Uma equipe internacional de pesquisadores descobre que um grande planalto submerso, o Kerguelen, entre a Austrália e a África, já foi um continente de verdade, povoado por dinossauros e samambaias.
Por Ivonete D. LucírioEra um belo pedaço de terra no extremo sul do Oceano Índico. Tinha uns 2 milhões de quilômetros quadrados, um pouco menos que o território da Argentina. A vegetação verde e os rios eram ideais para dinossauros. Seria um paraíso se não fossem os vulcões que jorravam toneladas de lava, cobriam a região de névoa e gases e alteravam sua geografia. Três catástrofes vulcânicas fizeram emergir rochas de diferentes eras geológicas, a primeira há 110 milhões de anos, depois há 83 milhões e, finalmente, há 40 milhões de anos.
Veio, então, a calmaria e, com ela, o fim. Eram os jorros de lava, subindo das entranhas da terra, que sustentavam a plataforma continental acima do nível do mar. Sem eles, há 20 milhões de anos, a crosta esfriou e se contraiu, levando o continente inteiro para debaixo d’água. Adeus. Passaram-se muitos milênios. Só em fevereiro passado, afinal, os cientistas do navio americano Joides Resolution descobriram a história de Kerguelen.
Um passado escrito por pólen e lascas de madeira
As ondas chegavam a 15 metros de altura em fevereiro, no sul do Oceano Índico. Os pesquisadores do Joides Resolution passaram um mau bocado para manter a estabilidade do navio e lançar sua broca até o fundo, 1 quilômetro abaixo. Desde 1984, o barco vasculha oceanos coletando amostras do chão para o Programa de Escavação dos Oceanos, um projeto de pesquisa mantido por dez universidades e instituições norte-americanas e canadenses e dezenas de outras de quinze países da Europa, mais Japão, China, Coréia do Sul e Austrália. O navio abriga 28 cientistas e sete andares de laboratórios e dispõe de uma broca capaz de perfurar até a 9 quilômetros de profundidade. Já participou de oitenta expedições e fez mais de 1 400 perfurações.
O Planalto de Kerguelen estava na mira dos cientistas da Universidade do Texas desde 1980, mas a chegada do Joides Resolution acelerou a investigação. Na primeira escavação a broca puxou pedaços de rocha de 9 metros de comprimento. Foram feitas dezenas de perfurações. Em sete amostras encontraram-se pólen e lascas de madeira. "Descobrimos que Kerguelen, com certeza, já tinha estado fora d’água", relata a geofísica Katherine Ellins. "O pólen das samambaias e os pedaços de árvores misturados aos sedimentos provam isso."
Missão de varredura
Ao todo, foram sessenta dias em alto-mar. "Enfrentamos frio, geleiras e tempestade de neve", conta o geólogo Fred Frey, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. "O único alívio eram as instalações de pesquisa das ilhas McDonald e Heard, dois raros pontos do planalto Kerguelen ainda emersos", lembra-se ele. "Mas eram inóspitas."
Quando a análise dos sedimentos acabou, tornou-se claro que o continente servira de ponte para espécies animais que migraram entre o sul da Ásia, a África e a Austrália, como alguns tipos de dinossauros. Kerguelen começou a se erguer depois que esses continentes — que até há 110 milhões de anos estavam unidos em um bloco — se afastaram uns dos outros. "A descoberta é importante para a Paleontologia, para a Geologia, para a Zoologia e diversas ciências", diz Katherine Ellins. Mas os estudos apenas começaram. Os dados ainda terão de ser investigados e analisados durante muitos meses.
Enquanto isso, o Joides Resolution mudou de endereço, para alegria dos pesquisadores. Agora, o barco está na costa norte do Japão, estudando os terremotos submarinos da região. Pelo menos, não faz tanto frio.
Para saber mais
NA INTERNET: www.ig.utexas.edu
Há 70 milhões de anos
O fogo
Havia muitos vulcões. As erupções constantes lançavam gases, como dióxido de carbono, e vapores d’água na atmosfera.
As águas
Havia vários cursos de água doce. Um deles descia de uma grande montanha.
O verde
A vegetação era formada por samambaias e coníferas, como pinheiros. A prova são os resíduos de pólen e os pedaços de tronco localizados pelos pesquisadores.
Os animais
Não foram encontrados vestígios de bichos. Mas acredita-se que o continente era habitado por espécies da Austrália e da África, como o multituberculado, um mamífero extinto, e dinossauros.
Hoje
O fundo
Hoje, a massa de terra submersa está no leito sul do Oceano Índico, a uma profundidade que varia de 1 a 2,5 quilômetros. A temperatura lá embaixo é de cerca de 4 graus Celsius e pouco mais de 20 graus Celsius na superfície.
O continente faz parte do chamado Planalto Kerguelen, uma plataforma submarina de 2 milhões de quilômetros quadrados. 1. Pluma fervendo
Uma massa de rochas quentes vindas da parte mais baixa do manto terrestre, a pluma, subiu até a crosta, rompendo-a. Formou-se um vulcão. Em contato com a água, a lava resfriou rapidamente, constituindo a parte mais antiga do continente.
2. Viagem para o sul
O pedaço de crosta sobre a qual o continente se apoiava não estava parado. Deslizava sobre a pluma na direção sul. Assim, a emersão de lava fez surgir vulcões em outras regiões, mais ao norte. O continente aumentou de tamanho.
3. Esfriou e afundou
A viagem da crosta para o sul continuou. Mas, agora, a força da pluma era menor. Sem fonte de calor, as rochas da base resfriaram e se contraíram. O continente desceu.
4. De volta à tona
Em fevereiro, o Joides Resolution arrancou do fundo do mar pedaços de rocha e sedimentos (à esquerda) do Planalto Kerguelen. Neles descobriram-se restos de pólen e madeira. Prova de que o continente já esteve na superfície.
Revista Superinteressante
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