domingo, 9 de janeiro de 2011

Ártico e Antártica - O S.O.S. dos polos

Estudos e fotos de satélite mostram que os estragos feitos pelo aquecimento global nessas regiões do mundo evoluem numa velocidade bem maior do que a prevista


Por Eduardo Araia

Shutterstock

Entre os diversos assuntos na mira dos participantes da Conferência da Mudança do Clima da ONU, programada para Copenhague (Dinamarca), em dezembro, certamente o Ártico e a Antártica ocuparão lugar privilegiado. Novas pesquisas científicas e imagens de satélite mostram que a redução do gelo nessas regiões do mundo, relacionada ao aquecimento global, avança num ritmo bem mais rápido do que as previsões anteriores indicavam, criando situações complexas que afetam desde o ambiente até a economia e a geopolítica.

No extremo norte do globo, por exemplo, um estudo norte-americano baseado em modelos de computador revelou que a camada de gelo flutuante que recobre a região é muito mais vulnerável ao derretimento rápido do que as pesquisas anteriores indicavam. De acordo com o trabalho – produzido pela US National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) e pela Universidade de Washington em Seattle, e publicado em abril no jornal Geophysical Research Letters –, a previsão mais otimista assinala que praticamente toda a capa de gelo sobre o Oceano Ártico terá derretido no verão de 2037; a pessimista calcula que isso deve acontecer em 2020 – daqui a apenas 11 anos. Pelos estudos anteriores, um derretimento dessas proporções só ocorreria a partir do final do século.

NOAA/University of Washington
Os mapas mostram a espessura do gelo marinho em metros em março (à esquerda), no fim do inverno no Hemisfério Norte, e em setembro (à direita), no fim do verão, com base nos modelos analisados por cientistas da NOAA e da Universidade de Washington. Nas imagens no alto, a espessura em setembro condiz com a atual; nas embaixo, o oceano fica praticamente livre de gelo.

Um Ártico livre de gelo deverá causar um aumento das temperaturas médias na região. “O Ártico é frequentemente chamado de ‘geladeira da Terra’, porque o gelo marinho ajuda a resfriar o planeta ao refletir a radiação do Sol de volta para o espaço”, afirmou o cientista Muyin Wang, da Universidade de Washington, coautor do estudo. “Com menos gelo, o calor do Sol é absorvido pelo mar aberto, contribuindo para aquecer as temperaturas na água e no ar.” A nova situação poderá abrir oportunidades excepcionais de navegação e de exploração de recursos naturais na área, mas representa a sentença de morte para o urso-polar, que usa o gelo marinho para caçar seu alimento.

O estudo envolveu a análise de projeções de seis avançados modelos climáticos de computador. As informações obtidas foram depois combinadas com observações da perda da camada de gelo nos verões de 2007 e 2008. De acordo com os resultados, o gelo marinho derreterá rapidamente nas próximas décadas até fazer do Ártico um mar aberto. Restará uma camada de gelo apenas em partes dos litorais da Groenlândia e do Canadá.




A camada de gelo sobre o oceano ártico pode perder uma área equivalente à da soma dos territórios do amazonas, do pará e de mato grosso

“O Ártico está mudando mais rapidamente do que o antecipado”, afirmou o oceanógrafo James Overland, da NOAA, que assina o estudo com Wang. “É uma combinação de variabilidade natural, ar mais quente e condições do mar causadas pelo aumento de gases-estufa.”

NSIDC/Cortesia Cheng-Chien Liu/NSPO
Fotos de satélite mostram a fragmentação de parte da plataforma Wilkins em março de 2008. A plataforma já perdeu mais de 3 mil quilômetros quadrados desde os anos 1990.

Os pesquisadores calculam que, no final do verão de 2037, a área de gelo marinho no Ártico cairá de 4,7 milhões de quilômetros quadrados (registrados no inverno de 2008) para apenas 1 milhão de quilômetros quadrados – uma perda praticamente igual à soma dos territórios do Amazonas, do Pará e de Mato Grosso. A maior parte do gelo restante tenderia a ser levada pelo vento para as costas da Groenlândia e do Canadá, acumulando-se em camadas espessas que poderiam permanecer congeladas mesmo com a elevação da temperatura na região. Os seis modelos usados no estudo mostraram que, uma vez que a área da camada de gelo marinho no Ártico caísse para 4,6 milhões de km2 no fim do verão, a taxa de derretimento aumentaria mais rapidamente. Esse “ponto de não retorno” pode ter sido alcançado no verão de 2007, quando o gelo marinho naquela região atingiu o recorde mínimo de 4,3 milhões de km2. Em 2008, a área cresceu para 4,7 milhões de km2, mas não houve motivo para comemorar: foi a segunda pior marca já registrada.

A exploração de petróleo e de outros recursos naturais da região ártica que ficará livre do gelo já atiça as ambições de Rússia, Canadá, Estados Unidos, Noruega e Dinamarca.

Um estudo do Arctic Monitoring and Assessment Programme (Amap) divulgado em abril, realizado por cientistas noruegueses, russos, canadenses e norte-americanos, mostrou outros detalhes que confirmam a gravidade da situação. Segundo o trabalho, a espessura do gelo marinho, por exemplo, está bem menor do que costumava ser. O permafrost (solo antes permanentemente congelado) está se aquecendo rapidamente, enquanto a cobertura vegetal avança rumo ao norte. A camada de neve está diminuindo entre 1% e 2% ao ano e os glaciares estão encolhendo. Além disso, novos fatores como o “carbono negro” (a fuligem emitida pelo consumo de motores a diesel e pela queima de vegetais), o ozônio e o metano podem estar contribuindo para o aquecimento global e do Ártico em proporções semelhantes à do dióxido de carbono.

Do outro lado do mundo, o derretimento do gelo está afetando sobretudo a Península Antártica, a área do continente que se projeta em direção à América do Sul. O indício mais recente do derretimento foi a ruptura, em abril, de uma ponte de gelo que ainda mantinha a plataforma Wilkins no seu lugar, na costa oeste da península. Embora imagens de satélite mostrem que a plataforma já está se fragmentando há algum tempo – um mês antes, por exemplo, um bloco de gelo de mais de 400 km2 (área equivalente a 25% da do município de São Paulo) havia se desintegrado no mar –, a velocidade com que o fenômeno está ocorrendo tem deixado os especialistas boquiabertos. De acordo com o glaciologista David Vaughan, da British Antarctic Survey (BAS), a ponte parecia intacta dois dias antes de entrar em colapso. Em 1993, Vaughan havia previsto que a parte norte da plataforma Wilkins desapareceria em 30 anos se o aquecimento global persistisse, mas hoje está convencido de que isso vai ocorrer num prazo menor.

Iceberg próximo à Península Antártica. A área está entre as que apresentaram os maiores aumentos de temperatura nos últimos 50 anos: quase 3 graus centígrados.

Plataformas são grandes e espessas extensões flutuantes da camada de gelo que cobre a Antártica. A plataforma Wilkins, que tinha originariamente 16.000 km2, permaneceu estável na maior parte do século passado, mas começou a diminuir nos anos 1990. Em apenas alguns meses de 1998, por exemplo, blocos de gelo que somavam cerca de 1.000 km2 se soltaram. Os cientistas preveem que a ruptura da ponte de gelo em abril fará a plataforma perder quase 3.400 km2 no total.





Ao derreterem, as plataformas de gelo da antártica facilitam o deslizamento das geleiras do continente rumo ao oceano, causando a elevação do nível dos mares

A luta pelas riquezas árticas
Durante os verões, as águas livres de gelo na maior parte do Ártico deverão não apenas estimular a navegação, mas também a busca de minérios e petróleo no leito marinho – o que, segundo um porta-voz da NOAA, poderá causar novas transformações ambientais na área. Calcula-se que haja no subsolo ártico reservas de 10 bilhões de toneladas de petróleo e gás. A Rússia já demonstrou em 2007 suas ambições a respeito dessas riquezas, ao fincar uma bandeira de titânio no leito do Oceano Ártico, a mais de 4 mil metros de profundidade. Em março deste ano, o governo russo divulgou pela internet um documento oficial no qual informa que planeja enviar unidades militares e agentes de seu serviço de segurança civil para a região, a fim de deixar sua defesa “à altura das ameaças e desafios do país no Ártico” e ampliar o controle das rotas marítimas na região. Segundo o documento, a Rússia espera que o Ártico se torne sua principal fonte de recursos até 2020. Além dela, outros quatro países deverão se envolver na disputa pelo território oceânico que o degelo ártico vai tornar acessível: Canadá, Estados Unidos, Noruega e Dinamarca. Pela atual legislação internacional, os interessados deverão apresentar suas pretensões à Comissão sobre os Limites da Plataforma Continental, órgão da ONU encarregado de delimitar as áreas nas quais cada um poderá fazer suas prospecções. Essa comissão, integrada por cientistas e especialistas em direito, é responsável por implementar a Convenção sobre Lei Marítima das Nações Unidas (Unclos), de 1982, o principal acordo internacional relativo ao assunto. Os EUA não são signatários desse acordo, o que promete problemas para uma tramitação normal das reivindicações.

Outras plataformas na mesma região já diminuíram de tamanho nos últimos 30 anos, segundo a BAS. Seis delas desapareceram totalmente: Prince Gustav Channel, Larsen Inlet, Larsen A, Larsen B, Wordie Muller e Jones. O derretimento das plataformas, em si, não representa ameaça, pois o gelo flutuante se contrai conforme derrete e, assim, não altera o nível do mar. A verdadeira ameaça embutida no fenômeno é que ele, ao facilitar o deslizamento das geleiras localizadas sobre o continente (formadas por água doce) rumo ao oceano, provavelmente causará a elevação do nível dos mares ao redor do mundo. Os efeitos criados por essa situação não estavam previstos no último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da ONU, divulgado em 2007.

Nos últimos 50 anos, a Península Antártica apresentou um dos maiores aumentos de temperatura do planeta: quase 3ºC. Segundo um estudo da Universidade de Washington divulgado em janeiro, toda a parte ocidental do continente registrou uma elevação de temperatura superior a 0,5ºC nesse período, maior que a da parte oriental. As médias dessa região caíram nos últimos 30 anos, mas, considerando-se as últimas cinco décadas, o lado oriental também ficou mais quente.

REVISTA PLANETA
EDIÇÃO 441


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