatos e negligencia questões de longo prazo

MARIANA LENHARO - O Estado de S.Paulo

A escassez de recursos financeiros afeta a maneira como as pessoas pensam e tomam decisões. Segundo pesquisa publicada hoje na revista Science, essa é a explicação para o fato de pessoas em situação de pobreza tomarem atitudes que reforçam essa condição, como fazer empréstimos demais e economizar de menos.

Enquanto outras interpretações imputam esse comportamento a traços da personalidade ou a fatores sociais relacionados à pobreza, esse estudo propõe que qualquer um, quando submetido a uma situação de escassez, pode ser levado a deslocar sua atenção para problemas mais imediatos e negligenciar questões de longo prazo.

Para chegar a essa conclusão, pesquisadores das Universidades de Chicago, de Harvard e de Princeton submeteram voluntários a cinco experimentos. Eles se assemelham a jogos que simulam situações cotidianas envolvendo a administração de recursos. Em cada experimento, os participantes foram divididos aleatoriamente em dois grupos: um recebeu orçamento maior - os "ricos" - e outro, um orçamento menor - os "pobres".

O que os experimentos demonstraram foi que, na situação da escassez de recursos, as pessoas tendem a despender muito mais esforço para administrar as pequenas despesas. Para os que são mais pobres, elas parecem mais urgentes e geram uma ansiedade desproporcional.

Esse excesso de concentração no problema imediato resulta contraproducente, pois leva os indivíduos a desconsiderarem as questões menos imediatas, porém mais importantes. Uma das atividades realizadas pelos pesquisadores, por exemplo, concluiu, por meio de testes de atenção, que participantes com orçamento menor no jogo tinham um cansaço mental maior.

Os pesquisadores dão um exemplo: enquanto nos concentramos em pagar a conta da mercearia de semana em semana, corremos o risco de negligenciar o aluguel do mês seguinte.

É isso o que estimularia as pessoas mais carentes a contrair empréstimos com juros altos. "Se a escassez cria um foco nas despesas urgentes de hoje, a atenção irá para os benefícios do empréstimo, mas não para os seus custos", diz o artigo.

De acordo com a psicóloga Nereida Silveira, professora da área de gestão humana e social da Universidade Mackenzie, câmpus Campinas, existe uma espécie de embotamento que impede que as pessoas com menos recursos tenham uma visão de longo prazo. Essa situação, segundo ela, vem de um desconforto interno provocado pelo conflito de querer consumir certos bens e não ter dinheiro para tal.

"A sensação é de que a pessoa tenta voltar a um estado de equilíbrio, mas não consegue, porque tem de resolver problemas imediatos. É a questão daquelas pessoas que estouram o cartão de crédito, entram em cheque especial e não conseguem perceber que se pararem, fizerem cortes e negociarem as contas, podem voltar ao equilíbrio", diz.

Nereida conclui que a compreensão de como opera o comportamento econômico das pessoas em dificuldades financeiras "é de suma importância para o desenho de políticas públicas, bem como para empresas orientadas para as classes mais vulneráveis".

Para a psicóloga Elaine Lombardi, consultora em desenvolvimento humano da consultoria MSDH, a falta de dinheiro provoca sentimentos como a frustração de não ter a situação sob controle, insegurança com relação ao futuro e, finalmente, desespero. "É justamente isso que vai levar a pessoa a tomar uma decisão sem ter dados objetivos suficientes que a ajudem a decidir." Sair dessa situação em que a pobreza reforça a pobreza requer força de vontade, segundo a consultora. "Pensando em termos de atitude, é preciso assumir um comportamento de protagonista e tomar as rédeas da vida", afirma Elaine.

Tempo. A mesma lógica, segundo os pesquisadores, pode ser aplicada para outros recursos em escassez, como o tempo, por exemplo. As pessoas muito ocupadas, às quais falta tempo, também tomam "empréstimos" quando pedem prorrogações de prazo. "Como os pobres, os ocupados pedem prorrogações com frequência porque focam nas tarefas urgentes, mas negligenciam tarefas importantes que parecem menos prementes", indica a pesquisa.

Jornal O Estadão

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