quarta-feira, 8 de junho de 2022

ERA DO GELO E DA FLORESTA




Talvez seja o cinema: confesso que o famoso filme de animação da Fox teve forte influência sobre a imagem mental que faço da era do gelo, com aquelas enormes áreas esbranquiçadas, poucas espécies zanzando solitárias por aí e uma realidade tão distante quanto possível das florestas tropicais como a Amazônia ou a mata atlântica. Mas um trabalho brasileiro publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) desta semana veio para virar meus devaneios glaciais do avesso. Segundo o artigo, há cerca de 21 mil anos, nossa mata atlântica se expandiu, ocupando uma área maior do que aquela que lhe costumamos atribuir. Os resultados contrariam o que até agora se dava como certo na história das florestas tropicais.

Desde 1969, a teoria mais aceita pela comunidade científica para explicar a enorme biodiversidade das florestas tropicais é a “hipótese dos refúgios florestais”, publicada pelo geólogo alemão Jurgen Haffer na prestigiosa revista Science em julho daquele ano. Segundo o trabalho, as florestas da América do Sul, durante os períodos glaciais, teriam se retraído e fragmentado, criando “refúgios ecológicos” isolados – isto é, cercados de campos abertos e sem comunicação com as outras áreas de floresta – nos quais as espécies haveriam evoluído de forma independente, gerando a enorme diversidade de animais e plantas que vemos hoje.
Desde 1969, a teoria mais aceita pela comunidade científica para explicar a enorme biodiversidade das florestas tropicais é a “hipótese dos refúgios florestais”

Para elaborar sua hipótese, Haffer se baseou em estudos da distribuição geográfica de aves amazônicas, mas a teoria foi logo aceita como verdadeira também para outros grupos de plantas e animais e outras florestas tropicais. Ao tentar replicar o estudo com espécies de pequenos mamíferos da mata atlântica, no entanto, uma equipe da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) surpreendeu-se com o resultado.

“Nosso objetivo era testar se espécies de mamíferos que dependem de floresta, ou seja, que não ocorrem em áreas abertas e, portanto, sofrem com a fragmentação atual da mata atlântica (causada pelo homem) teriam também sofrido reduções populacionais no último período glacial em função da suposta fragmentação (causada pelo clima) apontada pela hipótese dos refúgios”, conta o biólogo Yuri Leite, da Ufes, que coordenou a pesquisa. “Ou seja, a hipótese dos refúgios era o ponto de partida do nosso trabalho, assumida como verdadeira. No entanto, os dados obtidos não mostraram reduções nas populações de mamíferos de floresta durante o período glacial, mas sim expansões”.
Nossa Atlântida particular

Pesquisa científica é assim: por vezes, o resultado obtido é exatamente o oposto do que se esperava – o que, neste caso, tornou as coisas ainda mais interessantes. Instigados pela sugestão de que a mata atlântica teria ocupado, no último período glacial, uma área ainda maior (estamos comparando, vale lembrar, com a área que atribuímos à mata atlântica antes da devastação do bioma pelo homem nos últimos séculos), os cientistas começaram a buscar uma explicação para isso.
Revista Ciência Hoje

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