quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

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Leste da Alemanha limpa matriz energética
A antiga nação comunista transitou de carvão para fontes mais renováveis

NASA/Chris Hadfield
Lembrança persistente de um passado dividido: A diferença entre os sistemas elétricos do leste e oeste da Alemanha ainda pode ser observada nas luminárias públicas de Berlim. As luzes azuladas da parte ocidental contrastam com as douradas do lado oriental da capital alemã.


A quase322 kmacima da Terra, o astronauta canadense Chris Hadfield olhou por uma janela da Estação Espacial Internacional (ISS) para um mar de luzes brilhantes abaixo e tirou uma foto de Berlim, a capital da Alemanha.

À noite, as luminárias de rua da cidade delineiam as grandes vias públicas que irradiam de seu centro como uma teia de aranha. O contraste entre luzes azuladas e douradas reflete a história moderna da metrópole.

Na foto pode-se ver nitidamente onde o bulevar Unter den Linden encontra o Portão de Brandemburgo às margens do Tiergarten, o enorme parque urbano que aparece como um oval preto cortado por uma clara linha divisória dourada.

O outro círculo escuro, no centro, é o antigo Aeroporto Tempelhof, agora um parque, onde aviões de carga C-47 americanos pousavam para abastecer Berlim Ocidental com comida, carvão e suprimentos médicos durante o bloqueio soviético [de 24 de junho de1948 a12 de maio de 1949] que culminou na divisão política da Alemanha.

Mas a relíquia mais óbvia da cidade antes dividida reside nas próprias luzes.

“Espantosamente, acho que as lâmpadas ainda mostram a divisão leste/oeste da órbita [terrestre]”, Hadfield escreveu em um post no Facebook no ano passado.

No lado esquerdo da foto, que corresponde a Berlim ocidental, as luzes aparecem em um tom azul-acinzentado em comparação com os reflexos de cor âmbar na parte oriental. A linha onde eles se encontram traça a direção da infame barreira de concreto, de mais de3,5 metrosde altura, hoje coberta de grafites, que separou os berlinenses durante mais de 28 anos.

Embora o próprio Muro tenha caído sob marretas e motoniveladoras, reduzido a um memorial da largura de apenas dois tijolos que atravessa a cidade, o fantasma de um país dividido ainda assombra os sistemas energéticos da Alemanha.

De usinas de energia a linhas de alta tensão, a nação passou os últimos 25 anos apagando as diferenças entre leste e oeste e investiu bilhões em sua infraestrutura.



Ambiciosa redução de emissões de CO2 

Agora, o país reunificado tem metas climáticas e energéticas entre as mais ousadas do globo sob o programa “Energiewende”, ou transição energética.

Sua meta é desligar todos os reatores nucleares até 2022 e gerar 80% de sua eletricidade a partir de fontes renováveis até 2050. Ao mesmo tempo, o governo alemão decidiu reduzir em 89% as emissões de gases de efeito estufa em relação aos níveis de 1990 até 2050.

O processo de unificação oferece alguns insights sobre como o país pode alcançar suas ambições.

Sob o regime da antiga República Democrática Alemã (RDA), a Alemanha Oriental extraía anualmente 300 milhões de toneladas de linhito, ou carvão marrom, que é muito mais sujo para minerar e queimar que variedades de carvão mais duro.

Mas linhito é barato e abundante na Alemanha e a RDA atendia 70% de sua demanda de energia com ele, incluindo eletricidade, aquecimento e até transportes. Outros 10% das necessidades energéticas vinham de reatores nucleares projetados pelos soviéticos.

A matriz energética, era centralizada, e dispunha de grandes instalações de distribuição de energia para a população e os centros industriais. O governo comunista da RDA planejava e gerenciava o sistema de cima para baixo.

Tudo isso ruiu junto com o Muro.

Logo após a reunificação, em 3 de outubro de 1990, autoridades desligaram todos os reatores nucleares do leste e suspenderam a construção de uma nova usina, alegando preocupações de segurança.

Uma nova companhia de energia se formou na região oriental, desmembrou o restante da falida estrutura da indústria de energia da RDA e comprou os antigos geradores estatais e linhas de transmissão a preços baratos.

“Após essa liberalização do mercado da noite para o dia, uma grande parcela da indústria de linhito faliu”, explicou Felix Matthes, coordenador de pesquisa para política energética e climática do Instituto de Ecologia Aplicada (Öko-Institut), em Berlim.

Muitas das centrais elétricas da antiga Alemanha Oriental não conseguiram competir no mercado aberto e fecharam. A redundância dos sistemas foram eliminadas e a geração de energia deixou de ser centralizada, passando para companhias de distribuição municipais, muitas das quais decidiram construir suas próprias centrais de cogeração de energia [-tecnologia em que o calor produzido na geração elétrica é usado no processo produtivo sob a forma de vapor-] a gás.

Com o tempo, usinas movidas a carvão, remanescentes da Guerra Fria, foram sendo substituídas por novos geradores a carvão, mais limpos e mais eficientes, que começaram a chegar do lado ocidental da Alemanha e de outras partes do mundo como investimento atraído por incentivos fiscais favoráveis.

Paralelamente, no entanto, o governo alemão pagou pela limpeza e reabilitação de minas de linhito a céu aberto.

Mas ainda levou alguns anos para que a grade de transmissão fosse integrada. Berlim ocidental permaneceu uma ilha elétrica até a cidade instalar interconexões em 1995. O operador da rede no leste da Alemanha, 50Hertz, não respondeu aos pedidos de comentários.



Convivendo com os altos e baixos da energia solar

Enquanto isso, a primeira iteração da tarifa feed-in [– mecanismo de política pública destinado a acelerar o investimento em energias renováveis por meio da oferta de contratos de longo prazo para produtores –.] de energia renovável do país, aprovada pelo Bundestag, o Parlamento alemão, em 1991, entrou em vigor.

No leste da Alemanha, as energias solar e eólica encontraram um mercado confortável porque algumas cidades viram suas populações despencar à medida que fábricas locais fechavam suas portas devido à forte concorrência no mercado.

Isso deixou um sistema energético exagerado e caro com uma receita muito limitada destinada à manutenção de grandes companhias. Portanto, praticamente não havia como fazer upgrades, ou modernizações.

Comunidades nos novos Länder, estados federados orientais, responderam a isso com cooperativas energéticas, construção de turbinas eólicas, instalação de painéis solares em telhados e construção de geradores de biomassa para atender às suas próprias necessidades.

A energia limpa só ganhou mais força quando a Lei de Energia Renovável da Alemanha (EEG) foi aprovada em 2000.

Quando a produção de painéis solares se estabeleceu, os alemães orientais viveram os altos e baixos da prosperidade, falência e renovação da indústria. Atualmente, a região também detém um terço da capacidade alemã de energia eólica.

Embora a energia renovável tenha atendido a 28,5% do consumo de energia elétrica em todo o país no primeiro semestre deste ano, essa participação ultrapassou os 40% na antiga RDA.

Fábricas fechadas, usinas movidas a combustíveis fósseis desativadas, crescente proliferação de energia renovável, upgrades de eficiência e uma população em declínio se somaram e resultaram em uma grande redução na emissão de gases de efeito estufa no leste.

Durante a década após a reunificação, a emissão de gás carbônico alemã caiu 15%. Nos estados federados do leste, as emissões do setor de energia despencaram 43% entre 1990 e 1995.

Esses avanços custaram muito caro à nação reunificada. “Isso tudo não foi gratuito”, salientou Felix Matthes. “Custou ao contribuinte alemão € 1,5 trilhão [cerca de US$ 1,87 trilhão] até agora”.

Os alemães orientais sofreram particularmente quando suas taxas de energia, até então subsidiadas pelo Estado comunista, triplicaram e se equipararam ao preço de mercado pago pelos ocidentais. O produto interno bruto (PIB) na região encolheu mais de 30% nos dois anos imediatamente após a queda do Muro.

Parte do investimento em energia alemã oriental também teve consequências não intencionais, uma vez que elas surgiram antes que as mudanças climáticas se estabelecessem como consciência pública.

Como o parque de usinas a carvão no leste é muito mais recente, isso significa que essas instalações ainda têm décadas à frente para emitir mais dióxido de carbono (CO2), enquanto muitas usinas movidas a combustíveis fósseis na parte ocidental estão chegando perto da aposentadoria, o que abre a possibilidade de substituí-las por algo mais limpo.

Companhias de energia ainda mineram cerca de 80 milhões de toneladas de linhito no leste. Neste verão boreal, empresas de mineração foram autorizadas a expandir suas operações a céu aberto, o que gerou protestos internacionais (Greenwire, 25 de agosto, em inglês).



Gerenciando altos níveis de energia intermitente

De qualquer modo, a economia alemã cresceu como um todo ao longo das últimas duas décadas e agora é a maior da Europa. E, apesar dos altos níveis de energia renovável intermitente, o Conselho de Reguladores Europeus de Energia concluiu que a Alemanha tem a grade elétrica mais confiável do continente.

“De certa forma, a região leste da Alemanha é um caso interessante para a Energiewende, porque de um lado há muito carvão, mas do outro também há muitas [fontes] de energias renováveis”, resumiu Patrick Graichen, diretor executivo da Agora Energiewende, um think tank de energia em Berlim.

“Se você quiser entender como gerenciar um sistema de flutuante [energias renováveis], o leste da Alemanha já tem uma participação bem alta”.

Como a reunificação, a Energiewende desperta um sentimento de solidariedade entre os alemães, embora os custos pesem no bolso dos contribuintes (ClimateWire, 22 de outubro, em inglês).

Autoridades públicas não estão se distanciando de seus ambiciosos objetivos, embora o resto da União Europeia tenha concordado, em outubro, em adotar meta mais modesta de redução de 40% das emissões até 2030.

No final de outubro, o ministério do ambiente alemão anunciou estar considerando planos para fechar algumas usinas de energia movidas a carvão para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Quanto às luzes de Berlim, a distinção deverá desaparecer à medida que a cidade substituir suas lâmpadas de mercúrio e vapor de sódio por LEDs mais eficientes.

Além das luminárias modernas, a capital alemã ainda tem quase 44 mil lâmpadas a gás, mais da metade das remanescentes no mundo, e grupos ativistas como o Gaslicht-Kultur estão fazendo um lobby para mantê-las acesas.

Como algumas delas datam do século 19, suas luzes iluminam uma parte da história do país que os berlinenses não querem esquecer.

Scientific American Brasil

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