terça-feira, 28 de junho de 2022

De ‘cartão-postal’ a ‘área de risco’: A (re)produção de Copacabana em meio a novas disputas e territorialidades







From “Postcard” to “Risk Area”: The (Re)Production of Copacabana amidst New Disputes and Territorialities

Clara Polycarpo

RESUMO

Este texto discute a (re)produção de Copacabana, reconhecida no imaginário carioca como “cartão-postal” do Rio de Janeiro, em um contexto de violência urbana e informalidade capaz de atualizar as disputas por territórios e fronteiras da cidade. A partir da análise de reuniões do Conselho Comunitário de Segurança de Copacabana e Leme (CCSCL) e dos discursos e representações de camadas médias moradoras desse bairro a respeito do atual conflito urbano, é possível perceber que os termos de distinção de Copacabana são postos em xeque por meio de diferentes concepções de segurança e de novas formas de se fazer políticas perpassadas pelo medo da favelização.

Palavras-chave:
Copacabana; violência urbana; políticas públicas; inimigos urbanos; camadas médias

ABSTRACT

From “Postcard” to “Risk Area”: The (Re)Production of Copacabana amidst New Disputes and Territorialities discusses the (re)production of Copacabana, recognized in Rio de Janeiro’s imaginary as the “postcard” of the city, in a context of urban violence and informality capable of updating disputes over Rio’s territories and borders. From the analysis of meetings of the Community Security Council of Copacabana and Leme (CCSCL) and the discourses and representations of the middle classes living in this neighborhood regarding the current urban conflict, it is possible to see that Copacabana’s terms of distinction are called into question under different security concepts and new ways of making policies pervaded by the fear of favelization.

Keywords:
Copacabana; urban violence; public policies; urban enemies; middle classes

IntroduçãoÉ um dia de real grandeza, tudo azul Um mar turquesa à la Istambul enchendo os olhos Um sol de torrar os miolos quando pinta em Copacabana A caravana do Arará, do Caxangá, da Chatuba A caravana do Irajá, o comboio da Penha Não há barreira que retenha esses estranhos - Chico Buarque, As caravanas (2017)

Praia extensa com barracas de todas as cores, futevôlei, quiosques e música ao vivo, bares agitados, maré de carros, coberturas milionárias e um calçadão internacionalmente reconhecido se misturam com banquetas de madeira oferecendo ao público os mais diversos acessórios eletrônicos e suvenires. No típico ponto turístico praiano, tecidos esticados ao chão com bugigangas às vezes pouco identificadas, barracas, desta vez, exalando forte cheiro de fritura, ao lado de papelões, colchões e cobertores vigiados pelos mais variados (e novos) uniformes de segurança, compõem a cena de uma Copacabana do século XXI repleta de contradições e, claro, novos atores. Junto à confusão material por entre as ruas, a diversidade de pessoas - em suas classes, trajetórias, corpos, cores, idades e subjetividades - apresentam aos olhares atuais um bairro um tanto diferente daquele cantado pela bossa nova brasileira do último século.

A cena do atual cotidiano desse bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro, representada pela diversidade de usos, corpos e cores no espaço urbano, é capaz de mobilizar novas concepções sobre risco, segurança, ordem e criminalidade, em seus contornos mais variados, como parte das disputas de seus moradores e moradoras pelos limites (simbólicos ou não) da cidade. O conflito urbano, desde o século XX, é representado pela disputa de fronteiras e territorialidades no processo de construção de políticas na cidade do Rio de Janeiro, que se desenvolveu como metrópole muito rapidamente em resposta aos anseios do mercado. Buscando se apoiar em elementos imagéticos e discursivos - ou em mera distinção de classe -, moradores e moradoras de Copacabana, ou seja, aqueles que se consideram seus legítimos representantes, reivindicam a história (e a imagem) do bairro e são capazes de operacionalizar uma rede comunitária em mediação direta com agentes públicos e privados que inova as funções de diferentes órgãos e propõe novas formas de se fazer política.

Neste texto1, pretendo realizar uma breve atualização das representações de um grupo de moradores e moradoras de Copacabana sobre a (re)produção do bairro em um contexto de violência urbana e informalidade, com suas novas disputas pelas territorialidades, que perpassam o medo da “favelização” e suas fronteiras. Para tanto, utilizo como base de referência material as falas nativas de representantes do Conselho Comunitário de Segurança de Copacabana e Leme (CCSCL) a respeito do cenário atual do bairro. Por meio da atualização das representações sobre o bairro e seu entorno, será possível perceber as disputas e negociações para a construção das políticas e da territorialidade da cidade no atual contexto, ampliando, com isso, reflexões sobre a própria forma de se fazer políticas, seus dispositivos e suas novas tecnologias nas metrópoles do Sul global. Não pretendo, aqui, avaliar a incidência das denúncias de criminalidade e/ou desordem, nem a efetividade das políticas implementadas, mas, sim, analisar como as camadas médias moradoras desses territórios têm mobilizado certas categorias e agido para atender a seus interesses em meio ao conflito urbano.

Como moradora do bairro e, principalmente, pesquisadora a frequentar as reuniões abertas do CCSCL desde 2017, pude entrevistar alguns de seus representantes e frequentadores. O Conselho se reúne mensalmente no prédio do 19º Batalhão da Polícia Militar (BPM) e conta não apenas com os representantes e agentes públicos a serem demandados na manutenção da ordem e da segurança pública, como as polícias Militar e Civil, o Corpo de Bombeiros, a Guarda Municipal e as secretarias municipais de Ordem Pública, Habitação, Assistência Social e Direitos Humanos e Conservação, por exemplo, mas também, é claro, com moradores e moradoras dos bairros de e Copacabana e Leme2 - em sua maioria, homens e mulheres de cor branca, meia idade (entre 30 e 60 anos), assessores públicos, empresários, advogados, engenheiros ou aposentados, moradores desses bairros há mais de duas décadas, pelo menos. Esses frequentadores, de forma associada ou não, se organizam a fim de debater as melhorias que consideram necessárias para os bairros e reivindicar o atendimento de suas denúncias e demandas diante dos órgãos públicos, formando uma rede que se estende para além dos encontros mensais.

Criado oficialmente em julho de 2006, o CCSCL é vinculado ao Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro, uma autarquia estadual. A partir da resolução SSP no 263/1999, Conselhos Comunitários de Segurança (CCS) puderam ser criados com o objetivo de assessorar os órgãos de segurança pública em uma mediação com a comunidade. A ideia central desse modelo de gestão passa a ser a Área Integrada de Segurança Pública (Aisp), em que cada Aisp corresponde à área de um BPM e uma ou mais delegacias distritais. Em Copacabana, o CCS é fortemente ativo, com reuniões mensais bem estruturadas, e funciona como um canal de mediação e debate sobre demandas de ordem pública, planejamento de grandes eventos e implementação de programas de segurança pública, com a participação direta de moradores e moradoras em diálogo com os órgãos de segurança e representantes políticos. Atualmente, a partir da nova agenda de políticas de segurança pública na cidade do Rio de Janeiro, integram a representação do CCSCL agentes dos programas Rio+Seguro, da Prefeitura e, mais recentemente, Copacabana Presente, do governo do estado. Essa proposta de integração e proximidade com moradores e moradoras do bairro por meio dos Conselhos e do planejamento da política pública de segurança reflete uma nova estratégia que pode contribuir para análises enriquecedoras a respeito da construção de políticas na cidade3.

Além desta introdução, este texto se divide em mais três partes. Na próxima seção, a partir dos discursos e representações observados em falas nas reuniões do CCSCL acompanhadas entre 2018 e 2019, me proponho a analisar as categorias nativas de “cartão postal” e “área de risco” como formas de construção e distinção apropriadas por alguns dos moradores de Copacabana e do Leme para denunciar casos de criminalidade e/ou desordem a partir de classificações morais e políticas sobre os corpos e as sociabilidades em conflito no território. As principais denúncias e demandas circulam basicamente em torno, basicamente: 1) da população em situação de rua; 2) do comércio ambulante e dos trabalhadores informais; 3) das favelas; e 4) da presença de moradores de outras regiões da cidade - como os usuários dos ônibus oriundos das zonas Norte e Oeste do Rio de Janeiro (ver POLYCARPO, 2018). Em seguida, a partir desses discursos, discutirei as formas de se fazer política nesse contexto, por meio do reordenamento da política de segurança pública em diferentes parcerias, públicas e privadas, para atender à sensação de insegurança dos moradores e moradoras. Por fim, nas considerações finais, analisarei o processo de securitização da cidade e do bairro de Copacabana, em especial, como forma de atualização das disputas pelos territórios, fronteiras e identidades no Rio de Janeiro de hoje.
‘Copacabana já é área de risco agora. Tinha que pagar [IPTU] diferente’ 4

Copacabana é historicamente representada na literatura carioca e por alguns de seus moradores como “locus das boas coisas da vida” (VELHO, 1973), sendo assim inventada e mantida, desde o final do século XIX, como um espaço de distinção de uma identidade carioca, e até mesmo nacional, de elite e bons costumes. Pelo privilégio natural das praias do Atlântico, esse estilo de vida passou a ditar uma nova sociedade moderna e civilizada em progresso - em contraposição ao que era apresentado no Centro da cidade do Rio de Janeiro, com multidão e confusão de poeira, calor e gente. A sociedade cilense - como se autodenominavam os moradores de Copacabana, Ipanema e Leme no início do século passado (O’DONNEL, 2013) - reivindicou, desde a migração da elite aristocrata, uma sociabilidade de relações corteses que se propunha como um novo estilo de moradia, moda e bem-estar.

Com as influências europeias e, em seguida, americanas nesse ideário de modernidade e cosmopolitismo, Copacabana foi se erguendo e se ampliando cada vez mais, inclusive verticalmente. O estilo de vida cilense deveria ser, a partir de seus próprios idealizadores, propagado internacionalmente como um “cartão-postal”, marca da nova metrópole carioca moderna e capitalista que todos deveriam conhecer. O convite, por outro lado, já desde meados dos anos 1930 - quando, há poucas décadas, o bairro tinha começado a ser ocupado por essa elite5 - expandiu suas consequências de uma forma não desejada pela classe exclusivista que ali residia. O comércio, os arranha-céus, suas dezenas de apartamentos e as novas modalidades de transporte urbano trouxeram à Copacabana uma classe média em ascensão que não cultivava como identidade os mesmos valores e distinções da então elite aristocrática, bem como as cada vez mais numerosas favelas nos morros em seu entorno e os visitantes de outras zonas da cidade que passavam a “manchar” a cena da famosa praia. Até os dias atuais, porém, seu calçadão, suas praias, seus hotéis e os eventos mais famosos da cidade marcam a identificação do bairro internacionalmente como o “cartão-postal” do Rio de Janeiro - e até mesmo do Brasil.

Retirada de uma fala nativa reproduzida em umas das reuniões do CCSCL das quais participei6, a categoria de “área de risco”, utilizada por um morador para identificar o bairro de Copacabana, pode ser lida, dessa forma, como uma construção sociocultural recente que se apropria de julgamentos morais (e políticos): “Copacabana já é área de risco agora. Tinha que pagar [IPTU] diferente”. Normalmente associadas a localidades de difícil acesso ou uso em razão, principalmente, de riscos ambientais ou de irregularidades urbanas - como as favelas, que, comparadas nessa fala, não pagariam Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) por não terem suas moradias regularizadas (ABRAMO, 2009) -, essas áreas consideradas pelos moradores como “de risco” não se limitam, como podemos perceber por esse discurso, às centenas de favelas e periferias da Região Metropolitana do Rio de Janeiro com inúmeras tensões entre conflitos, riscos e remoções (MAGALHÃES, 2019), mas tendem a alargar seu território, atualizando novas fronteiras e espacialidades de acordo com seus usos cotidianos, que governam os modos de percorrer e habitar os espaços da cidade (CAVALCANTI, 2010).

A categoria de “área de risco” tem contornos variados e usos ambíguos, mobilizados em diversos momentos tanto pelo poder público quanto por moradores e moradoras na reivindicação de seus direitos. Para além do que ela vem representando no debate público em relação às recorrentes remoções realizadas em favelas, periferias e ocupações urbanas sob o ponto de vista da infraestrutura, a definição do que é “risco” pode ser problematizada, demarcando a existência de conflitos associados a visões de mundo e categorias de percepção dos agentes sociais, além de políticas capazes de caracterizar situações como “de risco” ou “não risco”, por exemplo.

Sob determinada concepção, “risco” pode representar alguma condição de vulnerabilidade e, no caso das favelas e periferias, essa vulnerabilidade se apresenta tanto pela precariedade das moradias e das políticas sociais implementadas nesses territórios, quanto pelas estratégias de atuação das políticas de segurança pública direcionadas às suas populações. Muitos desses territórios e populações, vulnerabilizados por interesses políticos, são também constantemente criminalizados a partir da gramática da violência urbana. Direitos fundamentais lhes são, assim, negados justamente em razão da representação de insegurança e criminalidade gerada pelos órgãos públicos de segurança e reproduzida pela grande mídia. A insegurança pessoal e as violências e violações impostas a moradores e moradoras desses territórios - resultado das recorrentes operações, ocupações e intervenções das políticas de segurança pública - colocam “em risco” a vida dessas populações e aprofundam as suas condições de vulnerabilidade.

A concepção de “risco”, no entanto, está sendo apropriada aqui a partir de outro enquadramento, que demarca a existência de conflitos relacionados às territorialidades e suas identidades na cidade. No caso do alargamento dessa categoria para a Copacabana atual, a clara tensão entre o “cartão-postal” imagético e a “área de risco” denunciada é percebida por meio da desvalorização, de acordo com alguns de seus moradores, do seu espaço distintivo com a invasão da marginalidade, da informalidade e de corpos diversos e desconexos, sem pertencimento àquele território - corpos esses já vulnerabilizados e criminalizados e, portanto, enquadrados como “risco” à ordem e à segurança da cidade, por sua cor e origem. O “risco”, portanto, invade a área do bairro e ameaça seus moradores e moradoras com outros padrões de sociabilidade.

As diversas mudanças da paisagem natural, urbana e humana de Copacabana põem em xeque os termos da distinção do bairro como mapa simbólico da cidade. Com o crescimento urbano desenfreado da cidade e das favelas (VALLADARES, 2005; ABRAMO, 2009) e, consequentemente, o alargamento da gramática da violência urbana como questão social, urbanística e de segurança, por exemplo, o cenário do bairro vai se reconfigurando a partir de novos conflitos, abordagens e atores que reelaboram a disputa pela construção da territorialidade e de suas fronteiras. A noção de violência urbana, nesse caso, por exemplo, diz respeito à sua articulação com a própria ordem social, como referência de modelos de conduta construídos simbolicamente no convívio social cotidiano (MACHADO DA SILVA, 2004). A ela se articulam os territórios da pobreza como problema de urbanização e de habitação, que fazem crescer, em cima dos morros do “cartão-postal”, moradias e diversos “aglomerados subnormais” que atendem, de forma precária, as populações pobres de vista para o mar. Dessa forma, a um segmento da população - esses moradores dos ditos territórios da pobreza e da violência - é atribuída certa “culpa” e, a partir de sua criminalização, esse se torna o tipo ideal do “outro” que precisa ser afastado a qualquer preço (Idem, 2010).

Por outro lado, porém, nas últimas décadas, como expressão da segregação urbana, espacial e social das sociedades complexas contemporâneas, no Rio de Janeiro, em especial - onde os seus próprios espaços urbanos reforçam a violência simbólica e institucional por meio das tortuosas passagens e metamorfoses comandadas pela lógica do liberalismo avançado (ROSE e MILLER, 2012) -, a construção da figura de um inimigo urbano contemporâneo (GRAHAM, 2016) se atualiza também pela própria lógica da reprodução e acumulação capitalista, em que, territorial e simbolicamente, espaços são apropriados (e controlados) a serviço do capital, seja ele formal ou informal. A esses inimigos urbanos, está direcionada a identificação/representação dos corpos estranhos que passam a forçar e invadir as barreiras de prestígio e de classe na cidade. Como observado na nova cena urbana de Copacabana - cheia de barracas, bugigangas e corpos desconexos -, a confusão de material e de gente no meio da rua é também reflexo de uma estrutura social e de mercado associada ao trabalho assalariado e às suas formas de regulação (MACHADO DA SILVA, 1971), com o crescimento do que podemos chamar de informalidade.

Segundo as teorias de modernização, da marginalidade e da dependência (cf. MACHADO DA SILVA, 2002), a informalidade sempre tendeu a se concentrar, prioritariamente, nos estratos mais desfavorecidos e a desenvolver, em torno deles, um debate sobre a natureza, as condições e os limites de sua integração econômica, lidos como adaptação desses grupos à estrutura social a qual pertencem. Nesse caso, trabalhadores urbanos sem carteira assinada, trabalhadores por conta própria, trabalhadores autônomos, “biscateiros” ou camelôs - ou seja, representantes do mercado não formalizado de empregos, das economias subterrânea, oculta e/ou irregular ou do setor não observado, por exemplo - ocupam agora maciçamente o “cartão-postal”, em atendimento, inclusive, a visitantes e turistas que se misturam e conflituam em meio à gestão de ilegalismos e diferentes modos e estratégias de vida, tanto no trabalho quanto na ocupação do espaço urbano (TELLES e HIRATA, 2010; TELLES, 2015).

A fim de elucidar essa tensão, portanto, trago aqui, de forma analítica, algumas das falas nativas nas quais pude perceber o ressentimento e a insatisfação de um grupo de atuais moradores e moradoras das camadas médias de Copacabana diante da diversidade de corpos, subjetividades e acessos no bairro. Em seus discursos, categorias acusatórias foram mobilizadas para representar diferentes elementos ou fatores tomados como responsáveis pela quebra de ordem ou da sensação de segurança em Copacabana e no Leme, que, segundo um critério subjetivo de prioridade entre os debates nas reuniões acompanhadas, podem ser classificados como: 1) a população em situação de rua; 2) o comércio ambulante e os trabalhadores informais; 3) as favelas; 4) a presença de moradores de outras regiões da cidade - como no ponto de ônibus da linha 474 (que liga o bairro Jacaré, na Zona Norte, a Copacabana, via Túnel Santa Bárbara) (POLYCARPO, 2018).

Dessa forma, em discussão com o que expus brevemente a respeito da atualização da figura de um inimigo urbano contemporâneo, tais falas, transmitidas nas reuniões do CCSCL, (re)produzem uma representação sobre o bairro que (ainda) tem intensas características distintivas e segregatórias, possivelmente reforçadas por novos mecanismos e dispositivos que imprimem uma simbologia de valores e papéis em relação à posição do indivíduo na cidade (VELHO, 1994). As massas marginais (até mesmo as paupérrimas), as redes de mercados e os trabalhadores informais urbanos, situados nas fronteiras incertas entre o informal, o ilegal e o ilícito (MACHADO DA SILVA, 1971; TELLES e HIRATA, 2010), bem como os inimigos urbanos ao projeto de cidade, são atualizados há décadas como algo a temer e controlar, como veremos a seguir.
A população em situação de rua

A população em situação de rua vem sendo apontada pelos moradores de Copacabana e do Leme como um problema que se agrava desde a década de 1980. Hoje, segundo contam, ela seria a principal responsável pelo tráfico e uso de drogas e pelo aumento dos assaltos nos dois bairros. Alguns desses moradores sugerem, para sanar o problema, medidas como toques de recolher e maior incidência (e violência) nos acolhimentos dessas pessoas pela Prefeitura, com uma política de “tolerância zero”, por exemplo. Por outro lado, para um deles, o “problema não é de polícia, é problema social, é questão econômica, porque crime muda de lugar”, e por isso seria necessário pensar em planejamento urbano e na ocupação do espaço de forma digna - para ele, nem as favelas, nem as calçadas de seu bairro seriam lugares dignos de moradia. Esses corpos que vagueiam sem direção pelo bairro até recentemente considerado por seus moradores um “cartão-postal”, não seriam dotados de subjetividade (nem de identidade), pois ocupariam os lugares de tráfego e transição, sendo, por um lado, invisibilizados e, por outro, incômodos, por demandarem classificação e controle. Tais corpos parecem não ter funcionalidade na lógica do sistema, mas apenas ocupar o espaço público sem direito a utilizá-lo - por não terem capital para consumo nem força para trabalho, ou por não se enquadrarem no perfil de “cidadãos pagadores” de impostos. Em uma comparação com o contexto atual na América Latina, por exemplo, diferentemente dos coletores informais de Buenos Aires, descritos por Agüero e Perelman (2017), que existem e servem à cidade mesmo sendo invisíveis aos moradores dos bairros por onde passam, a população em situação de rua custa ao Rio e à sociedade, com sua vadiagem e os perigos de sua existência, principalmente na Zona Sul - onde os “imaginários urbanos” são disputados a partir do que deveria ser a cidade.

Há, de maneira recorrente, uma crítica dos moradores à política de acolhimento realizada pela Prefeitura. Um deles, por exemplo, indaga: “que interpretação da lei assegura a ele [aquele em situação de rua] o direito de permanecer na rua naquelas condições?”. E conclui: “se a Prefeitura não resolve o problema, o cidadão resolve”, pois o “Estado está falido, não podemos esperar dele”7. Atualmente, inclusive, esse, que seria um problema social relacionado à moradia e renda, tem refletido cada vez mais em um problema de segurança pública, pois, segundo aponta outro participante do CCSCL, os “moradores de rua” estão tendo o hábito de permanecer na porta de bancos e, dessa forma, os “cidadãos” transeuntes se sentem constrangidos e inseguros com a possibilidade de uma abordagem e/ou um assalto feito por essas pessoas “aparentemente em condição de rua, mas de butuca, neste caso”. Diante da situação, tem havido propostas de ocupação do espaço com jardins e/ou iluminação, em parceria com bancos e iniciativa privada, para impedir a permanência de qualquer pessoa.

Para outro participante do CCSCL (representante do projeto “Arpoador Seguro”), “morador de rua já deixou de ser [um problema de] ordem pública e passou a ser [um problema de] segurança pública, não temos que ter pena de ninguém”. Para outro, fica o questionamento: “será que não tem uma casa no morro pra colocar o pessoal de rua?”. Como se pode observar, a preocupação não é com a solução do problema, considerando-o, portanto, como problema social, mas com retirá-lo da porta de suas casas (ELIASOPH, 1997). Por exemplo, os moradores comentam que quando há operação da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (SMASDH), que acontece sazonalmente, no dia seguinte a população de rua retorna - eles são “chatos e insistentes” e, portanto, “tem que estar aborrecendo eles também”, comenta outro morador. Além disso, críticas são também tecidas a alguns moradores ou visitantes do bairro - diferentes daqueles que frequentam as reuniões, claro - que têm “incentivado a permanência dos moradores de rua”, ao oferecerem-lhes dinheiro, alimento ou cobertores. Para o então comandante do BPM, caso esses atos tenham um interesse real de caridade, recomenda-se que os cidadãos doadores procurem uma instituição responsável, pois só dar o dinheiro para o pedinte significa manter sua permanência nas ruas, já que pedir dinheiro representa uma “vida fácil”.

A situação se agrava, para os participantes das reuniões, quando passam a considerar a condição de usuário de drogas entre as pessoas em situação de rua, visto que, para muitos moradores representados nesse CCS, “Copacabana está virando a nova ‘Cracolândia’”, com adultos e crianças em situações “deploráveis” de vício, “fazendo sexo na rua, enquanto eu preciso dormir”, segundo relatos. Atendendo a uma nova estratégia para lidar com a população em situação de rua, por exemplo, o então prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) emitiu um decreto, em agosto de 2019, designando o acolhimento compulsório para comunidades terapêuticas daqueles que se encontram em situação de vício (RIO DE JANEIRO, 02/08/2019). Essa nova parceria com as comunidades terapêuticas e as igrejas evangélicas tem sido operacionalizada pelas equipes do programa Rio+Seguro, além de ser constantemente cobrada pelos moradores e moradoras, que ainda têm muitas críticas à legislação e a seus limites para o acolhimento compulsório.

Para um morador e representante no CCSCL, sob a “égide de excluídos socialmente, estão criminosos foragidos da justiça”. O que faz muitos se questionarem: “qual a política de drogas aplicada no Brasil e no Rio? Usuário de maconha e cocaína é conduzido à força à delegacia e usuário de crack não é crime e não pode pedir nem pra circular ou conduzir à delegacia?”. Essas questões apontam, mais uma vez, para a atuação dos órgãos públicos no controle e enquadramento da população em situação de rua como população usuária de drogas, no sentido de demandar mais enfaticamente a aplicação das punições da política de drogas. Outra moradora questiona: “qual o critério para tirar [da rua] uma criança menor de sete ou 14 anos de forma compulsória? (...) minha filha até hoje, se for pra bater eu bato, na linha”. Sua fala traz a reflexão de que, para muitos moradores de Copacabana e do Leme - que, em sua maioria, têm uma família minimamente estruturada e não passam muitas dificuldades -, os problemas deveriam ser resolvidos como se fossem de ordem doméstica (“dentro de casa”), a partir daquilo que, em seu meio, eles aceitam como viável ou não.
O comércio ambulante e os trabalhadores informais

Segundo a maioria dos moradores e moradoras presentes nas reuniões do CCSCL, tem havido um crescimento desenfreado dos camelôs em Copacabana - “não dá pra andar na [Avenida] Nossa Senhora de Copacabana”, comenta uma delas. Suas falas denunciam que muitos dos vendedores informais contrabandeiam mercadoria roubada ou falsificada, o que seria injusto com as lojas regularizadas, que pagam impostos. Aqui, mais uma vez, a funcionalidade do corpo (pagante, por exemplo) sobrepõe-se à sua subjetividade, pois o direito à sua existência na cidade está intrinsecamente relacionado ao que se produz ou ao que se serve. Nessa lógica de hierarquização, para muitos representantes, o então prefeito Crivella, diferentemente de seu antecessor Eduardo Paes, adotou uma política de tolerância aos trabalhadores informais em razão da crise econômica que enfrentava em seu governo, porém, a informalidade, para os moradores, tem prejudicado o mercado formal ao gerar concorrência desleal com o comércio estabelecido. Para esses moradores, o trabalho informal, com pouca regulação do capital, não seria trabalho produtivo - o que é um erro, porém uma conveniência (MACHADO DA SILVA, 1971). Ademais, não haveria fiscalização de regularização de mercadoria, nem atendimento da vigilância sanitária, o que acabaria, segundo moradores, causando ainda mais desordem e insalubridade ao bairro - ambulantes fazendo xixi nas árvores e jogando dejetos e restos de comida na calçada - e ferindo o alicerce da civilidade urbana e o imaginário de uma cidade ordenada.

A complexidade e a incerteza dessas fronteiras entre o informal, o ilegal e o ilícito redesenham o conflito urbano, redefinindo, com isso, os ordenamentos sociais (TELLES e HIRATA, 2010). A noção da gestão diferencial dos ilegalismos (FOUCAULT, 2006) coloca no centro da investigação os modos como as leis operam, não para combatê-los, mas para diferenciá-los internamente. Nessa concepção, os ilegalismos não são imperfeições ou lacunas na aplicação das leis, mas compõem os jogos de poder e se distribuem conforme se diferenciam os espaços em que a lei pode ser violada ou ignorada, a partir do acionamento de dispositivos diferenciados. No caso de Copacabana, para além da informalidade e do que se pressupõe o ordenamento público das ruas e calçadas, por exemplo, o binarismo legal-ilegal é constantemente mobilizado para restringir os espaços de uso daquilo que não seria natural ao bairro. Para tanto, a “força da lei”, por meio dos agentes da ordem, tem que se fazer legítima na fiscalização e na expulsão daqueles que não têm aval comunitário para manter seus negócios naquele espaço - e se não há lei que restrinja, que se faça a “ordem”, ou que se “mudem as leis”.

Na avaliação sobre a atuação pública dos guardas municipais e fiscais urbanos - representantes da Prefeitura -, por exemplo, há uma grande insatisfação desses moradores com a contraposição de atendimento entre “aqueles que têm algo a perder”, os comerciantes, e “aqueles que não têm nada a perder”, os camelôs, o que reforça, nesse caso, a divisão e o conflito de classes. Para serem ouvidos, esses moradores buscam, ao menos nas falas de algumas reuniões do Conselho, se organizar, em manifestações ou por meio de seus contatos midiáticos e políticos, para denunciar o descaso do governo em relação ao bairro, reivindicando a retirada dos ambulantes e dos “moradores de rua”, sob a denúncia de que as “milícias urbanas” já instaladas “estão capturando o símbolo do Rio” por meio da “ocupação ilegítima do espaço público” com suas barracas e bugigangas. Para um dos moradores, é necessário “tomar uma medida, de um jeito ou de outro - a gente se sente preterido, porque com o cidadão que paga impostos não consegue nada, mas com os outros não se pode fazer nada”.

Essa sensação de insatisfação cresce com a medida de aumento do IPTU para Copacabana (MAGALHÃES e SARCONI, 17/01/2018), sob o pretexto da Prefeitura de que quem mora no bairro é “privilegiado”. Os moradores, hoje, discordam dessa caracterização, como fica claro na fala do então presidente do CCSCL:



- [O morador de Copacabana] era [privilegiado]. Já foi, agora não [é] mais. Como o Leme, [que] era verde e maravilhoso antes d[o Morro da] Babilônia, [mas] agora tem que dormir no chão por conta de tiroteio. Penalizar cidadão que já está sendo penalizado é injustiça tributária.

Ele se coloca, portanto, como vítima da situação - em comparação, inclusive, com a situação da favela e seus moradores. A cidade, sob esse ponto de vista, não é um direito de quem a ocupa, trabalha e vive, mas apenas de quem paga por ela. Entre esses trabalhadores informais, nesse caso os camelôs, a marginalidade atribuída ao seu trabalho não é necessariamente ilegal; alguns deles, justamente pela mediação da Prefeitura, possuem licença de venda de seus produtos, sendo cadastrados como vendedores ambulantes (microempreendedores) (cf. MACHADO DA SILVA, 2002) - mesmo que, em muitos casos, acabem por vender outros produtos não formalizados, de fato gerindo as fronteiras entre o legal e o ilegal no espaço urbano (HIRATA e CARDOSO, 2017). Nesse circuito dos mercados informais, além de produtos, são também negociadas “mercadorias políticas” (MISSE, 2002) com os agentes do Estado, operando, cá e lá, as fronteiras e os dispositivos extralegais na distribuição do espaço urbano.
As favelas

O planejamento urbano retoma a favela como “problema” nas reuniões do CCSCL quando se reclama de seu crescimento e se denuncia que “há mansões na favela” - em decorrência do mercado informal do solo nessas áreas (ABRAMO, 2009) -, ou então que “vans estão ocupando a vaga de moradores do bairro” - como se a favela, portanto, não fosse bairro. Mas é ainda por meio dos tiroteios - como quando uma moradora levou o projétil que atingiu seu prédio sob o discurso de que “só a [Unidade de Polícia Pacificadora] UPP não tá conseguindo segurar! Que o [Batalhão de Operações Policiais Especiais] BOPE se faça presente!” - e por reclamações de bailes funks8 e do crescimento imobiliário desordenado nessa localidade, que a favela é reforçada como indesejável pelos moradores de seu entorno.

Em relação à sensação de (in)segurança em Copacabana e no Leme, por exemplo, um morador “linha dura” argumenta, em comparação, que



- Copacabana é cartão de visita do Brasil, tinha que ter condição especial sim [com o Batalhão de Polícia de Choque, o BOPE e as Forças Armadas]! O bairro está uma favela, não dá mais!

Sendo aplaudido pela maioria, esse morador reafirma a desvalorização do bairro diante da onda de marginalidade e criminalidade, que faria a favela “descer” para o “asfalto” de forma contagiosa e nociva. Quando, portanto, a desordem (o perigo e o medo) aparece nos bairros de classes médias e altas do Rio, a relação com a favela, como propagadora dessa desordem, é imediatamente explicitada. O então presidente do CCSCL ainda reconhece, por um lado, que moradores de Copacabana e do Leme têm cobrado bastante do 19º BPM, pois “a situação está muito complicada nas comunidades”, e para tanto, têm pedido o auxílio também do Choque e do BOPE, pois o que veem como problema não tem fácil resolução e “traz reflexo pro asfalto”. Segundo ele, “vai ter confronto, abrir incisão, ter trauma lá em cima, não pode é deixar do jeito que está”, ao se referir às favelas - agora como algo minimamente distante - e à necessidade de atuação da polícia.

Para alguns moradores e moradoras de Copacabana e do Leme, portanto, a regulação (e regularização) da moradia é uma exigência ao governo municipal como planejamento urbano, visto que a autoconstrução de moradias populares (KOVARICK, 1980) e o crescimento imobiliário do mercado informal do solo (ABRAMO, 2009) vêm trazendo muitos problemas para os bairros como um todo - inclusive problemas de segurança, ao ampliar os territórios da pobreza e da criminalidade (nesse caso, sempre relacionáveis). Dessa forma, a solução da política habitacional seria a construção de habitação social, como conjuntos habitacionais em áreas distantes dos centros e dos cartões-postais, e a remoção das favelas, oficialmente as “áreas de risco” da cidade.

Essa categoria de “área de risco”, por outro lado, também é apropriada, como demonstrado, pelos próprios moradores, em razão da denunciada desvalorização do bairro de Copacabana, que “estaria virando uma favela”, o que aponta a limiaridade (CAVALCANTI, 2010) dos territórios da cidade em suas subjetivações e segregações. Como limiaridade, reconheço, aqui, o processo de reconfiguração das fronteiras físicas, sociais e simbólicas do espaço urbano no modo como os limites entre “favela” e “cidade formal” são (re)produzidos (Ibid.). Se favela é cidade, onde começa a favela e onde termina a cidade? Sob um ponto de vista urbanístico, em um sentido estrito, a proximidade às “favelas” ou às diferentes “áreas de risco” atualizadas e aquelas tidas como privilegiadas vêm sofrendo alterações. É o caso de ruas como a Sá Ferreira e a Saint Roman e de praças como a do Lido e a Cardeal Arco Verde, em Copacabana, que, pela proximidade com as favelas e/ou pela presença de “moradores de rua” e de camelôs, vêm recebendo denúncias pelos moradores no CCSCL, que exprimem, inclusive, o desejo de se mudar de lá por causa da confusão, do barulho e da sujeira desses corpos para eles estranhos e indesejáveis. Ou seja, espaços de desordem e ilegalismos são referenciados nas representações das camadas médias como “territórios favelados”, o que não só marginaliza e deslegitima as favelas como parte da cidade, como também ignora suas particularidades, suas resistências e identidades culturais coletivas, mais diversas que qualquer adjetivação.
As paradas de ônibus vindos das zonas Norte e Oeste

A Zona Sul do Rio, e principalmente Copacabana, por suas praias e áreas de lazer, tem sido, desde muito, área de encontro dos diversos moradores da cidade, graças à mobilidade e ao acesso à cidade e a suas atrações. Porém, pelo perfil dos seus moradores e os privilégios que esses bairros têm diante de todo o restante da cidade, justamente essa mobilidade vem sendo cerceada. É o que acontece, por exemplo, com a mudança dos pontos de ônibus oriundos das zonas Norte e Oeste, que, de forma recorrente, limita o acesso às praias e aos shoppings da Zona Sul e é constantemente pauta nas reuniões do CCSCL. “É a ‘linha do terror’. Não vou generalizar, mas todo mundo sabe que é frequentada por delinquentes que vêm para cá cometer roubos e furtos”, diz o então presidente da Associação de Amigos de Copacabana e do CCSCL em entrevista ao jornal O Globo em 2016 (O GLOBO, 04/01/2016). Segundo ele, em reunião do Conselho em 2017, “[além dos ônibus] tem metrô ainda”, fazendo, assim, mais uma vez ser questionada, possivelmente, a atualização das representações sobre o atual inimigo urbano nesse território, sendo aquele que deve ficar recluso e distante dos acessos e do direito à circulação na cidade. Esses moradores dizem que o “problema é a saída da praia, aos finais de semana, dos marginais”. A marginalidade, portanto, territorializada nas fronteiras periféricas da cidade, é apresentada não apenas como segregação socioespacial, mas também como um problema de segurança.

A “Operação Verão”, operação de policiamento ostensivo nas praias cariocas durante o verão, em razão do aumento de sua movimentação e mobilidade na cidade, é também apresentada e discutida no CCSCL como uma “questão e [um] problema que envolve todos nós, não só Polícia Militar, Judiciário e afins, mas outras instituições, é uma situação que aflige todo mundo”, como comenta o major responsável. Eles têm analisado imagens de ônibus de moradores de comunidades específicas que se deslocam até o Arpoador, ressaltando que várias pessoas advindas dessas comunidades praticam crimes na região, sendo necessária uma maior atenção e um maior monitoramento da movimentação desses indivíduos. Para ele, “nenhum morador [de Copacabana ou do Arpoador] tem interesse de saber que foram presas 150 pessoas, mas quer saber que não ocorra o crime”, e por isso alega a necessidade de uma “ação preventiva”.

Uma ação estratégica estaria, portanto, sendo trabalhada em parceria, inclusive com as empresas de ônibus, com escolta preventiva e maior aproximação com a Guarda Municipal - inclusive em novo programa de segurança pública -, visando alinhar as ações de modo a “não segregar e evitar preconceitos”. Em conjunto, haveria parceria com a SMASDH, bem como com o Conselho Tutelar, para tratar da população mais vulnerável que frequenta as praias da Zona Sul. Como justificativa, o então presidente do CCSCL diz que “grupos [oriundos das Zonas Norte e Oeste] se valem da condição numérica para obter vantagens de forma ilícita”, reforçando um discurso do “morador-vítima” que “precisa de respostas, pois até desenvolverem todas as políticas... o problema já está aí e não podemos aguardar!”. Para ele, tem que haver uma “ponderação de interesses do cidadão de ir e vir e o do morador também, qual direito tem que preponderar?”, fazendo com que haja uma hierarquização, neste caso, de qual cidadão e qual vida “vale mais” para ser mais bem considerada e receber os seus privilégios - ou simplesmente, ter o direito de transitar pela cidade (LEFEBVRE, 2011; PHADKE, RANADE e KHAN, 2009). Esses dispositivos intensificam a segregação social e urbana, delimitando, inclusive, com fronteiras militarizadas de segurança, os espaços de lazer e os territórios da cidade.
A sensação de (in)segurança e seus (re)ordenamentos locais

A centralidade da “ordem” e das categorias de acusação nos discursos dos moradores e das moradoras de Copacabana reforça a necessária discussão sobre a agenda de políticas na atualidade. Aprimorado, seja em sua realidade seja em sua construção, o “problema da segurança pública” e do ordenamento urbano não é, nem de longe, um problema recente na cidade do Rio de Janeiro, como demonstra toda a trajetória de políticas públicas em suas mais diferentes estratégias e dispositivos durante, principalmente, essas duas últimas décadas (LEITE, 2012; LEITE et al., 2018) - ao considerar, por exemplo, a política de pacificação, inaugurada em 2008 com grande incentivo de setores financeiros, administrativos e da classe média da cidade, além da proposta de integração de diversos setores públicos, em diferentes esferas, na implementação de novos programas e projetos. A expansão do poder do Estado, por meio de operações policiais ou da ocupação de territórios como seu efeito principal, e a violência urbana como uma forma de intervenção - como a “guerra às drogas” nas favelas e a perseguição de pessoas em situações de rua no asfalto - podem servir para diferentes usos políticos, em disputa com as questões econômicas de uma conjuntura de interesses e constantes crises (FERGUSON, 2009). Sob uma nova ótica, que tem como pano de fundo as disputas políticas eleitorais que envolveram o período das eleições municipais de 20169 e das eleições estaduais e presidenciais de 201810, o debate sobre segurança pública se amplia não só nas promessas de governo ou por meio de estatísticas e dados sobre criminalidade, mas sob um outro imaginário de atuação da sociedade civil em sua concepção de segurança e de ordem pública, além de um novo direcionamento de atribuições das forças policiais, em correlação.

Diante do contexto da cidade do Rio de Janeiro das últimas décadas, as denúncias relacionadas à desordem urbana não são, é claro, particularidade dos bairros da Zona Sul e de seus moradores de camadas mais abastadas da sociedade. Em uma crise fiscal e financeira que se intensificou no final dos anos 2010, o estado e o município do Rio presenciam um aumento significativo da informalidade e do desemprego11, causando uma maior degradação da situação de vida das populações mais pobres, que têm que migrar pela cidade em busca de condições de trabalho e subsistência. Consequentemente, como já apontado, a violência urbana, como parte do resultado da enorme desigualdade e segregação da cidade, também atualiza seus números e suas percepções no imaginário urbano, atingindo de diferentes formas cada um de seus moradores. Portanto, em um cenário pós-megaeventos internacionais, em que as atenções municipais relacionadas ao ordenamento da cidade passaram para um segundo plano, sem muitos investimentos e precisando lidar com maiores crises, as soluções para o problema da segurança pública passam a gerir uma disputa entre as mais diferentes esferas, do público e do privado.

Ao acompanhar, por exemplo, a participação de moradores e moradoras de Copacabana e do Leme em reuniões comunitárias, como a do CCSCL, percebe-se, em seus relatos, que as insatisfações e as demandas direcionadas aos órgãos municipais e estaduais em disputa circundam em torno de temas de ordem pública e sua consequente (ou suposta) relação com a sensação de (in)segurança, como o aumento da população em situação de rua, os ilegalismos do comércio ambulante, a violência e a “desordem” das favelas e a presença de moradores de outras regiões da cidade durante os finais de semana e/ou verão e/ou eventos específicos (POLYCARPO, 2018). No caso do recorrente “incômodo” diante do crescimento da população em situação de rua, é demandada uma política de “tolerância zero” a todos aqueles que não são apenas “moradores de rua”, mas viciados, “cracudos” e criminosos em potencial. Para além dos “moradores de rua”, esses moradores e moradoras têm observado um crescimento desordenado dos camelôs em Copacabana e denunciado que muitos deles são “importados” - isto é, vindos do Equador, da Venezuela e do Paraguai - e estão contrabandeando mercadoria roubada ou falsificada, além de sujarem as ruas e calçadas com suas mercadorias e alimentos, sem nenhum respeito ao bairro e ao meio ambiente.

Ou seja, o medo e a insegurança delimitam a paisagem urbana a partir de concepções simplistas e estereotipadas, marcadas, principalmente, pelos vieses de raça e de classe, em suas intersecções, presentes no conflito urbano carioca (e brasileiro) desde muito antes da própria urbanização. Com isso, essas representações e discursos fazem reverberar reações particularistas - ou até mesmo ilegais, como as “milícias urbanas” - no contexto em que as instituições da suposta ordem aparentam estar em disputa política, conferindo novos significados não apenas às experiências individuais dos moradores dos de Copacabana e do Leme, mas também ao contexto político e social em que ocorrem. Esse é um cenário desenhado por territorialidades urbanas de contornos incertos, atravessadas por conflitos e tensões por todos os lados, mas que se configuram tanto pela mercantilização dos espaços (TELLES, 2015), como pela produção simbólica (e moral) do pertencimento legítimo ou não a esses territórios.

Algumas dessas insatisfações, por outro lado, não são construídas apenas na atualidade, mas partem de representações de moradores desses bairros desde, pelo menos, a década de 1990, de acordo com pesquisa realizada por Barbara Musumeci et al. (1996) durante os dez meses de experiência de policiamento comunitário em Copacabana. Essas insatisfações podem também ter sido reforçadas pelas representações criadas durante a atuação do Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais (GPAE) na favela do Cantagalo, ou durante a implementação do programa de pacificação nas favelas de seu entorno no período dos megaeventos. Elas podem, na verdade, representar o conflito urbano desde o processo de construção da própria cidade do Rio de Janeiro, configurado como um conflito de classes. Ou seja, os incômodos que protagonizam as representações coletivas e as sensações de insegurança em Copacabana e no Leme, o “cartão-postal” vanguardista, ainda se pautam nos mesmos “problemas”, porém enquadrados sob uma nova concepção e atuação dos moradores no atendimento de suas necessidades, em maior participação e avaliação, sob diferentes formas de construção de dispositivos de políticas.

Em períodos anteriores, porém, o espaço para compartilhamento de insatisfações e demandas da população dos bairros não se fazia tão legítimo, nem tão organizado. Mesmo que durante a experiência de policiamento comunitário, em 1994, tenha sido propiciado um espaço anônimo para críticas e demandas (MUSUMECI et al., 1996), por meio de bilhetes e cartas direcionadas ao 19º BPM, o retorno dessas solicitações ainda estava ocultado pelas vias burocráticas de uma política - e de uma polícia - em treinamento. A centralidade da atuação do CCSCL nos últimos anos trouxe efetiva mudança e inovação na forma de mobilização dos moradores e moradoras desses bairros, que, a partir de um cenário de aprimoramento da gestão coordenada das políticas de segurança (POLYCARPO, 2019), viram uma boa oportunidade de operacionalização de seus interesses. Esses dispositivos se potencializam no atual contexto político de crise dos poderes e de fortalecimento da imagem das instituições policiais no Brasil, ampliando seus espaços de intervenção e disputa sob a égide de um grupo organizado para atendimento de seus interesses sob as suas concepções de segurança e ordem - como os representantes de Copacabana no CCSCL. Para tanto, esses representantes legítimos mobilizam símbolos e tecnologias para (re)construir o seu bairro em meio ao conflito urbano.

Nesse contexto, diferentes projetos de segurança pública centrados na ocupação estatal-militar de territórios considerados perigosos12 (LEITE et al., 2018), por um lado, e na redução da criminalidade e da sensação de insegurança em bairros nobres (POLYCARPO, 2019), por outro, são propostos e operacionalizados por meio da ampliação de parcerias com os mais heterogêneos setores, como a iniciativa privada e as esferas municipal, estadual e federal e seus órgãos. Essas parcerias sugerem um fortalecimento da integração das iniciativas baseadas em um modelo de coordenação técnica de governo (HIRATA e CARDOSO, 2016), que, por conseguinte, são responsáveis por um processo de securitização da cidade (HIRATA, 2014), de suas identidades e fronteiras. Esse processo atualiza, como bem aponta Teresa Caldeira (2000), pelo menos dois modos de discriminação: a privatização da segurança e a reclusão de alguns grupos sociais em enclaves fortificados, limitando os acessos dos direitos de cidadania - e do direito à cidade de uma parcela marginalizada. Um exemplo da atuação e da operacionalização desta disputa é o programa Rio Seguro e Vigilante, fruto de uma cooperação anunciada pela Prefeitura em 2017 e implementada no mesmo ano em Copacabana, bairro-piloto (RIO DE JANEIRO, 2017), que impõe maior restrição de acesso à cidade ao atualizar as barreiras “limiares” de espaços, subjetividades e identidades, e, como projeto político, cerceia e criminaliza seus diferentes usos e ocupações por meio de policiamento ostensivo da Polícia Militar e da Guarda Municipal, em ação integrada com outros órgãos da Prefeitura.

O projeto Rio+Seguro, em atuação desde dezembro de 2017 em Copacabana e no Leme (POLYCARPO, 2019) por iniciativa parlamentar do vereador Marcelo Arar (PTB), morador do bairro, tem como principal objetivo o atendimento de casos relacionados à desordem urbana, como a fiscalização do comércio informal e ilegal, a ocupação irregular de calçadas pelas pessoas em situação de rua e a perturbação do sossego, e tem sido recebido de braços abertos em parceria com moradores e moradoras desses bairros. Com um pouco mais de três anos de atuação, o projeto Rio+Seguro tem se mostrado, para alguns desses moradores, uma alternativa eficaz no ordenamento urbano e na repressão ao crime violento, ao mesmo tempo que representa uma maior aproximação das instituições públicas, municipais e estaduais, e de seus agentes de segurança, em diálogo e atendimento de demandas locais, visto a presença massiva dos órgãos e agentes nas reuniões mensais do CCSCL e suas recorrentes apresentações de agenda e prestações de contas com os moradores13. Como proposta de segurança municipal, por exemplo, e prova da eficácia política de seus resultados, o Rio+Seguro também tem se ampliado para outros territórios e parcerias. Dessa forma, sob novas concepções de segurança e novas formas de se fazer políticas nesses bairros, as representações coletivas das camadas médias e a sensação de insegurança de um bairro reconhecido no imaginário carioca como “cartão-postal” reordenam as atividades e a agenda de políticas de segurança em questão, atualizando as disputas pelos territórios e fronteiras na cidade.
Considerações finais

A diversidade de corpos, trajetórias, cores, atividades, estratégias e identidades no espaço urbano de um bairro nobre da Zona Sul do Rio de Janeiro não só representa aspectos do conflito urbano do século XXI, nas suas novas intersecções com o trabalho e formas de vida, principalmente nas metrópoles do capitalismo contemporâneo, mas o conflito como desordem a ser agenciada a partir da gestão (e delimitação) das legalidades em meio à representação da violência urbana e da sujeição de potenciais criminosos. Ou seja, nesse cenário, até meados do século XX vendido como distintivo e bem ordenado sob a lógica do progresso e da civilidade, a interação com outros corpos e estratégias de vida é algo disruptivo que choca as barreiras da limiaridade do espaço urbano (CAVALCANTI, 2010), agora ocupado e enfrentado por aqueles considerados os inimigos urbanos e operando, portanto, também de modo a classificar pessoas e associar suas características ao espaço. Essa reconfiguração pode inaugurar toda uma série de disputas, bem como acirrar outras em andamento na dinâmica do processo urbano.

Nesse reordenamento, as concepções sobre espaço e segurança se atualizam na reivindicação de características distintivas e contraditórias a partir de uma metáfora do “risco” e da desvalorização do que se tem como imaginário de uma área nobre. Ao relacionarem, por exemplo, Copacabana como “área de risco”, “favela” e “Cracolândia” em seus discursos, vide a interação com outros corpos e classes do entorno do bairro, os moradores e moradoras do bairro expandem as fronteiras “limiares” de espaço nos dois sentidos: favela-bairro e bairro-favela. Decerto, os acessos entre esses espaços sempre existiram; porém, a “tomada” do bairro pela favela, nas suas características consideradas marginais e informais, é ameaçadora, segundo os moradores. A informalidade e a ideia de marginalidade, nesse caso, não estão apenas territorializadas nas favelas, mas favelizando o próprio bairro, identificadas pela não regulação do trabalho e da moradia de homens e mulheres estranhos e não pertencentes àquele lugar.

A cidade, porém, não é apenas contexto, mas algo que se constrói no modo como os espaços e estruturas são produzidos, geridos e agenciados na dinâmica da acumulação urbana, da produção de riquezas, dos modos de circulação e apropriação, de suas redes, funções e espaços (HARVEY, 2012). E, principalmente, as metrópoles urbanas da contemporaneidade são movimento, fluxo, rede e transição. O próprio indivíduo tipicamente urbano é considerado também estrangeiro/visitante (AGIER, 1997), por todas as subjetividades e distâncias interacionais e relacionais que transformam os próprios territórios da cidade por meio de seus usos e identificações. É essa disputa que está sendo travada constantemente como conflito de classes e como lógica mercadológica das cidades e suas regiões de interesse - com suas funções na distribuição da população e das atividades urbanas (Ibid.) -, ao chocar as limiaridades dos territórios, das identidades e das representações no fenômeno urbano. Os diferentes imaginários urbanos (AGÜERO e PERELMAN, 2017), de uso e memória, se conflituam por meio dessas representações e da capacidade de disputa material pela pluralidade de existências e identificações na construção contínua do espaço urbano, tensionados por significados, categorizações, descrições e moralidades.

A partir, portanto, do estudo de caso apresentado neste texto, podemos reconhecer o que esperam alguns dos moradores que se consideram os representantes legítimos do “cartão-postal” do Rio de Janeiro ao defenderem, de forma autônoma, seus interesses: uma reprodução constante da elitização e da segregação socioespacial, em diferentes enclaves, físicos e simbólicos - como a própria representação e narrativa sobre o “crime”, a criminalidade e a (in)segurança passível de controle urbano e policial (CALDEIRA, 2000) -, que não estão apenas na imposição de uma criminalização e da consequente militarização dos territórios da pobreza, mas se agravam na demanda cada vez maior por uma “cidade securitária” (HIRATA, 2012).

A gestão militarizada, com mobilização de novos mecanismos de controle e delimitação de seu território e de sua identidade - ou seja, de gestão dos espaços e das populações -, é acompanhada por uma “vigilância policialesca” de condutas e práticas indesejáveis, não por indicarem alguma ilegalidade ou crime, mas pelo potencial de “risco” e ameaça à ordem urbana e ao bem-estar de determinada população (TELLES, 2015) - população essa, no caso, que se considera legítima: os moradores e moradoras saudosistas do bairro de Copacabana. Sob esse olhar, novas dinâmicas de acesso e uso vão sendo percebidas e a análise do processo urbano vem a ganhar outras problematizações em meio a noções de segurança, crime, risco e pertencimento, em seus discursos e disputas de poder, reforçando as fronteiras e as territorialidades da cidade do Rio de Janeiro.

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Este trabalho apresenta resultados de minha pesquisa de doutorado em andamento, realizada no âmbito do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e recebe apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
2
Copacabana e Leme, bairros contíguos, têm uma similar trajetória de ocupação, porém diferentes representações no imaginário social — e no próprio CCSCL (POLYCARPO, 2018). Ambos são considerados conjuntamente no CCSCL pela extensão de sua faixa de areia, banhada pelo Atlântico. Seus limites territoriais, no entanto, inserem Copacabana como o segundo bairro mais populoso da cidade do Rio de Janeiro, com cerca de 150 mil habitantes, segundo o Censo de 2010, e mais de cinco associações de moradores. É por essa razão que os dados — e este texto, por conseguinte — revelam mais informações sobre Copacabana, mesmo que o Leme seja também representado.
3
Após o desmantelamento da política pública de pacificação no Rio de Janeiro, implementada nas favelas do entorno Chapéu Mangueira, Babilônia e Pavão-Pavãozinho, em 2009, novos programas de segurança em parceria com diferentes órgãos públicos e agentes privados foram instalados no território e passaram a fazer parte da representação do CCSCL, como o projeto Rio+Seguro, da Prefeitura do Rio de Janeiro, implementado em dezembro de 2017 nos bairros de Copacabana e Leme (POLYCARPO, 2019). Como parte de uma nova gestão das políticas de segurança pública na cidade, o Copacabana Presente foi também implementado em janeiro de 2020 em Copacabana e no Leme e, agora, compõe a coordenação integrada desses bairros, ao manter a parceria com a Prefeitura, o governo do estado e o setor privado de segurança — e ao elucidar a prioridade das políticas de segurança no cenário atual. Esses programas serão tratados mais adiante neste texto.
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Fala de um participante em uma reunião do CCSCL em 2017.
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Copacabana, desde o século XIX, era ocupada principalmente por populações de pescadores que, distantes do centro urbano, construíram espaçados casebres em meio ao arrabalde. Em seus morros, particularidade da cartografia carioca, se espalhavam também pequenos e pobres sítios. Quando a companhia de bondes Companhia Jardim Botânico expandiu seu empreendimento ao abrir o Túnel Velho, em 1892, a aristocracia botafoguense passou a também ocupar aquela área para seus passeios e piqueniques, como um espaço de beleza e saúde na cidade (O’DONNEL, 2013).
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A observação participante das reuniões do Conselho Comunitário de Segurança de Copacabana e Leme fazem parte do campo de minha pesquisa desde o mestrado, entre 2016-2018. Portanto, até o momento de apreensão dos dados para este trabalho, foram totalizadas 15 reuniões de acompanhamento e análise, onde discursos e categorias foram levados em consideração, inclusive, na construção metodológica da própria pesquisa.
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Enquanto um morador faz esse comentário em uma reunião do CCSCL, nas cadeiras, uma outra moradora vocifera: “Morram os funcionários públicos!”.
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Para além do “barulho” dos bailes funks das favelas, uma demanda bastante levantada pelos moradores do Leme é a situação dos quiosques e dos bares, que, segundo a então presidente da Associação de Moradores do Leme (AMA) do Leme, chegou à Câmara de Vereadores por meio do pedido de não autorização de músicas na orla.
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Aqui, me refiro à disputa eleitoral municipal entre Marcelo Freixo (PSOL) e Marcelo Crivella (Republicanos). Durante a campanha, o tema da segurança pública esteve presente nos debates. Por um lado, discutia-se as críticas às ações policiais e à violência nas favelas, com apontamentos sobre a necessária reformulação das polícias no estado, a partir do candidato do PSOL; por outro, o candidato do Republicanos pedia o fortalecimento do discurso de maior policiamento e repressão à criminalidade. O resultado, nesse pleito, foi a eleição de Crivella para a Prefeitura do Rio de Janeiro, que já nos primeiros meses reordenou o município para as funções de segurança.
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As eleições presidenciais de 2018 foram de intensos conflitos, perpetrados, principalmente, pela prisão política do ex-presidente e então candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — que deu lugar ao candidato Fernando Haddad (PT) — e pelo assustador aumento da popularidade do ex-militar e então deputado federal Jair Bolsonaro (à época, filiado ao PSL). Em meio a um processo eleitoral com diversas tensões e ilegalismos, o pleito foi disputado por Haddad e Bolsonaro. Com discursos moralizadores e violentos, Bolsonaro se colocava como principal figura para o combate à criminalidade e à corrupção no Brasil, prometendo privilégios para as Forças Armadas e suas polícias na atuação cotidiana, além do armamento civil para a segurança pessoal da população. Nessa mesma linha, as eleições do governo do estado do Rio de Janeiro contaram com o fortalecimento da figura do ex-juiz Wilson Witzel (PSC), que, ao longo de toda a campanha, prometeu “abater” os criminosos e “atirar na cabecinha” de indivíduos armados com fuzis. Ambos, Bolsonaro e Witzel, foram eleitos, implementando suas políticas e concepções de segurança pública.
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Dados do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV) demonstram, por exemplo, que em 2018 o Rio de Janeiro foi o estado com o pior desemprenho entre todos os analisados, sendo o único com queda do indicador de atividade econômica. Além disso, naquele ano o desemprego atingiu taxa de 15%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), enquanto vagas sem carteira assinada tiveram alta de 0,8% em relação ao mesmo período do ano anterior. Em paralelo, confirmando o aumento da informalidade, houve queda no número de trabalhadores com carteira assinada, de 41,1% em 2017 para 38,4% em 2018 — uma queda de 2,7%. Com isso, desafios para a segurança pública foram atualizados.
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Em referência, nesse caso, à ocupação de territórios de favelas pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) e por agentes da Polícia Militar, a partir de 2008, e/ou pelas Forças Armadas em intervenção federal militar, em 2013, no Complexo da Maré, por exemplo.
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Durante 2020, em decorrência da pandemia do novo coronavírus que atingiu o Rio de Janeiro em março, as reuniões mensais do CCSCL foram canceladas, como medida de prevenção sanitária. Dessa forma, a comunicação entre moradores e moradoras de Copacabana e do Leme, agentes de segurança e representantes dos órgãos públicos municipais e estaduais passou a ser realizada (ou mediada) por meio de grupos de WhatsApp. A análise dessa interação e das demandas em meio a uma crise sanitária — e humanitária — será tratada em outro momento, não cabendo ao escopo deste artigo.

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