segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Por que os Estados Unidos estão perdendo superioridade militar frente à Rússia e à China


Jonathan Marcus
Correspondente para assuntos de Segurança e Defesa da BBC

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Segundo relatório, margem de superioridade das Forças Armadas americanas está se deteriorando em várias áreas

Um grupo de especialistas independentes publicou uma análise sóbria e implacável da estratégia de defesa nacional do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

"O papel global que os Estados Unidos têm desempenhado por muitas gerações é baseado em um poder militar inigualável (...) Hoje, no entanto, nossa margem de superioridade tem sido minada em áreas importantes", diz o relatório.

"Há desafios urgentes que devem ser enfrentados caso os Estados Unidos queiram evitar danos permanentes à sua segurança nacional", afirma o documento.

O duro diagnóstico é resultado de uma solicitação do Congresso à sua Comissão de Estratégia Nacional de Defesa, um painel concebido para conduzir estudos independentes sobre a segurança do país - desta vez, foi pedida uma avaliação da estratégia de defesa do governo Trump.

O relatório foi presidido por Eric Edelman, ex-funcionário do Pentágono durante o mandato de George W. Bush, e Gary Roughead, ex-chefe de operações navais. Ambos são conhecedores do orçamento da defesa e do que acontece nos corredores do Pentágono.

"A segurança e o bem-estar dos Estados Unidos enfrentam seus maiores riscos em décadas", afirma o documento. "A superioridade militar dos Estados Unidos diminuiu para um nível perigoso".
A ameaça da China e da Rússia

A chegada de Trump à Casa Branca coincide com uma mudança nas prioridades militares do país: longe de operações contra insurgências e da chamada "guerra ao terror", indo em direção ao preparo para um potencial conflito contra seus principais concorrentes, como a China e a Rússia.

Mesmo aqueles concorrentes não tão diretos, como o Irã ou a Coreia do Norte, apresentam novos e perigosos desafios.

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O porta-aviões americano USS Carl Vinson; os avanços da China e Rússia impõem novos desafios para os EUA

As implicações são enormes para os militares dos EUA.

Algumas características de lugares como Iraque ou Afeganistão, às quais os EUA já estão mais adaptados, não se repetem em um eventual conflito com a Rússia ou a China. O país tem operado, por exemplo, em ambientes sem qualquer ameaça aérea ou sem grandes desafios para suas comunicações, como o uso de GPS.

Enquanto isso, os dois potenciais adversários vêm estudando as Forças Armadas americanas e continuam a modernizar as suas, reforçando suas vantagens tradicionais enquanto exploram novos caminhos para contrabalançar as vantagens dos EUA.

A intervenção da Rússia na Ucrânia demonstrou o extraordinário poder destrutivo da artilharia russa - tributário em parte de sua sofisticada capacidade de combate por meios eletrônicos, que possibilitou encontrar e destruir armas ucranianas e ao mesmo tempo esconder a localização dos equipamentos russos.

Em muitas dessas áreas, os Estados Unidos têm muito a fazer para se colocar no mesmo nível.
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Relatório recomenda esfoço conjunto de órgãos nacionais em questões militares

Isso exige ajustar e reequipar certas áreas, mas muito mais do que isso. Requer um esforço massivo para impulsionar a inovação em inteligência artificial, acesso à banda larga etc.

O relatório soa como um alerta. A partir do documento, se fosse preciso dar uma nota aos planos do Pentágono, diria que ela seria uma avaliação de aprovação - mas não muito mais que isso. O diagnóstico resumido é que as forças militares americanas têm muitas boas intenções e alguma prospecção dos grandes desafios, mas abordagens duvidosas para enfrentá-los e, basicamente, recursos insuficientes para isso.

O documento traz mais de 30 recomendações detalhadas. Aqui apresento alguns dos mais importantes, resumidos e selecionados:
Concentrar os gastos das ações dos EUA e de aliados contra a China e a Rússia;
Reduzir o risco da perigosa dependência de itens importados, como por exemplo aqueles provenientes da China;
Manter a presença militar dos EUA no Oriente Médio, inclusive depois da planejada derrota do Estado Islâmico;
Ampliar as forças para que se possa lutar duas guerras, já que atualmente só são capazes de enfrentar uma;
Aumentar o número de tanques, mísseis de longo alcance e artilharia;
Criar mais unidades de engenharia e de defesa aérea;
Expandir a frota submarina da Marinha e ampliar a capacidade de transporte marítimo;
Aumentar os provimentos à força aérea no que for necessário: em resumo, mais de tudo;
Manter, e não diminuir, o pessoal da Marinha.

O relatório freia a grandiloquência com a qual o presidente Trump apresentou sua estratégia para a defesa. Mas o relatório não tem nada de revolucionário, pois compartilha a visão estratégica que define o pensamento do Pentágono.

Ele destaca os pontos em que os planos oficiais são mal fundamentados ou inconsistentes. É um apelo por maiores gastos, mas também por gastos mais coerentes.

Entrar no ramo de armamentos de alta tecnologia será caro. Habilidades tradicionais terão que ser reaprendidas. Os novos desafios, analisados e redirecionados.

Mas o documento reitera que os EUA continuarão sendo um grande ator militar em todo o mundo.
Diplomacia

Alguns dos problemas fundamentais para as forças armadas estão fora de seu escopo: na indústria e na diplomacia. Na Guerra Fria, por exemplo, o longo domínio dos EUA foi baseado em um extraordinário lastro científico e industrial com o qual ninguém podia rivalizar.

Avanços na pesquisa aeroespacial e outras tecnologias relacionadas ao setor militar se fundiram lentamente na vida civil.

Hoje as coisas são diferentes. É a pesquisa civil - como em computação e inteligência artificial - que está impulsionando o progresso tecnológico. E os Estados Unidos, embora sejam um jogador poderoso, não estão sozinhos nesta corrida.

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Xi Jinping comandou uma renovação nas forças armadas chinesas

A China, em particular, está investindo enormemente em tecnologias que podem, um dia, dar-lhe vantagem em batalhas do século 21. A globalização interligou as economias chinesa e americana de maneiras que podem ser prejudiciais à segurança dos EUA.

Segundo as recomendações do Comissão de Estratégia Nacional de Defesa, os programas de aquisição de armas precisam ser mais rápidos e eficientes. Os gastos dos EUA excedem os de seus principais rivais militares, mas o país ainda não consegue obter frutos proporcionais aos investimentos.

Há também o aspecto diplomático.

Os Estados Unidos não treinam para lutar sozinhos, mas com aliados. Trump tem se concentrado apenas em um aspecto desta relação: a partilha de responsabilidades, como a necessidade de países da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), em especial, gastarem mais na defesa coletiva.

Mas Trump já ofendeu os aliados de maneira ímpar.

A própria Aliança Atlântica enfraqueceu politicamente, mesmo que mais forças dos EUA tenham sido mobilizadas na Europa para reforçar a defesa contra a Rússia.
Uma nova mentalidade?

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Homens verdes' que atuam na Crimeia exemplificam novos desafios na segurança

Talvez o grande desafio apresentado por este relatório seja seu apelo para que os Estados Unidos adotem uma abordagem que envolva todo o governo

Tanto a Rússia quanto a China, destaca o documento, possuem estratégias que integram todas as peças do poder nacional. Os EUA precisam fazer o mesmo.

Não vivemos mais em um mundo onde existe uma clara distinção entre a paz e a guerra. O espaço entre esses pólos é preenchido por uma variedade de desafios e armadilhas: ataques cibernéticos, assassinatos políticos e atividades de forças cuja identidade só se torna clara ao longo do tempo (pense nas tropas russas que operam como os chamados "homens verdes", que lutam sem identificação, na Crimeia).

Enfrentar essa nova realidade requer também novas estratégias, orientações e ferramentas. Por último, e não menos importante, exige uma nova mentalidade do governo - talvez a coisa mais difícil de ser alcançada.
Fonte: BBC Brasil

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