quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Estados Unidos: militarização em curso no Afeganistão


Estados Unidos: militarização em curso no Afeganistão
Virgílio Arraes
30/11/2009

No primeiro ano de um governante, extrai-se a medida da distância entre o conjunto de propostas, – apresentado durante a campanha eleitoral - e a sua aplicação no decorrer do mandato - derivada de uma gama de fatores - entre os quais sobressai o grau de dedicação do partido vencedor – ou da coligação – para a consecução de seu plano político ou o de acomodação.

A realidade encarrega-se de lapidar o projeto ofertado à sociedade em forma bruta, ao longo da disputa, de muitas formas. Naturalmente, não há a expectativa plena em uma democracia de uma correlação extremamente próxima entre a apresentação inicial de uma determinada plataforma socioeconômica e a execução final, a não ser em momentos de crise, períodos nos quais a população (ou o Legislativo), sob a eventual chancela do Judiciário, poderia conceder, ainda que temporariamente, poderes excepcionais ao Executivo.

Normalmente, os anos subseqüentes de uma gestão presidencial assinalam-se por maior quietação política no tocante à implementação de uma pretendida pauta reformadora, oriunda ainda do consenso partidário, especialmente se o governo não dispuser de maioria parlamentar e, em última instância, de prevalência na instância máxima do Judiciário.

Transcorrido praticamente o primeiro quarto do mandato do Presidente Obama, nota-se na política externa resignação diante da herança assumida, materializada basicamente aos democratas em duas guerras de médio porte no continente asiático, sem perspectiva alguma de êxito.

À primeira vista, o primeiro quartel da gestão representa a fase de transição, passagem necessária para a absorção adequada dos problemas legados por todo antecessor, na qual se objetiva concertar a aspiração do programa original a uma solução viável, isto é, aceita também por uma parcela significativa da oposição.

Observe-se que na legislatura atual, a centésima décima primeira, o Partido Democrata detém sessenta por cento dos assentos, em ambas as casas – no Senado, ele está conjugado a dois representantes independentes.

Aparentemente, os democratas concentram-se no momento mais em assuntos internos, como o da reforma do sistema de saúde ou da destinação de mais verbas à infra-estrutura, supostamente a maior em termos proporcionais desde o governo Eisenhower nos anos 50. Assim, a Casa Branca teria melhores condições de poder dedicar-se mais, a partir de 2010, à política exterior.

Entrementes, o caminho pelo qual o Departamento de Estado, sob a titularidade de Hillary Clinton, desenvolve as suas principais ações no cotidiano permite observar o perfilhamento das diretrizes republicanas no setor. No caso da questão afegã, o encaminhamento é o mesmo, ou seja, providenciar o envio de mais efetivos para o país.

Se, por um lado, o governo jacta-se de recuperar a infra-estrutura internamente, por outro, relega-a ao segundo plano no território afegão, ao concentrar-se na ampliação apenas da parte militar, por meio das corporações privadas.

No presente ano, enquanto as forças armadas receberam mais de 800 milhões de dólares para as suas atividades de construção civil, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) obteve meros 20 milhões.

A milionária soma chega a mais de dois bilhões e meio de dólares se forem considerados os últimos três anos apenas. Para 2010, o Pentágono espera mais de um bilhão de dólares. Somente a base aérea de Bagram, estruturada durante a ocupação soviética no período final da Guerra Fria, abriga atualmente mais de 20 mil efetivos.

Além do mais, pretende-se continuar a sua ampliação, inclusive com um presídio com um milhar de vagas. Em toda a área, empregam-se trabalhadores de diversas nacionalidades, como filipinos e indianos, a fim de baratear o custo da mão-de-obra, medida de efeito mercadológico negativo, em vista do desemprego no país. Em Kandahar, há o mesmo posicionamento. A base de lá acolhe atualmente 30 mil combatentes – originalmente, eram meros doze mil. Nela, há pista de hóquei e até discoteca

Em boa parte das edificações, as reformas terminarão em 2011, o que corrobora a expectativa do General-de-Exército Stanley McChrystal, comandante-chefe das tropas norte-americanas e da Força Internacional de Assistência e Segurança (da Organização do Tratado do Atlântico Norte), de deslocar mais 40 mil contingentes para o Afeganistão.

É um sinal contraditório diante da política inicial dos democratas de uma retirada maciça das tropas e um reconhecimento tácito de que o governo local - mesmo sendo bastante apoiado por Washington, como se presenciou quando da eleição presidencial – não faria coincidir os seus interesses com os dos norte-americanos.

Virgílio Caixeta Arraes é Professor do Departamento de História da Universidade de Brasília (arraes@unb.br)

Meridiano 47

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