Local do atentado com carro-bomba em Beirute em 27 de dezembro de 2013 (AFP, Gino Raidy)
Análise: Conflito sectário leva Líbano a risco de vácuo de poder
BBC BRASIL
A cada assassinato no Líbano, a lista dos prováveis culpados normalmente é limitada a duas possibilidades: Síria ou Israel.
É assim que pensa a maioria dos cidadãos libaneses, que já perdeu a conta de quantas vezes presenciou ou viu na TV compatriotas ou figurões da política nacional mortos ou feridos por ataques inesperados nas ruas das principais cidades do país.
Na semana passada, o ex-ministro das Finanças, Muhammad Shattah, engrossou as estatísticas. Vítima de um ataque com carro bomba, ele foi enterrado neste domingo.
Mas a busca pelas reais motivações desses assassinatos é bem mais complicada e envolve normalmente a seguinte a pergunta: qual é o real propósito desses atentados?
Às vezes, a intenção é apenas aterrorizar. Em outras ocasiões, é privar partidos políticos de suas lideranças mais proeminentes.
Com o assassinato de Shattah, parece que os dois objetivos convergiram em um único: aniquilar um líder em potencial durante um período em que o país está profundamente dividido quanto à guerra civil na vizinha Síria.
Sunita, Shattah era um dos principais conselheiros do ex-primeiro-ministro Saad Hariri. Ambos se opunham ao presidente da Síria, Bashar al-Assad, e ao Hezbollah, o grupo radical xiita que, nos últimos meses, vem enviando reforços para o outro lado da fronteira para apoiar o governo sírio.
O atentado revela uma situação peculiar do país. Não há uma resposta conclusiva sobre "quem e o por que" da longa lista de assassinatos não resolvidos no Líbano.
Porém, não há dúvida de que Shattah era um cérebro da oposição sunita, que se preparava para alcançar um papel maior no país, enquanto tentava convencer a comunidade internacional a apoiar a neutralidade do país no conflito armado na Síria.
POLARIZADO
À BBC, duas fontes confirmaram que Shattah era um dos nomes mais cotados para ocupar o cargo de primeiro-ministro do país, vago há nove meses.
A formação de um gabinete requereria o apoio do presidente do país, Michel Suleiman, que é cristão. Suleiman teria dado aval à escolha de um novo premiê, mas ainda não há certeza sobre isso.
Shattah, um político moderado e um ex-ministro da Economia que nunca teve grande destaque na política, parecia, no entanto, um nome pouco provável para o posto.
Por tradição, o primeiro-ministro do Líbano é sempre um sunita.
Mas em um país profundamente polarizado por um conflito sectário, especialmente devido à sua longa história e a seus laços com a Síria, poucos políticos sunitas conquistam o feito de ter tanto o apoio das ruas quanto do Hezbollah e dos correligionários de Assad.
Embora os xiitas rejeitariam o nome de Shattah para premiê, seus apoiadores e os de Suleiman poderiam unir forças em torno de seu nome. Mas até o assassinato dele, não havia qualquer indicativo que isso aconteceria.
De qualquer forma, o atentado contra o ex-ministro das Finanças retira do campo político um estrategista-chave e possivelmente o único político sunita que poderia acabar com a incerteza existente no país.
O assassinato também envia uma mensagem a Hariri e aos opositores de Assad atualmente abrigados no Líbano.
VOZ MODERADA
Especialistas apontam que o Líbano poderia enfrentar um vácuo de poder nos próximos meses. As eleições para o Parlamento têm de ser convocadas até o próximo verão e o mandato do atual presidente se encerra em maio.
Suleiman advoga abertamente pela neutralidade do Líbano no conflito da Síria e vem surpreendendo ao criticar abertamente o Hezbollah. Em uma recente entrevista à BBC, ele pediu ao grupo que retire seus militantes da Síria.
Considerado uma voz moderada, Shattah foi embaixador nos Estados Unidos e ainda tinha boas conexões em Washington. Ele também foi um dos principais braços direitos do pai de Saad Hariri, Rafik Hariri, que morreu em 2005 vítima de um atentado com carro bomba, a poucos metros do local onde o ex-ministro das Finanças foi morto.
Após a confirmação da morte de Shattah, Saad Hariri acusou a Síria e o Hezbollah de estarem por trás do ataque.
"Aqueles que assassinaram Muhammad Shattah são os mesmos que assassinaram meu pai; também são os mesmos que querem assassinar o Líbano", disse ele.
O governo da Síria negou envolvimento no atentado enquanto a liderança do Hezbollah condenou o ataque, classificando-o como um "crime hediondo", mas sem fazer quaisquer acusações. Atipicamente, dessa vez, Israel não foi implicado no episódio.
A tensão política no Líbano vem sendo agravada recentemente pela guerra civil na Síria. Mas todas as crises por quais passa o pequeno país estão ligadas, direta ou indiretamente, ao seu vizinho mais poderoso.
Aliados da Síria no Líbano, como o Hezbollah, reivindicam grande parte das cadeiras no Parlamento, enquanto a Arábia Saudita, que apoia Hariri e se opõe a Assad, critica qualquer proposta de formação de um gabinete que incluiria o Hezbollah, que, por sua vez, apoia o presidente sírio, Bashar al-Assad.
Cerca de meia hora antes de sua morte, Shattah havia tuitado que o "Hezbollah vem pressionando para obter poderes semelhantes tanto em segurança quanto em questões de política externa que a Síria vem exercendo no Líbano nos últimos 15 anos".
Amigo e aliado de Shattah, o parlamentar libanês Bassem el-Shabb acrescentou que o ex-ministro de Finanças vinha trabalhando duro para convencer a comunidade internacional a apoiar a neutralidade do Líbano no conflito sírio.
PAZ NA SÍRIA
Shattah também vinha sendo um principais políticos libaneses a manifestar apoio à realização de um encontro paralelo à conferência de paz sobre a Síria, em janeiro do ano que vem, na Suíça.
Nessa reunião, ele propunha que a comunidade internacional discutisse o futuro do Líbano.
O objetivo do ex-ministro das Finanças seria pressionar o Hezbollah a aceitar um acordo para a retirada de suas tropas da Síria.
Shattah havia escrito uma carta aberta ao presidente do Irã, Hassan Rouhani na qual fazia tal apelo.
Mas o ex-ministro das Finanças morreu antes que pudesse colher assinaturas dos parlamentares do Líbano para levar adiante a proposta.
Fontes ouvidas pela BBC afirmam, entretanto, que Shattah permanecia pouco otimista de que a Arábia Saudita e o Irã, outro aliado do Hezbollah, se sentariam à mesa para discutir a questão.
O Hezbollah, por sua vez, também vem pagando o preço de seu envolvimento na Síria. Nas últimas semanas, o centro nervoso do grupo, nos subúrbios ao sul de Beirute, vêm sendo alvo de atentados suicidas.
Acredita-se que grupos rebeldes sírios, opositores do presidente Bashar al-Assad, estariam por trás desses ataques.
O Líbano ainda é assombrado por uma longa série de assassinatos não resolvidos desde a morte do ex-premiê Rafik Hariri, em 2005. Um tribunal internacional que investiga o ataque indiciou vários membros do Hezbollah e o governo sírio. Os julgamentos devem começar em meados de janeiro do ano que vem, em Haia, na Holanda.
A maioria desses assassinatos ocorreu antes do início do conflito na Síria, em março de 2011.
O assassinato de Shattah parece ser uma continuação dessa tendência e um lembrete violento de que o destino do Líbano está inextricavelmente ligado ao resultado da guerra na Síria.
A cada assassinato no Líbano, a lista dos prováveis culpados normalmente é limitada a duas possibilidades: Síria ou Israel.
É assim que pensa a maioria dos cidadãos libaneses, que já perdeu a conta de quantas vezes presenciou ou viu na TV compatriotas ou figurões da política nacional mortos ou feridos por ataques inesperados nas ruas das principais cidades do país.
Na semana passada, o ex-ministro das Finanças, Muhammad Shattah, engrossou as estatísticas. Vítima de um ataque com carro bomba, ele foi enterrado neste domingo.
Mas a busca pelas reais motivações desses assassinatos é bem mais complicada e envolve normalmente a seguinte a pergunta: qual é o real propósito desses atentados?
Às vezes, a intenção é apenas aterrorizar. Em outras ocasiões, é privar partidos políticos de suas lideranças mais proeminentes.
Com o assassinato de Shattah, parece que os dois objetivos convergiram em um único: aniquilar um líder em potencial durante um período em que o país está profundamente dividido quanto à guerra civil na vizinha Síria.
Sunita, Shattah era um dos principais conselheiros do ex-primeiro-ministro Saad Hariri. Ambos se opunham ao presidente da Síria, Bashar al-Assad, e ao Hezbollah, o grupo radical xiita que, nos últimos meses, vem enviando reforços para o outro lado da fronteira para apoiar o governo sírio.
O atentado revela uma situação peculiar do país. Não há uma resposta conclusiva sobre "quem e o por que" da longa lista de assassinatos não resolvidos no Líbano.
Porém, não há dúvida de que Shattah era um cérebro da oposição sunita, que se preparava para alcançar um papel maior no país, enquanto tentava convencer a comunidade internacional a apoiar a neutralidade do país no conflito armado na Síria.
POLARIZADO
À BBC, duas fontes confirmaram que Shattah era um dos nomes mais cotados para ocupar o cargo de primeiro-ministro do país, vago há nove meses.
A formação de um gabinete requereria o apoio do presidente do país, Michel Suleiman, que é cristão. Suleiman teria dado aval à escolha de um novo premiê, mas ainda não há certeza sobre isso.
Shattah, um político moderado e um ex-ministro da Economia que nunca teve grande destaque na política, parecia, no entanto, um nome pouco provável para o posto.
Por tradição, o primeiro-ministro do Líbano é sempre um sunita.
Mas em um país profundamente polarizado por um conflito sectário, especialmente devido à sua longa história e a seus laços com a Síria, poucos políticos sunitas conquistam o feito de ter tanto o apoio das ruas quanto do Hezbollah e dos correligionários de Assad.
Embora os xiitas rejeitariam o nome de Shattah para premiê, seus apoiadores e os de Suleiman poderiam unir forças em torno de seu nome. Mas até o assassinato dele, não havia qualquer indicativo que isso aconteceria.
De qualquer forma, o atentado contra o ex-ministro das Finanças retira do campo político um estrategista-chave e possivelmente o único político sunita que poderia acabar com a incerteza existente no país.
O assassinato também envia uma mensagem a Hariri e aos opositores de Assad atualmente abrigados no Líbano.
VOZ MODERADA
Especialistas apontam que o Líbano poderia enfrentar um vácuo de poder nos próximos meses. As eleições para o Parlamento têm de ser convocadas até o próximo verão e o mandato do atual presidente se encerra em maio.
Suleiman advoga abertamente pela neutralidade do Líbano no conflito da Síria e vem surpreendendo ao criticar abertamente o Hezbollah. Em uma recente entrevista à BBC, ele pediu ao grupo que retire seus militantes da Síria.
Considerado uma voz moderada, Shattah foi embaixador nos Estados Unidos e ainda tinha boas conexões em Washington. Ele também foi um dos principais braços direitos do pai de Saad Hariri, Rafik Hariri, que morreu em 2005 vítima de um atentado com carro bomba, a poucos metros do local onde o ex-ministro das Finanças foi morto.
Após a confirmação da morte de Shattah, Saad Hariri acusou a Síria e o Hezbollah de estarem por trás do ataque.
"Aqueles que assassinaram Muhammad Shattah são os mesmos que assassinaram meu pai; também são os mesmos que querem assassinar o Líbano", disse ele.
O governo da Síria negou envolvimento no atentado enquanto a liderança do Hezbollah condenou o ataque, classificando-o como um "crime hediondo", mas sem fazer quaisquer acusações. Atipicamente, dessa vez, Israel não foi implicado no episódio.
A tensão política no Líbano vem sendo agravada recentemente pela guerra civil na Síria. Mas todas as crises por quais passa o pequeno país estão ligadas, direta ou indiretamente, ao seu vizinho mais poderoso.
Aliados da Síria no Líbano, como o Hezbollah, reivindicam grande parte das cadeiras no Parlamento, enquanto a Arábia Saudita, que apoia Hariri e se opõe a Assad, critica qualquer proposta de formação de um gabinete que incluiria o Hezbollah, que, por sua vez, apoia o presidente sírio, Bashar al-Assad.
Cerca de meia hora antes de sua morte, Shattah havia tuitado que o "Hezbollah vem pressionando para obter poderes semelhantes tanto em segurança quanto em questões de política externa que a Síria vem exercendo no Líbano nos últimos 15 anos".
Amigo e aliado de Shattah, o parlamentar libanês Bassem el-Shabb acrescentou que o ex-ministro de Finanças vinha trabalhando duro para convencer a comunidade internacional a apoiar a neutralidade do Líbano no conflito sírio.
PAZ NA SÍRIA
Shattah também vinha sendo um principais políticos libaneses a manifestar apoio à realização de um encontro paralelo à conferência de paz sobre a Síria, em janeiro do ano que vem, na Suíça.
Nessa reunião, ele propunha que a comunidade internacional discutisse o futuro do Líbano.
O objetivo do ex-ministro das Finanças seria pressionar o Hezbollah a aceitar um acordo para a retirada de suas tropas da Síria.
Shattah havia escrito uma carta aberta ao presidente do Irã, Hassan Rouhani na qual fazia tal apelo.
Mas o ex-ministro das Finanças morreu antes que pudesse colher assinaturas dos parlamentares do Líbano para levar adiante a proposta.
Fontes ouvidas pela BBC afirmam, entretanto, que Shattah permanecia pouco otimista de que a Arábia Saudita e o Irã, outro aliado do Hezbollah, se sentariam à mesa para discutir a questão.
O Hezbollah, por sua vez, também vem pagando o preço de seu envolvimento na Síria. Nas últimas semanas, o centro nervoso do grupo, nos subúrbios ao sul de Beirute, vêm sendo alvo de atentados suicidas.
Acredita-se que grupos rebeldes sírios, opositores do presidente Bashar al-Assad, estariam por trás desses ataques.
O Líbano ainda é assombrado por uma longa série de assassinatos não resolvidos desde a morte do ex-premiê Rafik Hariri, em 2005. Um tribunal internacional que investiga o ataque indiciou vários membros do Hezbollah e o governo sírio. Os julgamentos devem começar em meados de janeiro do ano que vem, em Haia, na Holanda.
A maioria desses assassinatos ocorreu antes do início do conflito na Síria, em março de 2011.
O assassinato de Shattah parece ser uma continuação dessa tendência e um lembrete violento de que o destino do Líbano está inextricavelmente ligado ao resultado da guerra na Síria.
Folha de S. Paulo
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