segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Novos rumos da África e os interesses do Brasil


NELSON BACIC OLIC*



O s países da África entraram no século 21 sem resolver muitos de seus imensos problemas sociais - entre os quais, a pobreza endêmica, o rápido processo de urbanização, a integração nacional, a desigualdade de gêneros, a desnutrição, os conflitos internos e a violência política. Essa situação é o resultado de uma combinação de fatores externos e internos. A pesada herança colonial deixou marcas profundas nas sociedades africanas, que, até hoje, se manifestam. Governos ditatoriais e elites corruptas retardam o desenvolvimento econômico. As consequências abrangem a supressão das liberdades, a violação dos direitos humanos e a pilhagem dos recursos humanos naturais e intelectuais do continente.

Se, atualmente, a África tem 54 Estados soberanos, antes de 1960, esse número não chegava a 10. A maioria dos países africanos tem pouco mais de 50 anos de vida independente.

Todavia, a África do início da década de 2010 exibe uma paisagem diferente daquela do início dos anos 1960, quando se libertava do jugo colonial. Os desafios de hoje não são os mesmos, ou, em diversos casos, apresentam dimensões diferentes no contexto atual. Foram feitos grandes progressos em matéria de educação e saúde, e alguns países conseguiram construir, com algum sucesso, sistemas democráticos de governança. A dissolução do Apartheid na África do Sul, em 1994, a queda de vários regimes autoritários na última década e, mais recentemente, as profundas mudanças geradas pela "primavera árabe" no norte do continente abriram novas perspectivas de democratização e de desenvolvimento.

Nos últimos dez anos, bem diferente do que vinha ocorrendo na década de 1990, os países africanos têm apresentado, de modo geral, expressivo crescimento econômico. A expansão média anual do PIB girou em torno de 5% ao ano, com exceção de 2009, por conta dos efeitos da crise econômica mundial. Contudo, o crescimento recente teve como ponto de partida uma base muito baixa. Ainda hoje, o PIB conjunto dos 54 países africanos é inferior ao do Brasil.

A expansão econômica dos países africanos não foi uniforme. Nos últimos anos, as economias da África do Norte cresceram abaixo da média, principalmente em decorrência das turbulências provocadas pela "Primavera Árabe". Na África Subsaariana, em contraste, o crescimento, tendeu a superar a média do continente. Os destaques foram os exportadores de petróleo.

DISPUTA
Desde o início do século 21, os preços internacionais das matérias-primas minerais, energéticas e agrícolas, abundantes na África, experimentaram forte crescimento. A demanda chinesa provocou uma disputa acirrada pelas commodities, beneficiando todos os exportadores. A dimensão da presença chinesa no continente pode ser mais bem avaliada quando se sabe que, nos últimos dez anos, a potência asiática saltou da nona para a segunda posição no quadro dos parceiros comerciais dos países africanos. Hoje, nesse quadro, a China figura à frente das antigas potências coloniais europeias, superada apenas pelos Estados Unidos.

O Brasil quadruplicou seus fluxos de comércio com a África na última década. Apesar disso, esse valor representa apenas cerca 5% do fluxo total do comércio exterior brasileiro. Dos 50 maiores parceiros comerciais do Brasil, apenas seis - Nigéria, Argélia, Egito, África do Sul, Angola e Marrocos - são africanos. Eles representam cerca de 80% do total do comércio do Brasil com a África, e com todos, à exceção do Egito, a balança comercial é negativa. O déficit deriva das importações brasileiras de petróleo e gás. O saldo negativo com a Nigéria está entre os maiores dentre todos os intercâmbios bilaterais do Brasil. Quase a totalidade dos produtos importados da Nigéria correspondem a combustíveis, algo que se repete nos casos da Argélia e de Angola. Os destaques das exportações brasileiras para a África ficam para o açúcar, as aves e as carnes. O mercado africano consumidor de manufaturados é dominado pela China, pelos Estados Unidos e pela União Europeia. O avanço das relações comerciais entre o Brasil e os países africanos é explicado por uma combinação de fatores, com ênfase na diminuição dos números de conflitos internos na África e numa ação diplomática mais agressiva do Brasil. A paz faz uma enorme diferença. Apesar da persistência de cenários caóticos em países como a Somália e a República Democrática do Congo, e de tensões internas significativas na região do Golfo da Guiné (Nigéria e Costa do Marfim, por exemplo) e na faixa do Sahel (Mali, Níger e Chade), a situação geral é mais estável do que aquela que se verificava na década de 1990.

"A maioria dos países africanos tem pouco mais de 50 anos de vida independente."

A diplomacia também tem seu peso. Atualmente, o Brasil conta com 38 embaixadas na África, e Brasília é a capital latino-americana com o maior número dessas representações diplomáticas de países africanos. Para além da diplomacia clássica, o Brasil investe especialmente na troca de conhecimentos nas áreas de agricultura, saúde e formação profissional. O governo brasileiro perdoou ou reestruturou as dívidas de 12 países africanos, numa iniciativa que causou polêmica. A "estratégia africana" do Brasil tem a meta de obter apoio dos países do continente à pretensão de Brasília a uma cadeira de membro permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Ao mesmo tempo, empresas brasileiras estão cada vez mais presentes na África. A ação política do governo está atrás do fenômeno: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) lançou diversas medidas destinadas a facilitar o acesso a empréstimos e a créditos especiais a empresas brasileiras em países africanos. A Petrobras, estatal, a mineradora Vale do Rio Doce e as grandes construtoras Queiroz Galvão, Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Correia estão presentes ou têm projetos em mais de 20 países da África.

O "capitalismo de Estado", no entanto, privilegia as grandes corporações: a presença de médias e pequenas empresas brasileiras na África é insignificante.

*NELSON BACIC OLIC é bacharel e licenciado em Geografia pela USP, um dos editores do jornal Mundo - Geografia e Política Internacional (Editora Pangea), professor e autor de livros didáticos e paradidáticos, além de professor convidado junto à Universidade da Maturidade (PUC-SP).
Revista Geografia

Nenhum comentário:

Geografia e a Arte

Geografia e a Arte
Currais Novos