segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A beleza indômita da Islândia

O vulcão Eyjafjallajökull, pouco antes do amanhecer de 23 de abril de 2010: o pior já passou. A lava agora flui livremente. Antes, ao irromper, ela derreteu o gelo e causou uma inundação que destruiu estradas e fazendas. A cinza na atmosfera fechou o tráfego aéreo europeu por uma semana

Em Litlanesfoss, a cascata cruza na perpendicular um antigo fluxo de lava que formou colunas ao se resfriar

Em Hveravellir - literalmente, "nascentes quentes na planície" -, finos terraços de geiserita se precipitaram da água ao esfriar. Um notório bandido do século 18, Fjalia-Eyvindur, refugiu-se ali durante anos, roubando ovelhas dos pastos de verão.

A torrente glacial jorra sobre uma saliência rochosa de 12 metros de altura em Godafoss, a "cascata dos deuses". Quando o Parlamento islandês adotou o cristianismo no ano 1000, seu líder arremessou os ídolos pagãos na cascata. A ilha musgosa, segundo a geógrafa Gudrún Gisladóttir, "está protegida das ovelhas".

Robert Kunzig
Modelada por geleiras e vulcões, há séculos esta paisagem sofre o impacto dos seres humanos (e das ovelhas). Mas continua espetacular
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 O vulcão está calmo, sua geleira envolta em nuvens, mas, para chegar ali, atravessamos canais fluviais gelados e, por duas vezes, o carro de Siggi atolou. Fora da cabana aquecida, a copa das bétulas com troncos retorcidos forma uma teia de ramagens que se destaca na encosta branca. “Era assim quando os vikings aqui desembarcaram”, diz Gudrún, a irmã de Siggi. Ela é geógrafa, e Siggi, geoquímico. Eles me contam a história da paisagem da Islândia, e, levando em conta a ovelha, sob a forma de carne defumada, todos os quatro atores principais estavam presentes.

Vulcões

Foram eles que moldaram a Islândia e a mantiveram acima das ondas do Atlântico durante pelo menos 16 milhões de anos. Às vezes um deles entra em atividade. Em 2010, quando os responsáveis pelo espaço aéreo europeu estavam atordoados com as cinzas lançadas pelo Eyjafjallajökull, Siggi saiu correndo com seu jipe até o âmago escuro da nuvem. Quando tentou coletar um pouco de cinza, esperava ouvi-la tamborilando em seu capacete, mas só havia silêncio. “Era como farinha”, conta. Mas em partículas afiadas como vidro.

Geleiras

Elas começaram a se formar e a se desfazer por volta de 3 milhões de anos atrás, antes mesmo do início das eras glaciais no planeta. Agora estão encolhendo com rapidez, mas ainda recobrem os vulcões mais altos. Quando um fjall (vulcão) entra em atividade sob uma jökull (geleira), o resultado é uma jökulhlaup – torrente de água derretida e gelo que escorre para o mar, inundando plantações que logo em seguida podem ser cobertas pela cinza.

Pessoas

Sabe-se que os primeiros colonos desembarcaram na Islândia em 874, apenas três anos depois de duas imensas erupções. Antes de 871, a Islândia, com uma área pouco maior que a do estado de Pernambuco, estava praticamente desabitada. Os únicos mamíferos terrestres eram as raposas-do-ártico. Entre as duas grandes erupções predominou o silêncio completo, interrompido apenas pelo vento, pelo o mar e pelo guincho das aves marinhas.

Os islandeses impregnaram de sentido essa terra vazia, mas também a desnudaram. As florestas de bétula antes cobriam as várzeas e os vales, estendendose pelo menos por um quarto do país; hoje ocupam apenas 1% do território. Até o século 19, árvores foram abatidas e viraram carvão vegetal.

Ovelhas

Os colonos trouxeram também rebanhos bovinos e suínos, mas, como em seguida o clima esfriou durante 500 anos, as ovelhas, protegidas por seu pelo longo, se tornaram a principal criação. No verão, quase meio milhão delas continuam a pastar em liberdade nas terras altas. E, sendo ovelhas, elas comem de tudo – incluindo os brotos de bétula. “Menos da metade do território islandês tem algum tipo de cobertura vegetal”, diz Gudrún. Antes, chegava a dois terços. E, à medida que ficavam expostos, os fofos solos vulcânicos foram sendo levados embora em grande quantidade tanto pelo vento quanto pela água.

Em resumo: os seres humanos e seus rebanhos, lutando para sobreviver em uma terra de vulcões e geleiras, provocaram uma rara deterioração do ambiente. Mas, para quem não conhece essa história, a beleza que resta é deslumbrante.

Em 21 de dezembro, às 11 da manhã, Siggi, Gudrún e eu tentamos seguir até outro vulcão, o Katla, cuja jökulhlaup de 1918 quase carregou o avô deles quando estava no campo recolhendo as ovelhas. Mas uma nevasca nos obriga a voltar. Depois, ao cruzarmos um rio glacial, abre-se um buraco nas nuvens sobre o oceano. Os morros ao norte do rio ficam banhados em uma luz suave.

Gunnar, o arquetípico herói das sagas, vivia nessa serra, conta Siggi. Passamos por uma elevação onde Gunnar, seguindo para o exílio depois de uma sangrenta disputa, foi derrubado de seu cavalo. Olhando na direção de sua casa, ele pronunciou os versos que todo islandês conhece, e Siggi traduz de modo aproximado: “Bela é a encosta, mais bela do que jamais se viu. Antes voltar para casa do que acabar em terras estranhas”. Ainda hoje a Islândia exerce tal atração. “Além do mais”, comentam Orsolya e Erlend Haarberg, que vieram da Noruega para fazer essas fotos, “não há nenhuma árvore bloqueando a vista fantástica.”
NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL

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