quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Al Qaeda se fortalece na região do Saara

Norte da África e península arábica


05/01/2010
Al Qaeda se fortalece na região do Saara
Ignacio Cembrero
Em Madri (Espanha)

Eram mais de meia dúzia de nacionalidades diferentes, de marroquinos a líbios e tunisianos e também alguns saharauis nascidos na antiga colônia espanhola. Mas os chefes eram sempre argelinos. Os intérpretes, nigerianos, porque falam melhor o inglês. Wolfgang Ebner, o refém austríaco que passou quase nove meses sequestrado com sua mulher em 2008 no norte de Mali, viu mais de 70 terroristas da Al Qaeda no Magreb Islâmico (AQMI).

Três anos depois que os salafistas argelinos se converteram, com o beneplácito de Osama bin Laden, no ramo magrebino da Al Qaeda esse é provavelmente seu principal êxito: conseguiram se internacionalizar. O prestígio de que goza a organização fundada por Bin Laden atrai jovens do Magreb e de boa parte da África Ocidental.

Umar Farouk Abdulmutallab, o nigeriano que tentou explodir no Natal um avião da companhia americana Northwest, nasceu em Lagos há 23 anos, mas sua família é originária do estado setentrional de Katsina. Um punhado de jovens desse norte muçulmano da Nigéria, na fronteira com o Níger, se incorporou à Al Qaeda.

"As condições sociais do norte da Nigéria tornam a região favorável à penetração do jihadismo islâmico da Al Qaeda", escreveu recentemente John Campbell, ex-embaixador dos EUA em Abuja e membro do Conselho de Relações Exteriores. Apesar de tudo, os nigerianos não são numerosos no grupo terrorista. Os jovens mais radicais do país mais populoso da África preferem se afiliar a seitas fundamentalistas como Boko Haram, a mais ativa.

A AQMI atua basicamente em dois cenários. No norte da Argélia, onde suas tropas são majoritariamente argelinas, mas contam em suas fileiras com alguns mujahedin de países vizinhos. No sul da Argélia e nos três países fronteiriços (Mauritânia, Mali e Níger), onde suas forças são mais cosmopolitas, embora seu principal responsável, Abdelhamid Abu Zeid, e seus comandos médios sejam argelinos. No norte, a organização aplicou seu maior golpe em Argel em 11 de abril de 2007, com a explosão de dois edifícios, um dos quais abrigava instituições da ONU. Esses atentados deixaram 30 mortos, segundo o balanço oficial, e 72 segundo o jornal "El Watan". Desde então não voltaram a atacar na capital.

A Al Qaeda está em declínio nos subúrbios de Argel ou na região de Cabília (nordeste). O exército matou em 2009, segundo o jornal "Liberté" - não há cifras oficiais -, cerca de 200 terroristas, incluindo sete emires, ou chefes de bandos. No entanto, estes conseguiram assassinar cerca de 120 militares e policiais. A cifra parece elevada, mas diminui a cada ano.

O terrorismo islâmico perde fôlego no norte da Argélia, e apesar de ter feito algum avanço no Marrocos e sobretudo na Tunísia não consegue se implantar nos grandes países do Magreb. Esse era, no entanto, o principal objetivo dos salafistas argelinos quando mudaram de nome para batizar-se com a sigla AQMI. Mas nem tudo são fracassos na curta história da Al Qaeda no Magreb. De dezembro de 2008 até o mês passado a colheita de reféns ocidentais - 12 foram capturados, dos quais cinco foram libertados, um assassinado e seis continuam cativos - foi aumentando.

Os resgates pagos pelos governos em 2009 para obter a libertação de seus cidadãos beiram os 10 milhões de euros, segundo estimativas coincidentes. Equivalem às receitas anuais geradas pelo turismo no norte de Mali, incluindo a mítica cidade de Tumbuctu. A esse valor deve-se acrescentar o que pagarão a Espanha, a Itália e talvez a França em troca da liberdade de seus seis cidadãos atualmente presos pela AQMI.

"Ultimamente constatamos que o dinheiro dos resgates vai para o financiamento das redes terroristas", lamentou o ministro adjunto das Relações Exteriores da Argélia, Abdelkader Messahel, no jornal "L'Expression" de Argel. Isso significa que o terrorismo no norte da Argélia ressurgirá graças ao dinheiro arrecadado no Sahel?

O presidente de Mali, Amadou Toumani Touré, respondeu diversas vezes à acusação velada de Messahel de facilitar o pagamento dos resgates. "O que é certo é que os salafistas não são malienses", declarou ao jornal argelino "El Watan". "Vêm de algum lugar, não?", perguntava-se, referindo-se à Argélia. "Por que países que possuem mais meios que o Mali não conseguem impedi-los de atravessar a fronteira?"

Os sequestros não são a única fonte de financiamento. Antonio Maria Costa, diretor do órgão da ONU de combate ao narcotráfico, declarou em dezembro ao Conselho de Segurança: "Temos provas de que os fluxos de drogas ilícitas - a heroína no leste da África e a cocaína no oeste - se juntam no Saara e seguem novos itinerários através de Chade, Nigéria e Mali". Além do crime organizado, "os terroristas e as forças antigovernamentais se alimentam dos recursos desse tráfico".

Além da caça e captura de ocidentais, 2009 também foi fértil em atentados e confrontos armados: o assassinato de um americano e a tentativa de explosão da embaixada da França na Mauritânia; a matança de 28 soldados e o assassinato de dois oficiais da inteligência militar em Mali; o assassinato, há uma semana, de quatro turistas sauditas no oeste do Níger, etc.

Em agosto de 2008, quando o general mauritano Mohamed Ould Abdelaziz derrubou o presidente eleito democraticamente, França e Espanha, os principais parceiros europeus da Mauritânia, foram benevolentes. O governo espanhol foi contra sancionar o ditador porque, segundo argumentou, estava vigente com Nuakchot um acordo de pesca e porque se contava com ele para combater eficazmente a emigração clandestina e o terrorismo.

Nesse âmbito as coisas foram pior. A polícia mauritana nem sequer seguiu as pistas deixadas pelo veículo todo-terreno em que a Al Qaeda transportou seus reféns espanhóis em 29 de novembro. O general Abdelaziz teve de destituir o chefe desse corpo, general Ahmed Ould Bekrine. Agora o Ministério das Relações Exteriores, em seu site na web, desaconselha os espanhóis a viajar a qualquer lugar do país magrebino.

Apesar dessas falhas, a Mauritânia é o menos frágil dos países do Sahel. Mali, Níger e Chade são Estados paupérrimos ou semifalidos, cujos governos não controlam parte de seus imensos territórios. Em Mali, a rebelião tuaregue no norte do país está por enquanto apaziguada, mas em seus dois vizinhos orientais há regiões em permanente insurreição.

Os receios e a falta de meios fazem que os Estados do Sahel não cooperem muito entre si para erradicar o terrorismo e o crime organizado. Seus vizinhos do norte, sobretudo Argélia e Marrocos, também não se coordenam. As rivalidades políticas e o conflito do Saara Ocidental o impedem. As más relações entre os países do Magreb repercutem negativamente sobre a segurança da Europa meridional.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

DER SPIEGEL

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