A guerra no Iêmen está aproximando o país de uma possível epidemia de fome.
No ano passado, o governo do país foi derrubado por rebeldes.
Mais de 3,5 mil pessoas morreram no conflito.
A correspondente Nawal al-Maghafi, do serviço árabe da BBC, foi a uma área onde as grandes organizações de ajuda humanitária não podem operar devido à falta de segurança.
Ali ela encontrou a médica Ashwaq Muharram.
Há 20 anos na profissão, Ashwaq diz não ter presenciado nada parecido na história do país.
"Eu tenho visto a mesma coisa que costumava ver na TV quando a fome tomou conta da Somália", diz ela. "Nunca pensei que um dia fosse ver isso no Iêmen", acrescentou.
Por anos, Ashwaq trabalhou para organizações de ajuda internacional, mas a maioria delas deixou o país quando a guerra começou, em março de 2015 ─ e aquelas que ficaram, reduziram bastante suas atividades.
Agora ela tem distribuído remédios e comida com dinheiro de seu próprio bolso, usando seu carro como uma clínica móvel.
Com o carro carregado de remédios, ela dirigiu com a BBC até Beit al-Faqih, 100km a sudeste de Hudaydah.
Outrora próspera, a vila se sustentava com a venda de bananas e mangas ao exterior, mas as exportações cessaram e a maioria dos trabalhadores perdeu o emprego.
As frutas acabaram se tornando caras demais para qualquer pessoa que vive no Iêmen.
É nesse local que conhecemos uma mãe e seu filho, Adbulrahman. A criança tem intolerância à lactose e a doença vem afetando seu crescimento.
"Quantos anos ele tem?", pergunto. "18 meses", responde ela. "Ele já deveria estar andando e falando agora", lamenta. E, imediatamente, cai em lágrimas.
Abdulrahman precisa de um tipo especial de leite que não está disponível no Iêmen desde a destruição do porto de Hudaydah e o início do boicote.
Ashwaq diz à mãe que irá ajudá-la ─ antes de perceber que essa era uma promessa que talvez nem ela seria capaz de cumprir.
Ela sabe que o menino pode morrer sem o leite, mas também tem consciência de que será um desafio enorme encontrar o produto.
Drama pessoal
"Eu mesma já procurei por esse tipo de leite antes e realmente não há lugar que tenha", diz.
Sua própria família enfrentou problemas similares. Depois que a guerra começou, o marido ficou doente: contraiu uma infecção no coração e precisava urgentemente de remédio.
"Eu corri até o principal hospital cardíaco de Sanaa, mas como médica sabia o que eles estavam prestes a me dizer: que estavam sem estoque de remédio e que não poderiam fazer nada para ajudar", conta.
"Sou médica, meu marido estava morrendo na minha frente e não havia nada que pudesse fazer", acrescenta Ashwaq, em lágrimas.
O marido conseguiu ir embora para a Jordânia, levando os dois filhos do casal para viver em um local mais seguro. Eles já não vão mais para a escola.
"Os ricos agora são a classe média, a classe média é agora parte dos pobres e os pobres agora estão morrendo de fome", explica Ashwaq.
Mortos de fome
Viajando com ela, de uma vila para outra, a reportagem da BBC encontrou diariamente crianças morrendo de fome.
Ao mesmo tempo, está ficando mais difícil para que elas consigam tratamento no país. Boa parte dos hospitais do Iêmen teve de fechar, seja por causa das bombas ou pela falta de medicamentos.
A ala infantil do hospital central de Al Hudaydah está tão lotada que há duas ou três crianças em cada leito.
Ali a BBC conheceu Shuaib, 4 anos. O avô dele tomou emprestado dinheiro de vizinhos para ir ao hospital, em busca de tratamento para a febre e diarreia do menino.
Mas escutou dos médicos que não havia nada que eles pudessem fazer. "Nenhum dos antibióticos que temos aqui tratam o tipo de bactéria que ele tem", disse o administrador do hospital.
O corpo de Shuaib vai ficando mais frio a cada minuto, e seu avô aperta sua mão e chora.
Uma hora depois, Shuaib está morto. Seu avô chorava silenciosamente, cobrindo seu pequeno corpo com seu cachecol e o levando para a mãe do menino.
'Boas notícias'
No dia seguinte, Ashwaq finalmente recebe boas notícias. Um amigo havia conseguido uma forma, a um alto custo, de obter o leite que salvaria a vida de Abdulrahman.
Assistindo a todo esse desespero por duas semanas, é incrível poder ver pelo menos um final feliz. Abdulrahman pega a garrafa de leite e bebe até a última gota ─ enquanto sua mãe, chorando, só sabe agradecer.
"Você trouxe felicidade para a minha casa", diz ela à médica, abraçando-a.
Apesar de Ashwaq ter conseguido salvar a vida de uma criança, outras milhões estão passando fome no Iêmen. Especialistas acreditam que, se algo não for feito agora, o país pode perder uma geração inteira de pessoas.
Estado de sítio
O Iêmen está em estado de sítio. Dois anos atrás, rebeldes houthis e seus aliados ─ uma facção armada leal ao antigo presidente Ali Abdullah Saleh ─ tomaram o controle da maior parte do país, incluindo a capital Sanaa.
O então governo foi forçado a fugir. A Arábia Saudita diz que foi chamada a intervir a pedido da própria liderança local.
Por 18 meses, uma coalizão liderada pelo país, apoiada pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, luta contra os rebeldes. Uma guerra que não tem previsão para terminar
BBC Brasil
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