terça-feira, 22 de junho de 2010

O paradoxo da capital da esperança


O paradoxo da capital da esperança

Aos 50 anos, Brasília tem poucos motivos para comemorações

HERBERT CARVALHO

Ao completar 50 anos de sua fundação, a mesma Brasília que ganhou do escritor francês André Malraux o título de Capital da Esperança vive um paradoxo. Para o Brasil e o mundo – que desde 1987 reconheceu, por intermédio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), os monumentos do arquiteto Oscar Niemeyer, dispostos sobre o Plano Piloto idealizado pelo urbanista Lúcio Costa, como Patrimônio da Humanidade –, a cidade construída em apenas três anos e seis meses (entre 20 de outubro de 1956 e 21 de abril de 1960) tornou-se o símbolo de um país integrado, mais desenvolvido e menos desigual, como almejava seu realizador, o presidente Juscelino Kubitschek.

Internamente, porém, para o atual Distrito Federal, que planejado para atingir 600 mil habitantes no ano 2000 chega ao meio século de existência com uma população superior a 2,6 milhões, a efeméride tem um sabor melancólico. Na área às margens do lago Paranoá e no interior do cinturão verde, que abriga as embaixadas e o núcleo dos poderes estabelecidos na capital federal, a degradação urbana toma a forma de congestionamentos, outrora inimagináveis em suas vias expressas. Ao mesmo tempo, nas cidades-satélites a pobreza, causada pelo incessante movimento migratório desvinculado de oportunidades econômicas, transforma moradores em clientes permanentes do assistencialismo de caráter eleitoreiro. O fenômeno, por sua vez, está na raiz da crise política desencadeada em novembro do ano passado, quando uma operação da Polícia Federal revelou imagens gravadas que retratavam a cúpula do Executivo e da Câmara Distrital repartindo dinheiro vivo por bolsas, paletós e meias.

Além de retirar o aparelho burocrático administrativo do governo central do ambiente conturbado das grandes metrópoles e distanciá-lo das pressões dos poderosos grupos econômicos sediados na região sudeste, a proposta de Brasília configurava uma nova concepção de cidade, mais humana, igualitária e previsível. Essa utopia social urbana, que pressupunha uma população de funcionários públicos bem alojados em locais próximos às repartições, se desfez na medida em que não conseguiu evitar a reprodução das mazelas nacionais, derivadas de um modelo de desenvolvimento caracterizado por desigualdades e contrastes profundos.

Enquanto o Brasil e os próprios brasilienses se interrogam sobre o futuro de uma “terra prometida”, que de acordo com o famoso sonho de dom Bosco (santo italiano nascido em 1815, fundador da Ordem dos Salesianos) verteria “leite e mel” e seria de “uma riqueza inconcebível”, Problemas Brasileiros – que exibiu na capa de suas primeiras edições, na década de 1960, como um apelo de modernidade, o traçado do Plano Piloto – resgata a saga da invenção de uma capital mediterrânea em um país continental que nasceu, e durante três séculos e meio permaneceu, deitado no berço esplêndido de sua faixa litorânea.

Nova Lisboa

A data do nascimento oficial do projeto de interiorização da capital é 1789. De acordo com o relato sobre a fundação de Brasília gravado em 16 imensas placas de mármore seladas nas paredes do Museu Histórico, localizado na Praça dos Três Poderes, foi na Inconfidência Mineira que surgiu a primeira proposta com esse teor. Os autos de devassa do movimento atribuem ao próprio alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, a assertiva de que “a capital se havia de mudar para São João del Rei, por ser aquela vila mais bem situada e farta de alimentos”.

A ideia específica da construção de uma cidade para a instalação da capital, porém, surge em 1807, quando dom João VI, acossado pelas tropas de Napoleão, decide transferir a sede do império de Portugal para o Brasil. Na ocasião, duas possibilidades se apresentaram diante dele: erguer uma cidade completamente nova – como São Petersburgo, na Rússia, e Washington, nos Estados Unidos – ou reformar o Rio de Janeiro, nos moldes da reconstrução de Lisboa levada a cabo pelo marquês de Pombal após o terremoto de 1755.

Como se sabe prevaleceu a segunda opção, diante das dificuldades de comunicação terrestre na época e por ser Portugal um império marítimo mercantilista, que fizera das cidades portuárias de Salvador, e em seguida do Rio de Janeiro, as sedes de sua colônia americana. Não faltaram, porém, vozes a aconselhar o príncipe regente não apenas a edificar uma nova capital, mas a fazê-lo especificamente no interior do continente, naquela que então era a capitania de Goiás. Um discurso no parlamento da Inglaterra – potência que tutelava o império português – faz referência a uma cidade que se chamaria Nova Lisboa, situando-a no Planalto Central do Brasil, ideia que é apoiada por Hipólito José da Costa: “Esse ponto central, próximo das vertentes de caudalosos rios que se dirigem para o norte e nordeste e para o sul e sudeste, tem pedra em abundância e madeiras de construção para toda sorte de edifícios”, escreveu o editor do “Correio Braziliense”, jornal por ele publicado em Londres entre 1808 e 1822.

Em documento elaborado em 1820 pelos representantes brasileiros nas cortes portuguesas a ideia é justificada por razões de segurança e para promover uma redistribuição demográfica: “Deste modo fica a corte ou assento da regência livre de qualquer assalto ou surpresa externa e se chama para as províncias centrais o excesso de população vadia das cidades marítimas e mercantis”. A vulnerabilidade dos núcleos litorâneos em caso de ataque tinha como exemplo a facilidade com que um século antes o corsário francês Duguay-Trouin se apoderara da baía de Guanabara com apenas alguns navios. O argumento seria decisivo também para que posteriormente o Paquistão e a Turquia construíssem Islamabad e Ankara como capitais afastadas da costa.

No período entre 1821 – quando a corte retorna a Portugal – e 1824 – ano da promulgação da Constituição do Império do Brasil – o assunto entra novamente em pauta. José Bonifácio de Andrada e Silva menciona em discurso na Assembléia Constituinte o nome Brasília para designar a capital a ser erguida em Goiás. Suas preocupações são as mesmas que norteariam durante mais de um século a discussão sobre a necessidade de interiorização do centro político e administrativo do país: segurança do Estado, povoamento do território, desenvolvimento do comércio interno e preservação da unidade nacional. Dom Pedro I, porém, não estava preparado para aceitar essas e outras sugestões – como a abolição gradual da escravatura e a implantação da siderurgia – do Patriarca da Independência, que acaba exilado por suas ousadias. O Brasil permanece, assim, voltado para a Europa e de costas para o interior de seu imenso território. No Segundo Reinado o historiador e diplomata Francisco Adolfo de Varnhagen, visconde de Porto Seguro, em obra publicada em 1877 sob o título A Questão da Capital: Marítima ou no Interior?, denuncia a opção do Brasil de organizar-se sempre em torno de objetivos externos, característica do modelo agrário exportador que perdurou até a década de 1930.

Retângulo Cruls

A questão só passa da teoria à prática após a proclamação da República. A Constituição de 1891 traz a previsão de que uma área de 14 mil quilômetros quadrados no Planalto Central “será oportunamente demarcada para nela estabelecer-se a futura capital federal”. O texto fala também pela primeira vez em Distrito Federal – termo utilizado originalmente pelos constituintes americanos –, em vez de “município neutro”, como a sede do governo era designada no tempo do Império.

Em maio de 1892 o governo de Floriano Peixoto institui por decreto a “Comissão de Exploração do Planalto Central do Brasil”, cujo comando é entregue ao engenheiro belga Louis Cruls, diretor do Observatório do Rio de Janeiro. Integrada por geólogos e botânicos, durante quatro anos a comissão faz um levantamento sobre topografia, clima, geologia, fauna, flora e recursos materiais da área que a partir de 1895 passa a figurar nos mapas do Brasil como “retângulo Cruls ou futuro Distrito Federal”. Dentro dele, o vasto vale banhado pelos rios Torto, Gama, Vicente Pires e Riacho Fundo – onde hoje fica o Plano Piloto – é escolhido para a instalação da cidade, que só seria finalmente erguida seis décadas depois.

Primeiro civil a assumir a presidência da República, Prudente de Moraes não tem a pressa nem a visão geopolítica de Floriano, seu antecessor, que apresentava a mudança da capital como uma “necessidade inadiável”. O paulista que inaugura a longa hegemonia da oligarquia cafeeira paulista na direção do país, ao contrário, preocupa-se mais em não permitir que o poder escape de seu estado, já na época o polo dinâmico da economia brasileira. Engavetado, o projeto inicia um longo período de ostracismo, quebrado apenas no dia 7 de setembro de 1922, por ocasião do centenário da Independência, quando o governo do paraibano Epitácio Pessoa inclui, como parte das comemorações, a colocação da pedra fundamental da nova capital nas imediações da cidade de Planaltina.

Nas décadas de 1930-40 Goiânia torna-se a segunda cidade brasileira construída especialmente para ser a nova capital de um estado, a exemplo do que se passara com Belo Horizonte na virada do século 19 para o 20 (e ainda ocorreria com Palmas, no Tocantins, no final da década de 1980). Em paralelo a esses exemplos concretos, a mudança da capital federal continua a fazer parte das Constituições de 1934 e de 1946, ambas fruto de assembleias constituintes eleitas, numa clara indicação de que a maioria dos legisladores era favorável à ideia, não concretizada por falta de vontade política do Poder Executivo. Num período de dez anos, entre 1946 e 1956, novas comissões – desta vez chefiadas por militares – esquadrinham o retângulo Cruls para estabelecer a localização exata da nova capital a partir de fatores econômicos e científicos. Dessa forma, a questão está madura sob todos os aspectos quando Juscelino Kubitschek de Oliveira assume a presidência da República, em 31 de janeiro de 1956.

Meta síntese

O Brasil na metade da década de 1950 era um país que, ao se afastar de seu passado predominantemente rural, urbanizava-se, industrializava-se e voltava-se para sua imensa e esquecida porção oeste. Essas profundas transformações estavam expressas nas 30 diretivas do Plano de Metas adotado por Juscelino, que abrangiam cinco grupos, entre os quais energia, transportes e indústrias de base receberiam mais de 90% dos recursos alocados, em detrimento dos outros dois, alimentação e educação. Ao decidir abraçar a ideia da mudança da capital – o que, segundo o folclore político, ocorreu durante a campanha eleitoral, quando num comício em Jataí (GO) um eleitor questionou se o compromisso do candidato de respeitar a Constituição incluía realizar a transferência –, Juscelino transformou a construção de Brasília, que não integrava nenhum dos grupos, na meta síntese de todas.

Em abril de 1956 o projeto de lei da construção da nova capital dava entrada no Congresso Nacional. Boicotado pela União Democrática Nacional (UDN), maior partido de oposição ao governo – que, por sua vez, era sustentado pela aliança entre o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) –, é aprovado após renhida luta política e sancionado no dia 19 de setembro. O texto previa a organização de uma sociedade denominada Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, ou simplesmente Novacap, cuja presidência foi entregue por Juscelino ao correligionário pessedista Israel Pinheiro. Subordinada apenas ao presidente da República, a Novacap surge com autonomia política e orçamentária para exercer as funções de mestre de obras do empreendimento. Fiel a seu princípio de não cortar os nós que pudesse desatar, ele destina à UDN um terço dos principais cargos da companhia. Antes disso, no mês de maio, já havia demitido o marechal José Pessoa da chefia da Comissão de Localização da Nova Capital, devido à orientação do militar de que o crescimento da cidade “devia se dar por estágios, através de sucessivos governos”. Considerando Brasília – nome finalmente adotado em contraposição a Vera Cruz, como queria o marechal – um assunto “sério demais” para ficar sujeito à “tradicional descontinuidade administrativa do Brasil”, Juscelino definiu a data da inauguração: seria antes do término de seu mandato e no dia de Tiradentes, em 21 de abril de 1960.

Equiparando seu gesto à oportunidade dada pelo papa renascentista Júlio II a Michelangelo para que pintasse o teto da Capela Sistina, Juscelino convida o arquiteto Oscar Niemeyer a projetar os principais edifícios públicos que hoje encantam os visitantes como obras de arte a céu aberto: o Palácio do Planalto, os edifícios do Congresso e do Supremo Tribunal Federal e o Palácio da Alvorada. Este último, residência oficial do presidente da República, o primeiro a ficar pronto, teve seu projeto inicial recusado por Juscelino, com a franqueza que lhe permitia uma amizade iniciada desde quando, prefeito de Belo Horizonte, contratara o arquiteto para modernizar o bairro da Pampulha: “O que eu quero, Niemeyer, é um palácio que daqui a cem anos ainda seja admirado”. Assim nasceram as famosas colunas em forma de leques invertidos, “as mais belas que vi depois das gregas”, no dizer de Malraux, cujas variações ornamentam também os palácios do Planalto e do Supremo Tribunal Federal.

Já o projeto urbanístico surge de um concurso entre a elite da arquitetura brasileira, vencido por Lúcio Costa com uma ideia extraordinariamente simples: seu desenho é o de uma cruz, com a linha vertical transformada em avenida ou eixo monumental – para a instalação da Praça dos Três Poderes, dos ministérios, da catedral e do Teatro Nacional – e a horizontal reservada para as residências dos funcionários públicos em superquadras que, protegidas do trânsito, seriam o local privilegiado da sociabilidade.

Realizar isso tudo no exíguo prazo estipulado, incluindo a formação de um lago artificial, previsto desde a comissão Cruls para proporcionar certo grau de umidade que amenizasse a inclemência do clima do cerrado, constituiu-se numa tarefa hercúlea executada apenas pela junção de dois fatores: o olho do “dono” – que durante a construção realizou 225 viagens aéreas entre o Rio de Janeiro e Brasília para inspecionar as obras – e a força de trabalho dos candangos, nome de origem africana aplicado aos milhares de operários vindos de todas as partes do país e submetidos a jornadas de até 16 horas, sob a vigilância atenta da Guarda Especial de Brasília, truculenta milícia constituída pela Novacap para reprimir qualquer movimento de rebeldia que resultasse em atraso no cronograma. Assim, às 9 horas do dia 21 de abril de 1960, sob o aplauso dos cariocas, Juscelino fechava solenemente os portões do Palácio do Catete (transformado em Museu da República) e voava uma vez mais para o Planalto Central. Embalado pelos acordes de uma Bossa Nova que começava a encantar o mundo e ao mesmo tempo em que os primeiros automóveis de fabricação nacional ganhavam as ruas, o Brasil exibia sua moderna capital, concretizando uma ideia antiga de 170 anos.

Cidades-satélites

Em seus primeiros anos, Brasília assistiu à renúncia de Jânio Quadros, à breve experiência parlamentarista do governo João Goulart e à chegada dos militares, após o golpe de 1964. Estes, apesar de cassarem os direitos políticos de Juscelino e submetê-lo a toda sorte de constrangimentos, mostraram-se simpáticos à nova capital por razões geopolíticas e apressaram a transferência da burocracia governamental que resistia a sair do Rio de Janeiro, consolidando também as ligações rodoviárias entre o Distrito Federal e os quatro pontos cardeais do país. No rastro das novas estradas desapareceu o vazio demográfico que significava o contraste entre os 50 habitantes por quilômetro quadrado no litoral, em 1950, e os míseros cinco na região centro-oeste, que rapidamente expandiu sua pecuária e as diversas lavouras do atual agronegócio, em terras que não valiam nada e hoje são negociadas a peso de ouro.

Se Brasília constituiu um investimento com rápido retorno para o país, em relação aos brasilienses a história mostrou-se diversa. A utopia de Lúcio Costa, que desejava ver o ministro e seu motorista morando ao lado um do outro, em uma cidade sem periferia, logo se desfez. Também estava previsto que dois terços dos candangos voltariam para seus estados depois do fim das obras, mas isso não ocorreu.

A primeira cidade-satélite surgiu precocemente, em maio de 1958, quando candangos resistiram à desocupação dos barracos em que viviam, resultado de inúmeras invasões, e cercaram Juscelino em um restaurante, exigindo uma solução. Acabaram transferidos para uma área distante 25 quilômetros do Plano Piloto, que fazia parte da desapropriada fazenda Taguatinga, nome que batizou o novo núcleo urbano. A chamada Cidade Livre, acampamento que serviu de base para os operários e devia ser demolida, tornou-se cidade-satélite com o nome de Núcleo Bandeirante. Logo a cidade de Planaltina, um dos três municípios goianos a contribuir com parte de seu território para formar os 5.802 quilômetros quadrados do atual Distrito Federal (os demais foram Luziânia e Formosa), foi absorvida como cidade-satélite. A estas vieram juntar-se, ainda na década de 1960, outras como Sobradinho, Gama e Brazlândia, todas fruto de invasões realizadas por antigos e novos migrantes. Uma dessas ocupações, a Vila Planalto, logrou resistir dentro do Plano Piloto e acabou por se transformar em um bairro residencial nos fundos do palácio onde despacham os presidentes da República.

Integrante de um país formado a partir de capitanias hereditárias e sesmarias, que nunca fez uma reforma agrária para valer, Brasília continuou a absorver parte do fluxo migratório do campo para as grandes cidades. Em consequência, na década de 1970 o governo local tenta controlar novas ocupações por meio da Campanha de Erradicação de Invasões (CEI), que transferiu 82 mil pessoas de barracos em diferentes pontos do Plano Piloto para um lugar distante 30 quilômetros, que incorporou a sigla e passou a chamar-se Ceilândia, até hoje a maior das cidades-satélites.

Promiscuidade

Com o tempo a expressão “cidade-satélite” adquiriu conotação pejorativa e foi substituída pela designação “região administrativa”, que no século 21 já se aplica a três dezenas delas. Todas padecem de graves problemas como violência urbana e transporte precário, além de caro. As mais recentes são resultado de assentamentos em terrenos cedidos nas décadas de 1980 e 1990 pelo governador Joaquim Roriz, que distribuía lotes como uma estratégia claramente eleitoreira. Nomeado em 1988, Roriz conseguiu a proeza de se eleger três vezes pelo voto popular, somando quatro mandatos que marcaram Brasília com cenas como esta: diante de tratores que iriam iniciar a demolição de barracos em áreas invadidas, ele chegava de helicóptero, garantindo a permanência daqueles que daí por diante engordariam seu curral eleitoral.

Após a eleição de 1960, na qual seus primeiros eleitores votaram apenas para eleger o presidente da República, Brasília passou todo o período da ditadura militar sem ter como exercer o direito do voto. Inicialmente teve oito prefeitos nomeados, o que continuou a ocorrer quando eles passaram a se chamar governadores, igualmente indicados pelo Palácio do Planalto. Sem votar também para vereador, deputado ou senador, durante muitos anos os eleitores do Distrito Federal não tiveram qualquer utilidade para seus títulos.

A Constituição de 1988 estabeleceu a autonomia política do Distrito Federal, que além de governador, deputados federais e senadores elege 24 deputados distritais, os quais cumprem um papel híbrido entre deputado estadual e vereador; estes não existem porque a Carta Magna veda expressamente a criação de municípios dentro do Distrito Federal, que por sua vez não possui Constituição, como os estados, e sim Lei Orgânica, típica de um município.

Essa unidade atípica da Federação teve sua política interna fortemente influenciada pelo poder econômico local, que se organizou historicamente em torno da especulação imobiliária. Devido à falta de um projeto de ocupação do solo, ao longo de cinco décadas terras públicas foram griladas por companhias, com a cumplicidade dos governantes. Essa promiscuidade entre autoridades públicas e interesses privados está na origem do escândalo que levou à prisão o governador José Roberto Arruda, afilhado político de Roriz, do qual foi secretário de Obras. O vice, Paulo Octávio, não por acaso um dos maiores empresários do mercado imobiliário, substituiu Arruda no Palácio Buriti – sede do governo local –, mas renunciou logo depois. Em sua ermida às margens do lago Paranoá, o padroeiro dom Bosco assiste à Brasília de seu sonho tornar-se um pesadelo sem fim previsível.

Revista Problemas Brasileiros

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