quarta-feira, 28 de maio de 2014

A indústria do fast-food faz seus trabalhadores passar fome

Recentemente, o presidente Obama elegeu a redução da desigualdade como o principal objetivo de seu segundo mandato. Em razão disso, ele deverá aumentar o salário mínimo, cuja estagnação de sete anos conduziu os funcionários de fast-food a lançar um movimento grevista que já atingiu mais de cem cidades norte-americanas
Thomas Frank


O motorista que, na saída de Durham, na Carolina do Norte, pega a estrada para Hillsborough penetra no coração de um estranho território. Mal deixou de ver no retrovisor as nobres torres da Universidade Duke e já se apresentam diante de seus olhos um McDonald’s, um Cracker Barel, um Wendy’s, um Chick-fil-A, um Arby’s, uma Waffle House, um Bojangles, um Biscuitville, um Subway, um Taco Bell e um Kentucky Fried Chicken (KFC) − todos os grandes nomes do fast-food enfileirados como num desfile em um trecho de quase 1,5 quilômetro. Se subirmos a pé essa ruidosa artéria de concreto e calorias, perceberemos que suas margens estão recobertas de papéis engordurados e copos de papelão. Mas a verdade é que a paisagem ali normalmente só é apreciada através de um para-brisa e com o som do rádio ao fundo. A presença de pedestres na beira da estrada tem o poder de confundir os motoristas, razão pela qual o jornalista que por lá passeia quase foi esmagado duas vezes.

Mas não foi um carro o que realmente me atingiu com toda a força; na verdade, foi uma visão: a compreensão espontânea daquilo que confere ao fast-food sua implacável eficácia. Uma rápida passagem pela Waffle House é suficiente para experimentar o que está em jogo nessa indústria. A construção modular, a produção de waffles em cadeia, as panelas de fritura duplas, os alinhamentos dos distribuidores de condimentos e mesmo a engenhosa tampinha de plástico sobre o copo de café, com seu bico derramador dobrável, concebido para que o cliente deguste sua bebida sem medo de derramar uma gota na camisa: muitos testemunhos da engenhosidade humana diante dos quais só podemos nos admirar. E, no entanto, esse concentrado de eficiência é obtido ao preço de um enorme desperdício – de combustível, ar condicionado, terra, dejetos. Em uma face, um responsável em engenharia industrial; na outra, uma profusão de recursos e de mão de obra explorados sem dó.

Pensamos com emoção no prodigioso esforço nacional que foi necessário despender para chegar a essa revolução da gastronomia de massa: as subvenções para a agricultura, os trabalhos de irrigação, os programas de construção de vias rápidas... Mas todos esses grandes canteiros de que o país se orgulha há oitenta anos não teriam servido no fim das contas apenas para construir uma nação de fábricas de comida abundante e de má qualidade, em suma, uma estrada de Hillsborough ampliada em escala continental? Tal impulso coletivo para permitir que alguns acumulem toneladas de dinheiro enquanto outros se esfalfam por um salário irrisório?

No verão norte-americano passado, em Durham, um evento excepcional sacudiu o setor de fast-food: uma greve. Uma ação ainda mais inesperada pelo fato de ter ocorrido num estado, a Carolina do Norte, conhecido por sua hostilidade visceral aos sindicatos e que se vangloria também de ser uma espécie de berço do fast-food, já que três gigantes do setor – o Hardee’s, o Bojangles e o Krispy Kreme – nasceram em seu solo.

O movimento partiu de um Burger King. Situado numa interseção viária no meio de lugar nenhum, o estabelecimento evoca mais um pequeno forte do Deserto dos tártaros que um restaurante. Uma manhã, às 6 horas, um punhado de empregados se alinhou diante da entrada do estabelecimento e começou a entoar: “Os direitos do trabalhador fazem parte dos direitos do homem!”. A essa hora da manhã, as mentes demoram para esquentar, então um novo slogan foi tentado: “Não dá para sobreviver com US$ 7,25!”, alusão ao salário mínimo por hora praticado no setor.

Os enviados das redes de notícias locais logo apareceram, assim como duas patrulhas de polícia. Um solitário cliente sentado numa mesa na janela do Burger King contemplava a cena. Quando foi chegando a hora do rush, motoristas buzinaram para demonstrar seu apoio.

No fim da manhã, os grevistas buscaram ampliar o movimento reunindo-se diante de um McDonald’s no centro de Durham, depois diante de um Little Caesar em uma estrada de oito pistas na cidade de Raleigh. Seu número cresceu a olhos vistos. Apinhados na beira da estrada, eles agitavam cartazes enquanto os filhos brincavam sob as árvores raquíticas que sobrevivem nessa zona periurbana. Caminhoneiros disparavam as buzinas como forma de solidariedade. Ouviram-se também alguns insultos, lançados por motoristas de picape ao passar.

A última etapa do dia aconteceu no KFC de Raleigh. Eram 16 horas; o calor do verão não fez amainar o ardor dos participantes do protesto, cujo número se elevava para 150. A eles se juntou o reverendo William Barber II, um líder local da Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês), que organiza reuniões semanais para denunciar a política repressiva do novo governador republicano Patrick McCrory, responsável por quase mil prisões de manifestantes desde que tomou posse em janeiro de 2013.

Com sua silhueta de colosso ligeiramente encurvada pela artrose e sua potente voz de baixo que intimida o barulho da cidade, o reverendo Barber discursou diante da multidão aglutinada em frente ao KFC. Pouco importa, disse ele, o número de horas de trabalho acumuladas: jamais um funcionário do setor chega a uma renda suficiente. O que os grevistas reclamam, acrescenta, é o direito de “dispor do fruto de seu trabalho”. A expressão não foi escolhida ao acaso: ela aparecia entre as reivindicações defendidas pelos afro-americanos nos estados do sul após o fim da escravidão. Explícita, a alusão assume todo sentido quando o orador emenda: “Vim aqui para lhes dizer que esse fruto está corrompido. O fruto está corrompido quando vocês trabalham num KFC e mal conseguem pagar o frango que preparam. O fruto está corrompido quando o trabalho de vocês consiste em alimentar outras pessoas, mas não lhes permite alimentar os próprios filhos”.

Muitas coisas foram escritas sobre o movimento social inédito que varre o setor de comida rápida nos Estados Unidos há mais de um ano, da Pensilvânia ao estado de Nova York, de Rhode Island à Carolina do Sul, e que culminou, em 5 de dezembro de 2013, em uma greve nacional em mais de cem cidades do país. Mas aquilo a que se assistiu naquele dia na Carolina do Norte não era uma greve no sentido tradicional da palavra. Em outros estados, as greves, apoiadas pelo poderoso Sindicato dos Empregados do Setor de Serviços (Seiu, na sigla em inglês), foram suficientemente significativas para levar ao fechamento de numerosos estabelecimentos. Nada do tipo foi visto em Durham e Raleigh, onde a luta se limitou a protestos coletivos esporádicos. Ali, poucos empregados pararam de trabalhar. E nenhum sindicato lhes deu força: o único apoio organizado veio de um coletivo de defesa dos moradores, a Action NC.

Também não é de surpreender que os trabalhadores do setor encontrados naquele dia na Carolina do Norte pareçam ignorar totalmente práticas de organização operária. Como reconheceu uma grevista, pouco à vontade em seus sapatos de salto alto, o conflito os pegou de surpresa. Ninguém estava preparado para o desafio físico que um piquete de greve representa. Ninguém, igualmente, pensou seriamente em dissuadir os consumidores de atravessar as portas do estabelecimento. E, quando o calor se tornou sufocante, alguns grevistas não hesitaram em retornar a seu local de trabalho para pedir uma bebida. Além disso, a maioria não imaginava nem por um segundo que sua ação poderia atrair a cólera de seu empregador – uma ingenuidade problemática, mas lógica num estado em que os direitos sindicais são, por assim dizer, inexistentes. De fato, a Carolina do Norte tem a menor taxa de sindicalização do país.

Mão de obra adulta e diplomada

De seu lado, as queixas eram perfeitamente consistentes. De vestido preto e crucifixo no pescoço, Willietta Dukes enfileira empregos em franquias de fast-food. Ela se declara devotada ao trabalho e preocupada em satisfazer o cliente. Mas, depois de ter passado dezesseis anos banhando-se em óleo de fritura e criando os dois filhos, ela ainda não tem os meios para conseguir um lugar para morar. É o filho mais velho que a abriga em seu quarto de hóspedes. Durante esse tempo, diz ela, seus empregadores se felicitaram ruidosamente pelos ganhos que alcançaram. Um dia, o gerente da equipe lhe confiou sua técnica de redução do estresse: de noite, em casa, entregar-se a um banho quente. “Mas eu não tenho nem casa!”, suspira. Recentemente, sua direção fez chegar até ela um comunicado – entregue pelo FedEx – colocando-a em alerta contra a malignidade dos sindicatos...

Lucia Garcia levou o filho de 6 anos ao piquete grevista do Burger King. Ela trabalha num McDonald’s de periferia onde a boa sorte lhe atribui US$ 7,95 por hora – 70 centavos acima do salário mínimo. Apesar desse privilégio e do fato de seu marido também trabalhar, ela e a família só não passam fome graças às cestas de alimentação da igreja − o cúmulo para alguém que serve hambúrgueres o dia inteiro. “É triste”, deixa escapar, “porque isso faz minhas filhas passar vergonha.”

Ninguém mais ignora a política salarial em vigor no setor de fast-food, que emprega 13 milhões de pessoas nos Estados Unidos. Todos conhecem o argumento utilizado para justificar essa política: os empregados são sobretudo jovens sem diploma, não têm família para sustentar e vivem esse primeiro emprego como uma chance para chegar a uma condição mais favorável. Trabalhar em um fast-food seria, em suma, uma espécie de serviço prestado à nação, uma versão do serviço militar.

Contudo, a condição dos empregados desse setor na Carolina do Norte demonstra a fraqueza desse conto infantil. Com frequência, são adultos em idade madura e ainda por cima pais e mães de família. Pelo menos um grevista entre os interrogados em Raleigh possuía um diploma universitário. Um trabalho é um trabalho e, nesses tempos de penúria, as empresas que fornecem alimentação de péssima qualidade, mas a preços acessíveis, constituem para muitos o único ganha-pão disponível, independentemente da idade ou da qualificação.

Os que retomam os elementos de linguagem do patronato da indústria de fast-food não têm a mínima ideia do esforço que este precisou despender para manter os salários num nível tão baixo. As condições salariais impostas ao pessoal foram elaboradas com um cuidado não menos meticuloso que as receitas de hambúrgueres ou as tampas dos copos. Elas decorrem de uma engenharia destinada a tornar os trabalhadores tão intercambiáveis quanto os frascos de maionese.

Em seu livro Fast-food nation,1 o jornalista Eric Schlosser descreve uma corrida maníaca para a padronização. Os alimentos chegam congelados ao restaurante antes de serem cozidos por máquinas infalíveis cuja utilização não requer nenhuma qualificação particular. “Empregos deliberadamente ‘desqualificados’ podem então ser ocupados por uma mão de obra de baixo custo”, escreve o jornalista. “A dependência em relação ao trabalhador ou à trabalhadora é grandemente atenuada pela facilidade com a qual ele ou ela podem ser substituídos.”

Nesse sentido, a designação de “restaurante” se revela inapropriada: as próprias empresas preferem a expressão “sistema alimentar”. E nem é preciso dizer que, em tal sistema, os sindicatos não são bem-vindos. Segundo Schlosser, o McDonald’s abrigava nos anos 1960 e 1970 um “comando volante” de funcionários superiores encarregados de abafar qualquer veleidade de sindicalização nos quatro cantos do país. Mais recentemente, em 2009, a Associação Nacional de Restaurantes (NRA, na sigla em inglês) realizou uma campanha estrondosa contra um projeto de lei que previa facilitar a criação de sindicatos nas empresas. Os chefes do hambúrguer mantêm assim um exército de temíveis lobistas, entre os quais figura na primeira fila Richard Berman, o fundador do Centro para a Liberdade do Consumidor, que inunda os meios de comunicação com discursos antissindicais e pregações em favor do direito inalienável de se empanturrar de comida nociva para a saúde.

De maneira geral, os americanos adoram os empresários que padronizam sua alimentação. Seu imaginário coletivo está impregnado da celebração dos grandes patriotas da formatação alimentar: o pioneiro do hambúrguer a 15 centavos, o inventor da falsa gastronomia mexicana, o gênio da pizzacozida em 30 segundos, o construtor de sanduíches de quatro andares etc. Tantos gloriosos benfeitores adulados pelos meios de comunicação, cujas memórias são disputadas nas livrarias e aos quais os candidatos à eleição presidencial não deixam jamais de prestar homenagem. Alguns deles, aliás, até concorreram à Casa Branca...

E depois há a tropa de pequenos patrões um pouco menos heroicos, chamados franqueados, que colocam sua ambição a serviço de uma marca e de um sistema concebidos por outra pessoa. Sem dúvida, jamais conhecerão a glória de um Harland Sanders, o fundador do império KFC; no entanto, também brilham por seu individualismo e seu senso de iniciativa, devotando-se sem descanso a qualquer novo conceito de pizza estilo esquimó ou de doce coberto de glacê ao gosto havaiano. Também a esses os Estados Unidos amam igualmente. Afinal, eles não seriam também “nossos vizinhos”, como sublinhou um editorialista da Fox News exasperado com o movimento de greve no setor de alimentação rápida? Como não reconhecer que eles “trabalharam duro a vida inteira e arriscaram as próprias posses” a fim de fazer prosperar o sonho americano, como lembrou alguns dias depois outro comentarista da mesma rede?

Franquias nas mãos de especuladores

Esses mitos representam uma arma poderosa. Mitt Romney lembrou-se disso durante a campanha eleitoral de 2012. Em discurso pronunciado em Chicago, o candidato republicano à Casa Branca exaltou o “espírito empreendedor” de James John Liautaud, fundador da cadeia Jimmy John’s Gourmet Sandwiches. Ele detalhou em seguida que os grandes homens com essa força moral “não esperam nada do Estado”, porque preferem “contar com eles próprios e dizer a si mesmos: ‘O que posso fazer para me tornar melhor? O que posso fazer para realizar os projetos que construo para mim mesmo e para minha família?’”.

Se os adeptos do progresso pessoal pelo sistema alimentar “não esperam nada do Estado”, este, em contrapartida, conta enormemente com eles. Prova disso são as estradas, os recolhimentos de dejetos e os empréstimos com taxa diferenciada que ele coloca graciosamente à disposição deles. Some-se a isso uma subvenção disfarçada. Na Carolina do Norte, assim como no resto do país, muitos assalariados do setor de fast-food – ou talvez a maior parte deles – recebem do poder público um vale-alimentação ou outras formas de doação em espécie. Quando os trabalhadores afirmam que não podem sobreviver com US$ 7,25 por hora, não há nada de exagero nisso: eles não estão efetivamente em condições de sobreviver com o salário mínimo, muito menos de “realizar” qualquer projeto que seja. Em suma, o governo utiliza o dinheiro do contribuinte para impedi-los de morrer de fome e para confortar os empregadores no desfrute dos lucros assim liberados.

Sabemos como funcionam os gigantes do setor: eles acumulam benefícios fabulosos, distribuem alimento de má qualidade e gratificam seus tenentes com bônus suntuosos. Além disso, eles pertencem cada vez mais a fundos de pensão ou a grupos de especuladores, aqueles mesmos que provocaram a crise sem fim graças à qual tantos trabalhadores não têm agora outra escolha senão batalhar por um emprego descartável em suas barracas de fritas.

O caso do Burger King ilustra perfeitamente esse mecanismo. O ex-número dois norte-americano do hambúrguer não passa hoje em dia de um brinquedo nas mãos dos banqueiros. Adquirida em 1997 pela Diageo, uma multinacional do álcool, a empresa foi revendida em 2002 para um consórcio financeiro que incluía o Goldman Sachs e o Bain Capital, o fundo de investimento criado por Romney. Em 2010, ela passou para o controle do fundo americano-brasileiro 3G Capital, que a precipitou numa decadência da qual ainda encontra dificuldade para se recuperar. Um longo e doloroso conflito com seus funcionários só pode lhe fazer bem.

Exemplos similares abundam. A cadeia de frango frito Bojangles de início atiçou a cobiça do Falfurrias Capital Partners, antes de ser engolida pelo fundo de investimento Advent International. O Sun Capital Partners possui as redes Friendly’s, Captain D’s, Johnny Rockets e Boston Market. O Fog Cutter Capital Group e o Consumer Capital Partners compraram respectivamente o Fatburger e o Smashburger. Quanto ao Roark Capital, proprietário do Arby’s, do Cinnabon, do Carvel e do Moe’s Southwest Grill, sua gana pelas franquias o conduziu logicamente a ter também uma companhia de coleta de dejetos, a Waste Pro.

Mesmo os franqueados que têm o simpático fast-food na esquina da rua não são mais totalmente simples “vizinhos”. Também entre eles o canto de sereia de Wall Street foi mais importante que o amor pelo cheiro de óleo queimado. O maior franqueado do Burger King é uma companhia comercial domiciliada em Syracuse, no estado de Nova York, que detém nada menos que 566 estabelecimentos. Seu presidente embolsou perto de US$ 2 milhões em 2011, incluídas as ações. Outro operador do Burger King, o Strategic Restaurants, caiu nas mãos do fundo de investimento Cerberus Capital Management, que coleciona participações em cerca de trezentas empresas do mundo inteiro. A Pizza Hut, por seu lado, cedeu sua principal franquia para a Merril Lynch, que em seguida a revendeu para o fundo Olympus Growth Fund V. Durante esse tempo, os acionistas do Valor Equity pegaram para si uma fatia do Little Caesar e da Dunkin Donuts por meio de sua filial Sizzling Platter.

Tanto no nível das marcas como no das franquias, o patronato do setor de fast-food da Carolina do Norte não disse uma palavra sobre a greve do ano passado. Por uma razão simples: admitir o descontentamento de sua mão de obra prejudicaria a imagem de um setor desejoso de aparecer como um artesão da felicidade familiar. Nada abala mais a reputação de um restaurante do que uma funcionária enraivecida postada na entrada queixando-se de não poder vacinar o filho de 6 meses por falta de condições financeiras.

Muda, a filial no entanto não deixou de enviar à frente de batalha seus cães de guarda. A greve mal acabara de eclodir quando o Instituto das Políticas de Emprego, um dos grupos de pressão dirigidos por Berman, comprou uma página inteira do Wall Street Journal. Acima da fotografia de um robô de cozinha japonês, uma mensagem publicitária proclamava que a ação dos grevistas não era “um combate contra a administração, mas um combate contra a tecnologia”. A mensagem subentendida não escapou aos trabalhadores: se eles insistissem, seria facilmente possível dispensá-los instalando autômatos em todos os fast-foods do país.

“Nós acreditamos nas pessoas”

Berman não está errado. Os jornalistas foram substituídos por blogueiros, os operários por robôs, os professores universitários por assistentes e por cursos pela internet. Por que o deus da eficácia pararia se a coisa está indo tão bem? Seria uma boa ideia se os líderes políticos se inserissem na lista...

Na Carolina do Norte, o setor de comida rápida deu nascimento a uma história lendária. A Boddie-Noell foi a primeira empresa a ter investido ali na abertura de um Hardee’s, nome de uma rede que vende hambúrgueres baratos copiados dos do McDonald’s. Ao longo dos anos, ela se tornou a maior franquia da marca nos Estados Unidos. Estranhamente, ela não foi comprada por um fundo de pensão e nunca ameaçou substituir seus funcionários por robôs. É um negócio familiar cujo lema – “Nós acreditamos nas pessoas” – parece ser levado a sério. Ela se orgulha de ter colocado em prática um serviço de aconselhamento encarregado de “fornecer apoio aos empregados que experimentam problemas pessoais ou profissionais”, os quais, pelo jeito, não desapareceram, já que vários funcionários da empresa se juntaram ao piquete de greve do Burger King.

A Boddie-Noell é também proprietária de uma plantação. Situado nos arredores de Nashville (Tennessee), o terreno de Rose Hill é enfeitado por uma casa-grande construída no final do século XVIII pelos ancestrais da família Boddie. Os altos e baixos que a plantação conheceu em sua história ilustram as vicissitudes do capitalismo norte-americano.

A família Boddie vendeu a Rose Hill no auge da depressão dos anos 1930, que não poupou o 1% mais rico. Ela pôde recomprar seu bem em 1979 graças às receitas do Hardee’s. Foi, portanto, a intercessão miraculosa do setor de comida rápida que permitiu aos herdeiros recuperar seu paraíso perdido. Hoje, a casa-grande se transformou em centro de conferências. Ela acolhe também festas de casamento para adeptos do folclore sulista.

Uma alameda de pés de mirtilo em flor conduz o visitante até um portal de ferro trabalhado que contém os brasões da dinastia Boddie. Mais longe, uma feérica mansão senhorial de paredes brancas imaculadas e um pórtico impecavelmente azul sustentado por quatro colunas majestosas. Tocamos a campainha, mas não há nenhum movimento. Rose Hill parece totalmente deserta. Ver essa morada suntuosa assim desabitada nesses dias de greve faz surgir outra visão, a de um mundo no qual os trabalhadores estarão mortos. Eles continuarão sem dúvida a mostrar um rosto sorridente nos fôlderes de suas companhias, mas a tecnologia e o mercado os terão tornado definitivamente intercambiáveis, cada um carregando uma bandeja prateada cheia de aperitivos fritos. 

BOX:



Colocar a culpa nos pobres 

Quanto Washington gasta para assegurar a sobrevivência dos trabalhadores e garantir ao mesmo tempo a competitividade do hambúrguer? Segundo o Projeto de Lei Nacional sobre o Emprego (Nelp, na sigla em inglês), ONG que defende os direitos dos assalariados modestos, os programas de assistência aos empregados do setor de fast-food alcançariam a cifra de US$ 7 bilhões por ano. Tal subvenção para o patronato pode chocar em um país que viu tantos trabalhadores afundarem no pântano da pobreza ao longo dos cinco últimos anos. A inquietação dos norte-americanos a esse respeito demora, contudo, a encontrar uma tradução política. A maioria democrata no Senado e os que rodeiam o presidente Barack Obama com certeza anunciaram que apoiavam a ideia de um aumento do salário mínimo para US$ 10 a hora, mas sua pusilanimidade e a obstrução dos republicanos ainda bloqueiam qualquer avanço.

A direita apavora-se com a ideia de que a crise atual provoque turbulências políticas semelhantes àquelas que marcaram a Grande Depressão dos anos 1930. Por esse motivo, ela se empenha obstinadamente em incriminar os pobres e em fazê-los suportar o custo da recessão. Aos olhos dos conservadores, a existência de trabalhadores tão mal pagos que não conseguem assegurar sua sobrevivência sem as ajudas do governo não significa de forma alguma que eles deveriam receber um salário melhor ou exercer seus direitos sindicais, mas, ao contrário, que é preciso suprimir... as ajudas do governo.

Em outubro, os republicanos fizeram passar na Câmara dos Representantes – onde são majoritários – um texto que limita drasticamente os programas de ajuda-alimentação. Talvez eles imaginem que, fatiando os últimos dispositivos de assistência, incitarão os trabalhadores a contar mais “com eles mesmos”. (T.F.)

Thomas Frank
Jornalista, autor de Pourquoi les pauvres votent à droite. Comment les conservateurs ont gagné le coeur des Etats-Unis (et celui des autres pays riches) [Por que os pobres votam na direita. Como os conservadores ganharam o coração dos Estados Unidos (e o dos outros países ricos), Agone, Marselha, 2008. Acaba de publicar Pity the billionaire: the hard-times swindle and the unlikely comeback of the right [Pobre bilionário: o embuste dos tempos difíceis e o improvável retorno da direita], Metropolitan Books, Nova York, 2012.

Ilustração: Alves

1 Eric Schlosser, Fast-food nation: the dark side of the all-American meal (O país do fast-food: o lado obscuro de uma refeição tipicamente norte-americana), Houghton Mifflin, Boston, 2001.
Le Monde Diplomatique Brasil

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