terça-feira, 21 de junho de 2011

Peritos concebem cenário para usina de Fukushima

Tipo de acidente ocorrido no Japão resulta de uma perda de corrente alternada fora da usina e de uma subsequente falha da energia de emergência do próprio local. Engenheiros trabalham para evitar a fusão do núcleo.

CORTESIA DA MARINHA DOS ESTADOS UNIDOS, ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO DE MASSA MARINHEIRO STEVE WHITE
ÁGUA DO MAR: Destroços flutuam no Oceano Pacífico, ao largo da costa do Japão, depois que um terremoto de magnitude 9,0 e um subseqüente tsunami atingiram o país em 11 de março

Por Steve Mirsky

Primeiro veio o terremoto, com o epicentro ao largo da costa leste do Japão, perto da ilha de Honshu. O horror adicional do tsunami veio em seguida. Agora o mundo espera que não ocorra a fusão do núcleo no reator da estação Daichi de Fukushima.

Em 12 de Março, peritos americanos reuniram-se para oferecer um resumo da situação à mídia pelo sistema call-in. Vários participantes discutiram as ramificações para a política do setor provocadas pela crise; o físico Ken Bergeron forneceu a maior parte das informações relativas ao reator.

“Analistas gostam de caracterizar acidentes potenciais com reatores em grupos”, explicou Bergeron, que pesquisou simulações de acidentes com reatores nucleares no Laboratório Nacional de Sandia, no Novo México. “E o tipo de acidente que está ocorrendo no Japão é conhecido como station blackout (apagão de estação). Significa perda de energia por corrente alternada fora do local – as linhas de transmissão caem –, seguida de falha da energia de emergência no local. Isso é considerado extremamente improvável, mas o apagão da estação tem sido uma das maiores preocupações há décadas.

“A probabilidade de isso acontecer é difícil de calcular, principalmente devido à possibilidade do que se costuma chamar de “acidentes de causa comum”, nos quais a perda de energia fora do local e no próprio local é provocada pela mesma coisa. Nesse caso, a causa foi o terremoto. Então, estamos em território não mapeado, estamos em uma terra onde a probabilidade diz que não deveríamos estar. E temos esperança de que nem todas as barreiras para liberar a radiatividade funcionem.”

Bergeron abordou aspectos básicos do superaquecimento em uma usina por fissão nuclear. “As varetas de combustível são longas hastes de urânio cobertas com revestimento da liga de zircônio. Elas ficam dentro de uma estrutura cilíndrica toda coberta com água. Se a água desce abaixo do nível do combustível, então a temperatura começa a subir, e o revestimento se rompe, liberando parte dos produtos da fissão. Depois de algum tempo o núcleo começa a fundir. Algo muito semelhante a isso aconteceu na usina de Three Mile Island, na Pensilvânia, mas o vaso de pressão não falhou.”

Peter Bradford, ex-membro da Comissão Regulatória Nuclear dos Estados Unidos, acrescentou: “Outra coisa que acontece é que o revestimento, que está bem perto, no lado de fora do tubo, a alta temperatura, interage com a água. É essencialmente oxidação em alta velocidade, pela qual o zircônio se transforma em óxido de zircônio, e o hidrogênio é liberado. E hidrogênio em uma certa concentração na atmosfera é inflamável ou explosivo”.

“A combustão do hidrogênio não aconteceria necessariamente no prédio de confinamento”, detalha Bergeron, “que é inerte – não tem oxigênio algum –, mas eles tiveram de desafogar o confinamento, porque a pressão ganha força a partir de todo esse vapor. Assim, o hidrogênio está sendo desafogado com o vapor e está entrando em alguma área, algum prédio, onde há oxigênio, e é aí que a explosão aconteceu.”

Bergeron discutiu especificamente a usina nuclear em questão, a BWR Mark 1, projetada pela General Electric. “Trata-se de um reator de água fervente. Foi um dos primeiros projetados para reatores comerciais nesse país, e é amplamente usado também no Japão. Em comparação com outros reatores, se você examinar estudos da Comissão Regulatória Nuclear, de acordo com os cálculos, esse tem uma frequência de danos ao núcleo relativamente baixa. Em parte, isso acontece porque tem variedade maior de maneiras de fazer entrar água no núcleo. Assim, eles têm uma porção de opções – e estão recorrendo a elas agora mesmo – com o uso dessas turbinas a vapor, por exemplo. Não há necessidade de eletricidade para fazer funcionar essas turbinas a vapor. Mas elas ainda precisam de eletricidade de bateria para operar as válvulas e os controles.”

“Assim, há algumas vantagens oferecidas pela BWR em termos de acidentes graves. Mas uma das desvantagens é que a estrutura de confinamento é uma couraça de aço em forma de lâmpada que mede apenas 12 metros de lado a lado – feita de aço espesso, mas relativamente pequena, em comparação com confinamentos grandes e secos, como os de Three Mile Island. Ela não proporciona camada extra de defesa contra acidentes com reatores. Por isso, há uma grande dose de preocupação de que, se o núcleo fundir, o confinamento não será capaz de sobreviver. E, se o confinamento não sobreviver, teremos pior cenário possível.”

O que exatamente essa situação de pior cenário possível? “Estão desafogando, para impedir que o vaso de confinamento falhe. Mas, se um núcleo derreter, ele cairá bruscamente para o fundo do vaso do reator, provavelmente fundirá e passará através do vaso do reator para o piso de confinamento. É possível que ele se espalhe como uma poça em ponto de fusão – parecida com lava – até a borda da couraça de aço, derreta e atravesse-a. Isso resultaria numa falha de confinamento em questão de menos de 1 dia. Ainda bem que se trata de um sistema de confinamento melhor que o de Chernobyl, mas não é tão forte quanto o da maioria dos reatores dos Estados Unidos.”

Bergeron resumiu os eventos até agora: “Com base no que entendemos, o reator foi fechado, no sentido de que todas as varetas de controle foram inseridas – e isso significa que não há mais reação nuclear. Contudo, o que deve nos causar preocupação é o calor que ainda está no núcleo – isso vai durar por muitos dias”.

“Para impedir que esse calor faça o núcleo fundir, é preciso manter água nele. Além disso, as fontes convencionais de água e a eletricidade que fornece energia para as bombas falharam. Por isso, estão usando alguns métodos muito incomuns para fazer chegar água ao núcleo, estão usando turbinas a vapor – que operam com energia fornecida pelo próprio reator.”

“Mas até mesmo esse sistema necessita de eletricidade na forma de baterias. E as baterias não são projetadas para durar tanto assim, por isso elas acabaram falhando. Assim, não sabemos exatamente como estão fazendo chegar água ao núcleo ou se estão colocando água suficiente nele. Acreditamos, devido à liberação de césio, que o núcleo ficou exposto acima do nível da água, pelo menos durante algum tempo, e superaqueceu. O que realmente precisamos saber é por quanto tempo eles conseguirão manter aquele fluxo d´água. E isso precisa acontecer durante vários dias, para impedir a fusão do núcleo.”

“Acredito que o confinamento ainda esteja intacto. Porém, se o núcleo de fato fundir, a estrutura provavelmente não aguentará o dano, e o vaso de confinamento falhará. Tudo isso aconteceria em questão de dias. O crucial é restabelecer a energia por corrente alternada. Eles têm que devolver a energia por corrente alternada à usina para conseguir controlá-la. Tenho certeza de que estão trabalhando para isso.”

À medida que a situação na usina nuclear de Fukushima piora – quatro dos seis reatores em ponto de fervura foram danificados por explosões ou incêndios, e começou a vazar radiação para a atmosfera –, funcionários continuam a bombear água do mar nos reatores, tentativa desesperada de resfriar as varetas de combustível e evitar uma fusão completa. A iniciativa da Tokyo Electric Power Co. (Tepco), que opera a usina Daiichi, de usar água do mar misturada com boro (que absorve nêutrons) nos vasos de pressão dos reatores tem a contrapartida de que eles nunca mais vão funcionar adequadamente, danificando permanentemente uma das 25 maiores usinas nucleares do mundo.
Tais medidas extremas foram necessárias porque os sistemas de resfriamento normal e auxiliar, que fazem circular água purificada para evitar a fusão das varetas de combustível, falharam. O tsunami não só cortou o fornecimento de energia elétrica normal à Daiichi como também inundou e desativou os geradores a diesel de reserva. Três dos seis reatores da usina estavam desligados para manutenção quando o tsunami induzido pelo terremoto aconteceu. A falta de água suficiente para cobrir essas varetas levou a explosões de três reatores em operação, provavelmente devido a um acúmulo de gás hidrogênio.

O quarto reator, um dos que tinham sido desligados antes de 11 de março, houve um incêndio que ameaçou evaporar a água num tanque de armazenamento de combustível nuclear irradiado.

A perspectiva de arruinar meia dúzia de reatores nucleares não é nada em comparação com a alternativa: a fusão completa, que contaminaria o solo abaixo do complexo com material radiativo e depois seria espalhado pelo vento, chuva e águas subterrâneas, com potencial para causar doenças provocadas por radiação em milhares de pessoas.

Scientific American falou com Pavel Tsvetkov, professor assistente de engenharia nuclear na Texas A&M University, para saber por que a água do mar é o último recurso para resfriar reatores nucleares comprometidos, e quais as opções da TEPCO para as próximas etapas.


Por que uma instalação nuclear normalmente usa água purificada para resfriar seus reatores? Até que ponto ela é purificada?

Vou lhe dar um exemplo. Se você tem uma panela fervendo e a sua água tem minerais em excesso, então haverá condensação dentro dessa panela. Quando isso acontece num reator, interrompe as propriedades dos elementos do combustível. Empresas energéticas não querem pôr em risco o desempenho dos materiais de seu reator, por isso usam água purificada, normalmente de uma instalação especial de purificação no local.

Em que circunstâncias uma usina usaria água do mar para resfriar seus reatores?

Usar água não purificada não é prática normal – aliás, nunca se fez isso. Usinas não pegam água de rio ou mar para suplementar sua própria água interna, que fica em sistemas de circuito completamente fechado. É claro que elas colocam uma quantidade de água nova periodicamente para compensar a evaporação e outras perdas parecidas, mas essa água passa por purificação antes de ser usada.

Os reatores da Tepco ficaram abaixo da condição normal de operação devido a falta de água, por isso tiveram de colocar água adicional para o resfriamento. A água salgada obviamente contém uma porção de minerais e, se for tirada diretamente do mar, também tem todo tipo de materiais flutuando nela. Mesmo que tudo seja filtrado, a química da água salgada não é realmente compatível com o que normalmente circula no reator. Ela é corrosiva demais para os elementos do combustível. Acho que, depois que essa água foi introduzida nos núcleos do reator, eles ficaram completamente inutilizáveis. Isso acontece porque qualquer material na água vai “colar” na superfície das varetas de combustível e fazer com que a transferência de calor se torne imprevisível.

Que papel desempenha o boro na água do mar?

O boro pode ser injetado em sistemas de refrigeração por água para controlar a atividade do núcleo do reator porque ele é um forte absorvedor de nêutrons, especialmente de nêutrons térmicos. Mas o boro não é usado habitualmente em reatores de água fervente, como os da estação Daiichi em Fukushima, porque o boro também exerce efeito corrosivo sobre os elementos do combustível. Em casos de emergência, no entanto, boro e água do mar podem ser usados para suprimir as reações em cadeia por fissão nos elementos do combustível.

Então, o uso de água do mar e boro é um último recurso para resfriar um reator?

Provavelmente, se tivessem mais tempo, eles teriam tentado restaurar os geradores diesel, que acionavam o sistema de resfriamento substituto, e assim fariam circular a água que já estava lá. Porém, com a água no núcleo evaporando devido a altas temperaturas, eles precisaram acrescentar cada vez mais água para poder suprimir rapidamente as condições de fervura.

Dado que a construção de um novo reator custaria vários bilhões de dólares, não há maneira alguma pela qual eles poderiam limpar os elementos do combustível?

Uma alternativa seria tentar explorar se dá para restaurar o reator, porque é um investimento significativo. Mas não tenho lembrança de alguém usar água do mar por período de tempo prolongado em seus reatores como eles estão fazendo agora.

Scientific American Brasil

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