Ações adaptativas reduziriam significativamente prejuízo provocado pela subida do mar em Santos até 2100
Podcast: José Marengo
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Implementar medidas de adaptação às mudanças climáticas poderá reduzir
consideravelmente os prejuízos econômicos causados às moradias dos
habitantes de Santos, no litoral paulista, por inundações decorrentes da
intensificação de eventos extremos previstos até o final deste século,
como a elevação do nível do mar e, em menor escala, a ocorrência de
fortes chuvas e de marés altas. Caso nada seja feito para minimizar a
destruição provocada por esses eventos e o nível do mar suba 45
centímetros (cm) até 2100, conforme prevê o cenário mais pessimista de
um estudo sobre o impacto das mudanças climáticas no balneário paulista,
os prejuízos poderão atingir quase R$ 1,3 bilhão. Mas, se o município
implementar um rol de ações paliativas, como o alargamento das praias, a
dragagem de áreas assoreadas, o restauro e a preservação de mangues e o
reforço estrutural de paredes de contenção do mar, as perdas acumuladas
poderão se restringir a R$ 200 milhões ao longo das próximas oito
décadas.
“Ficamos surpresos com a magnitude da redução do prejuízo econômico
com o emprego das medidas adaptativas de acordo com nossas simulações
computacionais”, afirma o climatologista José Marengo, chefe da Divisão
de Pesquisas do Centro de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden),
em Cachoeira Paulista, e coordenador do estudo sobre os efeitos do
clima em Santos. Os custos de implementação das medidas seriam da ordem
de R$ 240 milhões, bem menor do que a economia gerada pela redução dos
danos. As projeções fazem parte do braço brasileiro de uma iniciativa
internacional, o projeto Metrópole, que estuda estratégias de adaptação
aos possíveis impactos das mudanças climáticas em três localidades
costeiras do globo: Santos, no Brasil; Selsey, balneário de 11 mil
habitantes no sul da Inglaterra; e o condado de Broward, na Flórida, que
abriga a cidade de Fort Lauderdale. Além de cenários para 2100, o
projeto também fez simulações para meados do século.
O projeto Metrópole faz parte do Belmont Forum, mantido pelo
International Group of Funding Agencies for Global Change Research
(IGFA), que reúne agências de fomento à pesquisa de todo o mundo e
estimula estudos sobre questões ligadas às mudanças climáticas. A FAPESP
financia os trabalhos feitos na cidade paulista. Os resultados dos
estudos foram apresentados em duas oca-siões, em setembro e agora em
dezembro, ao poder público local e a representantes da sociedade civil
de Santos. “O projeto mescla pesquisa científica, discussão de políticas
públicas e participação da população local”, afirma a geógrafa Lucí
Hidalgo Nunes, do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de
Campinas (IG-Unicamp), outra participante dos trabalhos.
O possível custo econômico das mudanças climáticas em Santos só pode
ser estimado porque os pesquisadores do Metrópole contam com uma
ferramenta computacional, a plataforma Coast (sigla em inglês para
Coastal Adaptation to Sea Level Rise Tool), capaz de simular as áreas
permanentemente alagadas de acordo com o nível do mar e os prejuízos
provocados pelo avanço das águas sobre as moradias da região.
Desenvolvida nos Estados Unidos, a plataforma precisa ser abastecida com
uma série de dados do lugar a ser estudado, como informações
meteorológicas e topográficas, o histórico do nível do mar na região, o
padrão de ocupação do solo, a localização geor-referenciada e o valor
dos imóveis. “Nos Estados Unidos, há uma cultura de se preparar para
eventos extremos, como os furacões que atingem o país”, diz o engenheiro
Eduardo Hosokawa, da Secretaria de Desenvolvimento Urbano da prefeitura
de Santos. “Aqui ainda estamos no começo desse trabalho. Mas as
informações do projeto Metrópole foram bem recebidas pela população.”
Hosokawa e seu colega de prefeitura Ernesto Tabuchi forneceram os dados
do município paulista sem os quais o Coast não poderia rodar.
A rigor, o prejuízo econômico decorrente da elevação do nível do mar
em Santos poderá ser maior do que o estimado pelo projeto. A área
abrangida pelo estudo não engloba todo o município e abarca apenas um
quarto da população santista. Além disso, os custos contabilizados no
modelo dizem respeito apenas aos danos estruturais causados pela subida
das águas nas habitações particulares. O prejuízo estimado é baseado no
valor venal dos imóveis que aparece nos registros municipais, quase
sempre inferior ao preço de mercado das propriedades. Também não estão
incluídos nos cálculos do Coast danos a outros tipos de patrimônio
privado, como carros e móveis, nem aos equipamentos mantidos pelo poder
público ou, ainda, a destruição da infraestrutura existente. “No fundo,
as estimativas de prejuízo são conservadoras”, explica Lucí.
Ainda assim, o estudo feito no balneário paulista, de caráter inédito
no país, se mostra uma ferramenta importante para planejar o futuro das
cidades costeiras mais vulneráveis à elevação do nível do mar, um dos
principais efeitos atribuídos às mudanças climáticas. As duas regiões de
Santos analisadas no trabalho, a rica zona sudeste e a pobre zona
noroeste, são as que mais sofrerão os impactos das mudanças climáticas
na cidade e formam um painel de contrastes e diferentes
vulnerabilidades. Embora tenha uma área total de 381 quilômetros
quadrados (km2), Santos concentra a quase totalidade de sua
população de 420 mil habitantes em sua pequena porção insular. Mais de
99% de seus moradores vivem nos 39,4 km2 da Ilha de São
Vicente que fazem parte do município (o restante da ilha pertence ao
território da cidade vizinha, São Vicente). As duas áreas escolhidas
para o estudo abrangem 12 km2 e 117 mil habitantes (10 km2 e 83 mil pessoas na zona noroeste e 2 km2 e 34 mil indivíduos na sudeste).
As duas regiões são de caráter bastante distinto. A popular zona
noroeste é uma área de invasão, com casas modestas, favelas e palafitas
distribuídas por 20 mil lotes fiscais. Em um cenário de mudanças
climáticas, sua principal vulnerabilidade são as inundações de verão
devido a tempestades e à alta da maré. A zona sudeste inclui bairros
verticalizados de classe média e abriga 1.400 lotes de uma área que
começa no Canal 3 e vai até o bairro da Ponta da Praia e o porto. É a
área das praias. Há décadas essa zona sofre erosão costeira e sua faixa
de areia está encolhendo. De acordo com as simulações do Coast, os
prejuízos econômicos em razão das mudanças climáticas na zona sudeste
serão de três a quatro vezes maiores do que na zona noroeste. A
diferença decorre sobretudo do maior valor dos imóveis na área das
praias.
Em compensação, as mudanças adaptativas rodadas no modelo para a zona
sudeste (engordamento da faixa de areia das praias e reforço dos muros
de contenção do mar) custariam cerca de R$ 36 milhões, quase seis vezes
menos do que os procedimentos simulados para a zona noroeste (dragagem
de áreas assoreadas, restauração e conservação dos mangues e construção
de diques e de sistemas para drenar a água). “As simulações mostram que
vale a pena investir nessas medidas”, afirma Marengo. “Seus custos de
implementação são bem menores do que a economia gerada por elas com a
redução de danos à região.”
A escolha de Santos para ser alvo do estudo não foi arbitrária.
Deveu-se a dois fatores objetivos. A cidade tem enorme importância
econômica para o país. Um quarto das importações e exportações
brasileiras passa por seu porto, cuja área obviamente será afetada se o
nível do mar subir em demasia nas próximas décadas. Um segundo ponto
considerado, talvez mais importante do que o anterior, foi a existência
de uma série histórica com registros dos níveis do mar desde a década de
1940 até hoje. Esse tipo de informação era imprescindível para que os
pesquisadores pudessem rodar os cenários que contabilizam as perdas
econômicas decorrentes de diferentes níveis de subida das águas do
Atlântico.
Marégrafo e satélite
Especialista no estudo da dinâmica de águas oceânicas, o professor Joseph Harari, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), unificou as informações históricas sobre o nível do mar no litoral de Santos. De 1945 até 1990, foram usados dados de um marégrafo, instrumento que mede o nível da superfície do mar em um ponto da costa, que estava instalado no cais do porto. “De 1993 até o presente, utilizamos dados de altimetria de satélite”, afirma Harari. As duas formas de medida apresentam diferenças metodológicas, mas os pesquisadores trataram os dados de modo que pudessem ser comparados.
Se o passado recente for uma referên-cia para o futuro próximo, os
santistas têm motivo para preocupação. De 1945 até o início da década de
1990, o nível do mar subiu, em média, 1,3 milímetro (mm) ao ano em
Santos. De 1993 até 2014, esse índice dobrou: foi de 2,7 mm ao ano.
Quando se leva em conta apenas o período de 2003 a 2013, o número é
ainda maior, de 3,6 mm ao ano, semelhante à média global calculada pelo
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e à média da
elevação do nível do mar ao longo de toda a costa brasileira. Caso esse
ritmo seja mantido até 2050, a subida do Atlântico na cidade paulista
terá sido de 18 cm na primeira metade deste século. Se essa taxa
persistir até 2100, a elevação acumulada do nível do mar na cidade
paulista no final do século XXI terá sido de 36 centímetros. Nesse
cenário, tido pelos pesquisadores do projeto Metrópole como mais
realista do que as previsões genéricas e globais do IPCC, os prejuízos
econômicos em Santos seriam de pouco mais de R$ 1 bilhão ao longo de
todo o século XXI. “Quanto à subida do nível médio do mar, não há o que
se discutir”, diz Harari. “As medições são inequívocas. Os cenários e as
consequências nas próximas décadas dependerão das medidas que os
governos vão colocar em prática.”
ProjetoUma estrutura integrada para analisar tomada de decisão local e capacidade adaptativa para mudança ambiental de grande escala: estudos de caso de comunidades no Brasil, Reino Unido e Estados Unidos – Acordo FAPESP-Belmont Forum (nº 2012/51876-0); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável José Marengo (Cemaden); Investimento R$ 328.168,00.
Revista Fapesp
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