segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Mares barulhentos

Cientistas suspeitam que atividades humanas contribuem para elevar os níveis de ruído nos oceanos, afetando a saúde e o comportamento da vida marinha. A Unesco e pesquisadores internacionais vão investigar o tema no Experimento Oceano Silencioso Internacional, que deverá durar dez anos.

Wendy Watson-Wright *

A mudança climática global pode ter alterado ambientes invisíveis no último século. A “paisagem sonora” submarina ou o ruído ambiental dos oceanos vem aumentando há décadas, em razão da presença humana nos mares. A exploração industrial crescente dos oceanos introduziu fontes de som submarinas, tais como sonares militares, armas de ar comprimido para exploração de petróleo e gás, fixação de estacas, meios de transporte e navegação de recreio.

Em particular, ao longo das últimas décadas, a contribuição dos navios comerciais para o ruído ambiente cresceu 12 decibéis – um aumento significativo acima do estado natural em alguns locais. Ruídos antrópicos associados a essas atividades e à industrialização têm aumentado em todo o espectro de som submarino, sobretudo na faixa de frequência baixa (<500Hz). Além disso, no oceano as ondas sonoras podem se propagar por centenas de quilômetros.

Estamos apenas começando a entender a grande variedade de sons do oceano e do papel do som na vida e no comportamento dos animais marinhos. Muitos dependem da acústica para perceber o ambiente, para comunicar-se e procurar alimento. Os sons de baixa frequência são muito importantes para várias espécies marinhas, como baleias e golfinhos, e é exatamente essa faixa a que está experimentando o maior aumento de ruídos originários de seres humanos.

As respostas dos animais às mudanças nos sons de fundo, ou até mesmo a fontes de ruído locais, podem ser de difícil observação para os cientistas. Encalhes de peixes ligados a exercícios com sonares militares são a evidência mais facilmente observada de uma resposta comportamental ao estresse do som.

Além disso, suspeita-se da existência de uma síndrome de diminuição da capacidade de desempenhar funções normais em muitas espécies da fauna marinha. Por exemplo, descobriu-se que, na presença de um alto ruído de fundo, diversas espécies de baleias “levantam a voz” ou mudam seus chamados a fim de comunicar-se, ou ainda param de vocalizar todas juntas.

Nosso conhecimento da maneira como a maioria dos organismos marinhos sente e responde comportamentalmente a estímulos sonoros é muito limitado. Precisamos iluminar os tipos de respostas dados por organismos individuais a ruídos diferentes, sobretudo em espécies que já foram identificadas como ameaçadas de extinção.


No experimento que estamos preparando, a ideia de “oceano silencioso” implica comparar as mudanças comportamentais quando o nível de som de fundo muda, seja manipulando diretamente o ruído ambiental, seja realizando estudos do tipo “antes e depois” em locais onde a acústica do oceano muda, tais como antes e durante a construção de projetos marinhos ou quando o tráfego de embarcações pode ser redirecionado de uma área para outra.

O Experimento Oceano Silencioso Internacional (IQOE, na sigla em inglês), que a Unesco promove com pesquisadores de diversos países, é coordenado pelo Comitê Científico de Pesquisa Oceânica e pela Parceria para Observação dos Oceanos do Globo, da qual a Comissão Oceanográfica Intergovernamental da Unesco (IOC, na sigla em inglês) é membro. Por meio do Sistema Global de Observação dos Oceanos, o IOC está envolvido na avaliação da possibilidade de observações sistemáticas globais da “paisagem sonora” do oceano.

Com duração prevista de dez anos, o Experimento visa engajar de forma colaborativa a comunidade oceanográfica mundial, combinando os conhecimentos de oceanógrafos físicos, especialistas em acústica, biólogos comportamentais, modeladores de ecossistema e biólogos populacionais. Os objetivos são quantificar a paisagem sonora do oceano em escala global, determinar os limiares de mudança de comportamento de várias espécies e examinar a relação funcional entre o som e a viabilidade de organismos marinhos fundamentais, em nível individual, no nível das espécies e do ecossistema.

O IOC está desenvolvendo um plano científico para a experiência. Um fórum organizado em Paris, em setembro, permitiu identificar lacunas de informação e recolher contribuições da comunidade científica sobre as pesquisas, as observações e a modelagem de atividades que devem ser incluídas na pesquisa.

A ideia é fazer o IOC facilitar a cooperação internacional e, se necessário, a intergovernamental para resolver esse problema em escala global e integrar medições acústicas contínuas e sustentáveis à nossa compreensão da atividade humana e da mudança climática global.

* Wendy Watson-Wright é secretária-executiva da Comissão Oceanográfica Intergovernamental da Unesco (IOC, na sigla em inglês).
Revista Planeta

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