domingo, 10 de agosto de 2008

Metrópoles - Reinvenção do Rio



A região metropolitana do Rio de Janeiro vive um momento extremamente positivo. Nível de atividade, emprego formal e salários reais estão crescendo, de forma consistente, pelo menos desde 2005. O boom imobiliário se percebe em todo lado, da Barra da Tijuca a Nova Iguaçu. E grandes investimentos anunciados nos últimos anos estão só começando: a Companhia Siderúrgica do Atlântico e a duplicação da planta da Gerdau, ambas na zona oeste, o Complexo Petroquímico em São Gonçalo e Itaboraí, o Arco Metropolitano, a urbanização de favelas no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento, a terceira fase do programa Favela-Bairro, a fábrica de semicondutores no Parque Tecnológico do Fundão, etc. Por fim, temos um governo estadual normal, com técnicos competentes ocupando postos-chave, saneando as contas, dialogando e fazendo parcerias com outras instâncias de governo e a iniciativa privada, recuperando, assim, a capacidade de investimento do Estado e no Estado.
Tudo isso é muito bom, mas não basta para o Rio sair do buraco em que se enfiou nas últimas décadas. É preciso ir além.


Por quase meio século, o Rio foi um saco de pancadas: a transferência da capital para Brasília, a malograda fusão, a desindustrialização precoce (anterior à abertura dos anos 1990), a migração do setor financeiro para São Paulo e a privatização (que pode ter sido boa para o País, mas causou um estrago no mercado de trabalho carioca) fizeram a metrópole perder, uma a uma, suas vocações originais.


Mergulhamos numa profunda crise de identidade: as razões que fizeram com que milhões de pessoas se instalassem aqui ao longo do século passado simplesmente deixaram de existir. Alguns números para ilustrar o argumento: ao longo de 60 anos, de 1920 a 1980, a população da região metropolitana cresceu a um ritmo anual médio de 3,2%, ao passo que o PIB crescia a uma taxa anual média de 7%. De 1980 a 2005, a metrópole do Rio se tornou flácida. É bem verdade que o crescimento demográfico foi consideravelmente reduzido, passando para pouco mais de 1% ao ano, mas a freada do desenvolvimento foi muito mais brusca: o crescimento do PIB foi de 0,5% ao ano.


Ou seja, a recuperação atual se dá após um quarto de século de redução do PIB per capita. Uma geração inteira em que a desigualdade permaneceu em patamares estratosféricos e a mobilidade, cimento social de meados do século 20, estancou. O estrago só não foi maior graças a um extraordinário amortecedor: quase 30% da renda que circula na região metropolitana provém de aposentadorias e pensões. O diabo é que essas transferências são regressivas; quase a metade dos chefes das famílias cariocas mais ricas (1% com maior renda domiciliar per capita) são aposentados. A lanterna está na popa.


Os jovens se viram encurralados. Os investimentos em educação dos mais pobres deixaram de se traduzir em boas oportunidades de trabalho, gerando ceticismo e ressentimento, estimulando comportamentos irresponsáveis - como atestam os alarmantes indicadores de vulnerabilidade à violência e gravidez precoce nessas camadas. E a violência afugentou atividades econômicas necessárias para gerar oportunidades de trabalho, num crescente círculo vicioso.


O imenso subúrbio carioca, que os bacanas da zona sul teimam em ignorar, virou um cemitério industrial. Vilas operárias e parques proletários se favelizaram. O desrespeito aos direitos de propriedade, aliás, fez com que as favelas se espalhassem por todo lado.


A complacência generalizada com as várias formas de informalidade (outrora válvula de escape frente à incompetência do Estado) fez com que esta degenerasse, a ponto de se transformar num obstáculo à retomada do desenvolvimento econômico.


Somados ao agravamento de problemas típicos de nossas metrópoles (como o caos no transporte), esses fatores acabrunharam as perspectivas de se tirar pleno proveito das principais vantagens comparativas da cidade: as belezas naturais e sua capacidade singular de fazer festa e celebrar a vida.


É importante que se saiba que os novos setores dinâmicos não serão capazes, por si só, de gerar oportunidades para a grande maioria dos hoje marginalizados no mundo do trabalho e que os governos, por mais competentes que sejam, não dispõem de políticas apropriadas para enfrentar os problemas da região metropolitana. É necessário inovar - nas estratégias de desenvolvimento e nos meios para implementá-las. De Milão a Rosário, passando por Barcelona, Dublin e Nova York, a reinvenção das metrópoles passa pela inovação institucional.


É preciso recuperar a capacidade de formular cenários de futuro desejável. Qual é o lugar do Rio no mundo globalizado do século 21? Faz sentido pensar nele separadamente de São Paulo? Apesar de suas particularidades, São Paulo não está em situação tão diferente assim da do Rio; nossa crise é, sobretudo, metropolitana. Não seria o caso de superar rivalidades para explorar as complementaridades evidentes entre nossas duas principais metrópoles?


Com apoio da Associação Comercial do Rio, da Emplasa, do Instituto Fernando Henrique Cardoso e da Light, o IETS desenhou os contornos daquela que seria a "Megalópole Brasileira". Ela reúne 232 municípios de 3 Estados, de Campos a Campinas, passando por Juiz de Fora. Representa 0,97% do território nacional, 22,6% da população e 35% do PIB. Entre seus ativos estão 303 estabelecimentos de ensino superior, 670 mil universitários, 25 mil doutores, 76 médicos por 100 mil habitantes (ante 1,2 da média nacional), 9 portos, mais da metade dos passageiros aéreos do Brasil, mais de 4 mil hotéis, indústria aeronáutica, agência aeroespacial, a produção de 90% do petróleo do País e 100% da energia nuclear.


Nada mau, não? Só que é preciso que esse território se reconheça enquanto tal e tenha instituições capazes de formular e implementar políticas públicas voltadas ao seu desenvolvimento. Instituições estas que não vão brotar em Brasília. Elas só podem acontecer por iniciativa do setor privado e da sociedade, dos que estão convencidos de que têm a ganhar com esse jogo. Devem ser capazes de captar recursos de longo prazo: do BNDES, de agências multilaterais, do próprio setor privado e, por que não, uma parte desses royalties do petróleo hoje tão disputados.


Arranjos assim, com outras geometrias e parcerias, deveriam ser pensados para outros temas, como a despoluição da Baía de Guanabara e a transformação do Rio na "capital mundial da energia" (ou da música), etc. Esses arranjos são necessários, seja para atacar problemas que a metrópole enfrenta na sua complexidade, seja para explorar potencialidades, perpassando ciclos políticos e reunindo todas as forças disponíveis.


* André Urani, economista do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), é autor do livro Trilhas para o Rio (Editora Campus-Elsevier), lançado em julho
www.estadao.com.br

Nenhum comentário:

Geografia e a Arte

Geografia e a Arte
Currais Novos