Bactérias geneticamente modificadas produzem material plástico que é fabricado a partir de combustíveis fósseis
Ed Bierman/Flickr
Niina Heikkinen e ClimateWire
De camisas de poliéster, jarras de leite de plástico e tubos de PVC à produção de etanol industrial de alta qualidade, a matéria-prima química etileno pode ser encontrada por toda parte ao redor do globo.
Mas a onipresença de etileno como um bloco de construção em plásticos e produtos químicos mascara seu custo ambiental embutido. Esse hidrocarboneto de baixo custo é feito de petróleo e gás natural, e o modo como é produzido emite mais dióxido de carbono (CO2) que qualquer outro processo químico. À medida que as preocupações sobre os níveis de CO2 na atmosfera têm aumentado, alguns cientistas andaram realizando experimentos alternativos para tornar a produção de etileno mais “verde”, ou ecologicamente correta.
No Laboratório Nacional de Energia Renovável do Departamento de Energia (NREL, em inglês), pesquisadores estão tendo um sucesso inesperado com a ajuda de cianobactérias, ou algas verde-azuladas. Jianping Yu, do Grupo de Fotobiologia do NREL, lidera uma equipe que está trabalhando com esses organismos.
Em seu laboratório, eles conseguiram produzir etileno diretamente a partir de algas geneticamente modificadas. Para isso, os cientistas introduziram em cianobactérias um gene que codifica uma enzima produtora de etileno, alterando efetivamente seu metabolismo. Isso permite que os organismos convertam em etileno parte do CO2 utilizado normalmente para produzir açúcares e amidos durante a fotossíntese.
Como o etileno é um gás, ele pode ser facilmente capturado. Produzir etileno também não requer muitos insumos. Os requisitos básicos para cianobactérias são água, alguns minerais, luz e uma fonte de carbono. Em um ambiente comercial, o CO2 poderia vir de uma fonte pontual, como uma usina de energia, explicou Yu.
Se esse método alternativo de produção se tornar suficientemente eficiente, ele poderia potencialmente substituir o cracking (fraturamento) a vapor, o método energeticamente intensivo utilizado atualmente para dissociar petroquímicos em etileno e outros compostos.
Como algas absorvem três vezes mais CO2 para produzir uma única tonelada de etileno, o processo age como um “sumidouro de carbono”. Isso seria uma melhoria significativa em relação ao cracking a vapor, que gera entre uma e meia e três toneladas de dióxido de carbono por tonelada de etileno de acordo com a própria análise dos pesquisadores.
O gás de etileno capturado pode então ser transformado para utilização em uma ampla gama de combustíveis e produtos. “Acho melhor transformar o CO2 em algo útil”, observou Yu, comparando a abordagem a outros métodos de captura de carbono.
“Você não precisa bombear CO2 no solo e [os produtos] durarão muitos anos”.
Modificando genes para absorver carbono
Yu e seus colegas não foram os primeiros a ter a ideia de usar cianobactérias para produzir etileno. O processo foi tentado originalmente por pesquisadores no Japão há mais de uma década; mas, à época, os cientistas não foram capazes de produzir etileno de forma confiável.
Quando Yu leu aquele estudo anos mais tarde, ele pensou que, ao alterar geneticamente uma cepa diferente com a qual tinha trabalhado intensamente (Synechocystis sp. PCC6803), talvez fosse capaz de tornar a produção de etileno mais consistente.
Os pesquisadores conseguem produzir etileno a partir de algas ao alterarem uma parte do metabolismo do organismo chamada ciclo dos ácidos tricarboxílicos (TCA), envolvida na biossíntese e produção de energia. Em algas verde-azuladas geneticamente inalteradas, esse ciclo só pode absorver uma fração relativamente pequena, de 13%, dos 2% a 3% do CO2 fixado.
Mas no laboratório de Yu, as algas são capazes de enviar três vezes mais carbono ao ciclo TCA e emitem 10% do CO2 como etileno, a uma taxa de 35 miligramas por litro por hora. Isso pode não parecer muito, mas representa um aumento de mil vezes na produtividade desde que o cientista começou a trabalhar com as cianobactérias em 2010.
Até o final deste ano, Yu pretende aumentar esse rendimento para 50 miligramas. “Isso não está, nem de longe, perto do limite superior”, salientou, explicando que a meta final será converter 90% do carbono fixado em etileno.
“Não vejo por que ele [o limite] não pode ir além; ainda não ‘bati em um muro de tijolos’. Não sei o que impediria isso de acontecer, mas é claro que seria possível”.
Surpreendentemente, embora as cianobactérias estejam produzindo mais etileno, os organismos ainda estão crescendo à mesma razão das algas não produtoras de etileno.
Os resultados demonstram que o metabolismo das cianobactérias é muito mais flexível do que se acreditava, de acordo com Yu.
“É como uma pessoa que está perdendo sangue o tempo todo, mas parece saudável”, comparou.
Yu e seus colegas não têm certeza de como isso está acontecendo, mas a mutação que permitiu a produção de etileno também estimulou a fotossíntese.
“Esse sistema nos oferece um novo insight de fotossíntese e nos dá a esperança de que podemos aprender com isso e aumentar a atividade fotossintética”, resumiu.
Esse entendimento do metabolismo de cianobactérias é tão importante quanto a criação de organismos capazes de produzir etileno consistentemente, avaliou Robert Burnap, professor de microbiologia e genética molecular na Universidade Estadual de Oklahoma.
Ele não esteve envolvido no estudo, mas forneceu uma referência para a inscrição de Yu no prêmio 2015 da R&D 100 Awards, uma espécie de “Oscar da invenção” que identifica e premia os principais produtos tecnológicos do ano.
Yu agora é um dos finalistas na categoria Dispositivos/Material Mecânico.
“É surpreendente o quanto o metabolismo é adaptável. Ele está produzindo algo que não evoluiu para fazer. Houve muita controvérsia inclusive sobre se era ou não possível ter uma produção consistente de etileno. Ele [o metabolismo] mostra que é flexível”, resumiu.
A pesquisa poderia ajudar outros cientistas a entender melhor os caminhos metabólicos em outras plantas e até em humanos.
O ciclo TCA também está ativo nas mitocôndrias de nossas células, comentou Burnap.
“O que torna esse estudo realmente especial é a profundidade de análise que eles empreenderam”, observou ele, descrevendo a pesquisa toda como uma “peça de trabalho seminal”.
Criando centros de produção... em tanques?
Ainda é extremamente prematuro afirmar quando, ou mesmo se, essas algas produzirão etileno em escala comercial. Yu estima que o desenvolvimento até essa fase possa levar mais de 10 anos.
“Será preciso muito trabalho para aumentar (melhorar) a eficiência de carbono para 50% ou mais”, admitiu.
Philip Pienkos, gerente principal do Grupo Bioprocess R&D, no Centro Nacional de Bioenergia do NREL, informou que o projeto está começando a se concentrar mais no lado do desenvolvimento, mesmo enquanto Yu continua trabalhando para alcançar volumes mais elevados de etileno.
“Como você recupera etileno? O que faz com a biomassa? Esse projeto está preparado para responder a essas perguntas importantes”, comentou Pienkos.
Em algum momento do próximo ano, os pesquisadores planejam levar seu trabalho para o ar livre a fim de verificar como as algas se comportam em um ambiente que se assemelha mais às condições em que seriam cultivadas comercialmente.
“Precisamos obter um processo de etileno realmente escalável para termos uma noção melhor de como isso funcionaria”, salientou Pienkos.
Yu vislumbra as cianobactérias crescendo em tanques, ou talvez em painéis verticais parecidos com folhas de jornais.
Em qualquer um desses casos, as culturas sólidas ou líquidas teriam de estar encerradas (encapsuladas) para capturar o etileno, enfatizou.
Também existem algumas preocupações de segurança associadas à produção de grandes quantidades de gás.
O hidrocarboneto e o oxigênio que também são produzidos pelas algas são inflamáveis, e certas precauções de segurança teriam de ser adotadas para coletar o etileno de forma segura.
Mesmo se as cianobactérias criarem grandes volumes de etileno, seu sucesso dependerá de se o produto pode tornar-se competitivo em termos de custo.
Isso não será fácil, porque o etileno petroquímico é barato e está amplamente disponível.
De acordo com a análise econômica dos pesquisadores, o etileno derivado de produtos petroquímicos custa entre US$ 600 e US$ 1.300 a tonelada, enquanto o gás proveniente de algas é estimado em cerca de US$ 3.240 por tonelada.
Provar a viabilidade econômica do sistema mais adiante também ajudará a manter o financiamento de pesquisa do Departamento de Energia (DOE), sublinhou Peinkos.
“Algas não são o foco principal do DOE; elas passaram décadas sustentando o trabalho em derivados de celulose. Algas são um portfolio muito menor, e a maior parte do trabalho está na conversão direta para combustíveis líquidos”, declarou.
“O etileno se destaca um pouco porque não é um combustível, mas pode ser uma matéria-prima de combustível”.
Os ganhadores do R&D 100 Awards deste ano serão anunciados em novembro.
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Scientific American Brasil
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