sábado, 31 de agosto de 2019

A nova rota da seda


Ela não é uma estrada: é o maior conjunto de obras da história da humanidade, e grande cartada da China para ultrapassar os EUA
Tiago Cordeiro e Bruno Garattoni

(nikolos/Superinteressante)

Liu Bang nasceu pobre, mas teve uma chance na vida. Apareceu tarde, aos 54 anos. O imperador chinês morreu e Liu, que era policial, montou um exército rebelde e tomou o poder. Ele trocou de nome e passou a ser conhecido como Gaozu de Han – o primeiro líder de uma dinastia poderosíssima, que duraria quatro séculos. Tudo porque Liu teve uma sacada genial: abriu a China, criando rotas e acordos de comércio que conectaram o país aos demais. Resultado, as exportações dispararam e a economia chinesa bombou. Mais ou menos como acontece hoje; só que no século 2 a.C. A iniciativa ficou conhecida como Rota da Seda (porque era esse o principal produto exportado), e os chineses aproveitaram a onda de comércio para dominar a Ásia, espalhando sua influência e negócios pelo continente. Agora, mais de 2 mil anos depois, eles querem fazer isso de novo – só que, desta vez, incluindo o mundo inteiro.

No mês passado, o governo chinês anunciou o One Belt One Road (“um cinturão, uma rota”, em inglês), o maior plano de investimentos da história da humanidade. Ele inclui uma quantidade astronômica de dinheiro: nada menos do que US$ 5 trilhões. Isso é três vezes o PIB do Brasil, e quase 40 vezes o valor atualizado do Plano Marshall, que os EUA criaram para reconstruir a Europa após a 2a Guerra Mundial. Esse tsunami de dinheiro será investido em 65 países, que juntos concentram 63% da população global, ao longo dos próximos 40 anos. O objetivo é nítido. “A China quer ser a nova potência mundial, e para isso precisa se tornar o maior player do comércio internacional”, diz Peter Dutton, diretor do US Naval War College e especialista em sinologia. O megaprojeto inclui portos, rodovias, ferrovias, gasodutos, oleodutos e centros de distribuição, tudo para favorecer as exportações chinesas.

É exatamente a mesma estratégia adotada pelas duas últimas superpotências. Nos séculos 18 e 19, os ingleses construíram ferrovias e portos no mundo inteiro, do Paraguai à Índia. Assim, eles ocupavam a capacidade ociosa de suas indústrias, davam emprego a seus trabalhadores e abriam novos mercados para seus produtos e serviços – de quebra, emprestavam dinheiro aos outros países, gerando dependência econômica e ganhando com juros. Os americanos fizeram exatamente a mesma coisa nas décadas de 1940 e 1950. Agora é a vez da China, que pretende concluir todas as obras de seu megaprojeto até 2049 – quando a revolução popular chinesa, liderada por Mao Tse-Tung em 1949, completará cem anos.
(Marcus Penna/Superinteressante)

O pulo do dragão

Pensou em produto importado, pensou na China. Hoje ela fabrica grande parte das coisas que o mundo consome, e sua economia cresce a taxas altíssimas (tanto que o PIB chinês poderá superar o dos Estados Unidos já em 2026). Mas nem sempre foi assim. Durante boa parte do século 20, o governo de Pequim apostou num socialismo focado na população interna. “A China deu início a sua economia de mercado em 1978”, explica o economista André Nassif, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O país começou criando as chamadas “zonas especiais de exportação”, áreas onde empresas estrangeiras poderiam montar fábricas. Deu certo, e na década de 1990 a China passou a ter grande superávit na balança comercial. Entrava mais dinheiro do que saía, e os chineses foram acumulando uma gigantesca poupança. Até que decidiram investir esse dinheiro fora do país. Em 1991, seus investimentos no exterior eram de apenas US$ 3 bilhões. Hoje, passam de US$ 170 bi. Muita coisa – mas, para uma economia do tamanho da chinesa, ainda pouco (corresponde a apenas 1,5% do PIB). 


Um dos principais projetos da nova rota da seda é a melhoria da rede ferroviária. Os chineses já têm 20 linhas de carga que conectam o país a vários centros econômicos da Europa e da Ásia, mas querem converter tudo em ferrovias de alta velocidade. A viagem de trem de Pequim a Moscou, por exemplo, passaria a demorar apenas 30 horas – hoje, leva cinco dias. Tudo graças a trens-bala que ficarão prontos até 2025. A parceria com a Rússia também está levando os chineses até o Ártico: um projeto de US$ 40 bilhões vai apostar na construção e na reforma de portos, ferrovias e gasodutos. Ao todo, somados os projetos em estudo e em andamento, a China pretende construir 175 mil km de ferrovias nos próximos dez anos – isso dá sete vezes toda a malha ferroviária brasileira. O megaprojeto também tem obras no Oriente Médio e na África (veja no infográfico as principais). Mas há uma ausência notável: ele não inclui o Brasil.
A polêmica da Bioceânica

Hoje pode parecer difícil de lembrar, mas o Brasil já viveu uma era de tranquilidade política. E foi justamente aí, em 2010, que os chineses nos procuraram para falar sobre uma obra gigantesca: a Ferrovia Bioceânica, que atravessaria o Peru e o Brasil, ligando o Oceano Pacífico ao Atlântico. Eles se propuseram a construir a ferrovia e emprestar dinheiro para o Brasil pagar a conta – que ficaria em torno de US$ 10 bilhões. Ao mesmo tempo, começaram a escavar um canal que atravessa a Nicarágua, com o mesmo objetivo – para que os navios chineses tenham trânsito livre e não precisem passar pelo Canal do Panamá, controlado pelos EUA.

Em ambos os casos, deu errado. Na Nicarágua, as obras mal começaram e já estão paradas. A Ferrovia Bioceânica, por sua vez, nem saiu do papel. Há quem acredite que o problema é econômico. “Ao apostar no crescimento de outros países, a China acredita no crescimento da demanda por produtos dela”, diz André Nassif. Como a nossa economia vai mal, estamos comprando menos da China, e por isso não valeria a pena investir.

Mesmo com a crise, a China continua sendo nosso maior parceiro comercial. Ela é o principal destino das nossas exportações, US$ 37,4 bilhões por ano, e o país de onde nós mais importamos coisas (US$ 23,8 bilhões). Em abril, os chineses enviaram representantes ao Senado para tentar fazer a obra deslanchar. Mesmo com todo o caos político no Brasil, eles querem a ferrovia. Mas há quem diga que ela jamais vai sair do papel.
(nikolos/Superinteressante)

“Eu gostaria de ver acontecer a obra, mas há alguns estudos mostrando que a Ferrovia Bioceânica é inviável”, afirma Félix Alfredo Larrañaga, professor de comércio exterior da Faculdade Anchieta. Ele dá um exemplo. Transportar uma tonelada de soja do cerrado brasileiro até a China passando pelo porto de Santos, como é feito hoje, custa US$ 120. Já fazer isso usando a Ferrovia Bioceânica sairia por aproximadamente US$ 167. Bem mais caro.

Ou seja: na prática, o maior objetivo da obra seria gerar mercado para as construtoras chinesas, e não necessariamente beneficiar o Brasil. Porque essa é a outra face do One Belt One Road: a tentativa de estabelecer domínio absoluto. Tanto é que, ao mesmo tempo em que faz megainvestimentos em outros países, a China tem ampliado fortemente seu aparato militar, em especial a Marinha. Segundo um levantamento do Instituto Internacional para Estudos Estratégicos, sediado em Londres, no ano 2000 a China tinha 163 embarcações militares de grande porte (somando porta-aviões, cruzadores, destróieres e submarinos), contra 226 dos EUA. No ano passado, já eram 183 contra 188, um empate técnico. E, em 2030, deverão ser 260 dos chineses contra 199 dos americanos. O país também está investindo em bases marítimas no estrangeiro – a começar por uma no Djibuti, país africano com menos de 1 milhão de habitantes que está entre os principais alvos da nova rota da seda. Ou seja: junto com as obras civis, os chineses pretendem fazer uma expansão militar também. 

Os EUA não se manifestaram oficialmente sobre o megaprojeto chinês, mas várias empresas americanas estão tentando abocanhar uma parte das obras. É o caso da General Electric, que em 2016 conseguiu triplicar suas vendas de equipamentos de engenharia e construção na China.

Os investimentos militares e civis são bancados em grande parte pelo Estado chinês, mas não só. O país organizou uma plataforma de suporte financeiro para a iniciativa, que inclui um fundo para captar investimentos privados, com capital inicial de US$ 40 bilhões. Grandes empresários chineses aderiram, como já tinham aderido a projetos anteriores – a tentativa de construir o canal da Nicarágua, por exemplo, é bancada por um magnata chinês das telecomunicações, Wang Jing. No caso específico do One Belt One Road, até agora 47 corporações da China participam de 1.676 diferentes programas vinculados ao projeto. O China Communications Construction Group, sozinho, assumiu a responsabilidade de construir 95 portos, 10 aeroportos, 152 pontes e 10.320 km de estradas.

“São investimentos arriscados. Alguns podem não dar lucro ou não ser concluídos nos prazos”, diz David Wijeratne, analista da consultoria PricewaterhouseCoopers e autor de um estudo detalhado sobre a nova rota da seda. O Paquistão, por exemplo, vai chegar a 2022 devendo US$ 5 bilhões para os chineses, sem nenhuma garantia de que tudo vá mesmo ser construído. Os países africanos também podem acabar se enrolando em dívidas. É com dinheiro chinês que estão sendo construídas diferentes ferrovias, incluindo a que liga as capitais da Etiópia e do Djibuti e a estrada de ferro que vai conectar Mombassa e Nairobi, as duas cidades mais importantes do Quênia. A mesma pista deverá ser expandida até outros três países, Uganda, Ruanda e Congo. Para os africanos, por mais que as obras representem uma bela melhoria na infraestrutura, o investimento pode representar uma dependência econômica perigosa. “Quase todos os países envolvidos [no One Belt One Road] têm estabilidade política e condições mínimas de pagar pelo dinheiro emprestado pelos chineses. Não é o caso dos africanos”, afirma Peter Dutton. “Eles correm o risco de se tornar politicamente dependentes de Pequim.”

Talvez esse seja justamente um dos objetivos da nova rota da seda. Afinal, ela abre novos mercados, mas também espalha dívidas. Gera desenvolvimento, mas também cria relações de influência e poder. É assim que a economia global funciona. Sempre foi assim. E, ao que tudo indica, vai continuar a ser.


(Marcus Penna/Superinteressante)

1 – Ferrovia Londres (Inglaterra)/ Yiwu (China)
Custo não divulgado
Em abril, um trem com 30 contêineres fez a viagem inaugural no primeiro trecho da linha, que vai passar por sete países no caminho entre China e Inglaterra: Cazaquistão, Rússia, Bielorrússia, Polônia, Alemanha, Bélgica e França.

2 – Ferrovia Kunming (China)/Vientiane (Laos)
US$ 5,9 bilhões
Será usada para transporte de passageiros, com trens de alta velocidade que farão todo o percurso em apenas 10 horas. Terá 33 estações, com início de operações previsto para 2020.

3 – Túnel Kamchiq (Uzbequistão)
US$ 1,9 bilhão
É o túnel mais longo da Ásia Central, e passa por sete falhas geológicas. Uma obra complicadíssima. Mas que já está pronta: o túnel foi aberto em 2016. Nos próximos anos, ele será conectado à malha ferroviária que os chineses estão construindo.

4 – Ferrovia Moscou (Rússia) / Kazan (Rússia)
US$ 16,7 bilhões
Deve ficar pronta em 2020. Seus trens de passageiros vão alcançar 400 km/h e passar por 15 estações. Além de ligar as duas cidades russas, faz parte de um projeto maior: uma estrada de ferro de 7 mil km, ligando Moscou a Pequim.

5 – Ferrovia Kunming (China) / Bangkok (Tailândia)
US$ 12 bilhões
Vai levar pessoas entre os dois países, por um terço do preço da passagem aérea para o mesmo trecho. Deverá ficar pronta em 2020, e será conectada a uma nova linha entre Tailândia e Singapura.

6 – Corredor de gasodutos e oleodutos da Ásia Central
US$ 7,3 bilhões
Os EUA sempre desejaram fazer essa obra – mas os chineses parecem mais perto de dobrar a resistência da Rússia e do Irã. Vai levar gás do Turcomenistão e do Cazaquistão para a China e a União Europeia.

7 – Corredor de infraestrutura Kashgar (China) / Khunjerab (Paquistão)
US$ 54 bilhões
Engloba rodovias, ferrovias, gasodutos, oleodutos e redes de telefonia e internet. Os chineses terão acesso direto à Caxemira (região atualmente disputada por Índia e Paquistão).

8 – Ferrovia Addis Abeba (ETIópia) / Golfo de Aden (DjibuTI)
US$ 4 bilhões
Parcialmente inaugurada em outubro de 2016, a estrada Já leva cargas e, este ano, começará a transportar passageiros. A viagem, que de carro demora três dias, agora será percorrida em 12h.

9 – Ferrovia Budapeste (Hungria) / Belgrado (Sérvia)
US$ 2,9 bilhões
Será o primeiro pedaço de uma estrada maior, que deverá chegar a Atenas. A obra tem gerado polêmica na Europa, pois os chineses não divulgaram os detalhes do contrato que assinaram com o governo húngaro.
Revista Superinteressante

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Cinco novas ilhas foram descobertas na Rússia – e isso não é um bom sinal


Entre 2015 e 2018, 30 novas ilhas, cabos e baías surgiram entre as regiões de Nova Zembla e Terra de Francisco José.
Rafael Battaglia



(Ansgar Walk/Wikimedia Commons)

500 anos já se passaram desde as Grandes Navegações, período no qual os europeus foram ao mar e chegaram em terras antes desconhecidas por eles – a América, por exemplo. Mas acredite: mesmo com toda a tecnologia existente em pleno 2019, ainda há lugares inéditos na Terra sendo descobertos ou, no caso que contamos abaixo, aparecendo “do nada”.

Na última semana, a Rússia confirmou a existência de cinco novas ilhas em Novaya Zemlya (ou Nova Zembla), um arquipélago no mar de Kara, na região norte do país, próxima ao Oceano Ártico.

Elas foram identificadas pela primeira vez em 2016 pela estudante Marina Migunova. Isso aconteceu durante uma expedição do curso de uma academia naval em São Petersburgo do qual Marina fazia parte. Contudo, de acordo com o Ministério da Defesa russo, para que os locais fossem adicionados aos mapas, foi preciso que especialistas visitassem o local o comprovassem a descoberta.
(Google Maps / Andy Faria/Montagem sobre reprodução)

As ilhas estão localizadas na baía de Vize e têm tamanhos diferentes: variam de 900 a 54,5 mil metros quadrados. O arquipélago em que elas estão, Novaya Zemlya, era usado para testes nucleares durante a Guerra Fria. Foi lá que, em 1961, a União Soviética testou a Tsar Bomba, a arma nuclear mais potente da história.


Pela descoberta, Marina recebeu um diploma honorário da Sociedade Hidrográfica Russa. Hoje, ela trabalha como engenheira naval nas frotas da Marinha no norte do país.

Mas antes de bancar o Cristóvão Colombo e sair por aí como um explorador, saiba que o surgimento dessas novas ilhas não é um bom sinal. Pelo contrário: o fenômeno ilustra os efeitos do aquecimento global. Tudo indica que elas apareceram como consequência do derretimento acelerado de geleiras.


Russia confirms discovery of 5 new Arctic islands which emerged as climate change accelerates glacial meltinghttps://www.themoscowtimes.com/2019/08/28/russia-discovers-5-arctic-islands-as-glaciers-melt-a67051 …



As porções de terra que agora formam as ilhas estavam escondidas sob a geleira Nansen, também conhecida como Vylka, que cobre boa parte de Nova Zembla e que integra a maior calota de gelo da Europa. Com o aumento das temperaturas na região do Ártico, o gelo derreteu – e elas apareceram.

Não foi um caso isolado. Entre 2015 e 2018, 30 novas ilhas, cabos e baías surgiram entre as regiões de Nova Zembla e Terra de Francisco José (Franz Josef Land), outro arquipélago dali. O monitoramento é feito via satélite pelo serviço hidrográfico da Rússia, e espera-se que mais locais assim sejam encontrados.
Revista Superinteressante

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Aumento da obesidade no Brasil chega a nível alarmante


O Brasil é líder mundial em sedentarismo e tem índices alarmantes de aumento da obesidade, segundo o Ministério da Saúde. A simples adoção de um estilo de vida mais saudável pode evitar doenças como hipertensão e diabetes




Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, abre o debate, alertando que é necessário balancear o gasto calórico com a ingestão de alimentos(foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Com índices alarmantes de aumento da obesidade, sobretudo entre crianças, o Brasil está prestes a conquistar a incômoda liderança como o país mais sedentário do mundo em estudo que ainda será divulgado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O alerta é do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ao chamar a atenção para a necessidade de a população brasileira buscar o equilíbrio entre gasto calórico e ingestão de alimentos.

Ao abrir o Correio Debate Desafios da Alimentação Saudável, Mandetta ressalta que a obesidade avança de forma preocupante no país. Segundo dados do Ministério da Saúde, 12,9% das crianças entre 5 e 9 anos são obesas e 17% das menores de 5 anos estão com excesso de peso. “Isso provoca, no longo prazo, aumento de diabetes, hipertensão, acidentes cardiovasculares, doenças oriundas do padrão alimentar”, sentencia.


O aumento da obesidade, avisa o ministro, não é um problema só no Brasil. “O fenômeno é global”, afirma. México e Estados Unidos têm índices ainda mais alarmantes, assim como na Europa. “Países africanos que não tinham nada de obesidade experimentam aumento significativo de peso da população. A China, após a migração do campo para a cidade, está fazendo investimentos enormes por conta da preocupação com o estilo de vida”, afirma.

Fórmula

Mandetta ressalta que a fórmula para reduzir o problema da obesidade é simples. “Usar o tempo de maneira útil, saudável e com qualidade de vida está embasado em dois pilares: alimentação e atividade física. Desde sempre, a humanidade vem se utilizando do que a natureza lhe oferta”, destaca. No entanto, pontua, quando o equilíbrio entre ingestão e o gasto é desfeito, são percebidas inúmeras situações e problemas de saúde. “As pessoas consomem, cada vez mais, alimentação industrializada com excesso de açúcar e de sódio. Somado a isso, temos o tempo medido por hora-tela (que representa o sedentarismo em frente ao computador) aumentando significativamente.”


Apesar de ter alta incidência solar e grande parte da população estar próxima da costa, o que deveria propiciar a prática de exercícios, o Brasil caminha para a liderança em sedentarismo, revela Mandetta. “As pessoas trabalham sentadas, vão de carro para o escritório, chegam em casa e vão para o computador. Estudo da OMS, que ainda deve sair, vai mostrar que o Brasil conquistou essa posição incômoda”, antecipa. “Somos mais sedentários do que países que passam meses sob neve, que tiveram que criar verdadeiros bunkers indoors e desenvolver esportes de inverno”, compara.

O ministro lembra hábitos de consumo de gerações passadas para mostrar que as mudanças recentes levaram à evolução da obesidade no país. “O Brasil vem do arroz com feijão, do carboidrato com proteína vegetal. Tem uma terra extremamente generosa com frutas e verduras e, nessa base, atravessamos 500 anos de história com bom ponto de equilíbrio. Hoje há uma ruptura”, alerta.

Numa volta ao passado, Mandetta conta um pouco da própria história para ilustrar as mudanças de hábitos. “Nasci em Campo Grande, na minha infância, a cidade devia ter 200 mil habitantes. A porta da casa era aberta, com bicicletas no jardim. As famílias dos vizinhos tinham vários filhos, a minha mãe teve cinco. Então, era uma verdadeira praça de atividades físicas com todas brincadeiras típicas de uma infância do interior do Brasil, todas envolvendo corrida, saltos, pulos, árvore, futebol. Toda uma socialização em torno da atividade física”, recorda.


Perfil

Além da valorização do esporte no colégio e na rua, a seleção de alimentos era mais criteriosa, diz o ministro. “Minha mãe era dona de casa, selecionava os alimentos da família. Nosso almoço era feito dentro de casa, o pão era caseiro, o jantar feito em casa. Meu avô era fabricante do Guaraná Tupi, mas só tomávamos o refrigerante nos aniversários ou dias extremamente selecionados”, conta. O perfil das gerações passadas, portanto, era de atividade física e base alimentar saudável.

Quando o país entra na década de 1980, recorda Mandetta, as pessoas se tornam mais dependentes dos automóveis, há popularização dos alimentos industrializados. “O que antes era uma exceção, uma criança obesa, agora é uma constelação”, diz. Paralelamente ao aumento de peso, o país experimenta expansão das doenças ligadas aos padrões alimentares, como hipertensão, diabetes e problemas cardiovasculares. “Há uma correlação, que precisamos combater. Por isso, o debate sobre alimentação saudável é fundamental”, acrescenta. 


Mudança de hábito

Para reverter o avanço da obesidade no país, é preciso travar estratégias. No âmbito da indústria, é necessário reduzir o padrão hipercalórico dos alimentos. No campo dos hábitos de vida, a saída é estimular alimentação saudável e prática de exercícios. “O Ministério da Saúde está desenvolvendo políticas de saúde, sobretudo, voltadas para as crianças, população na qual a educação é capaz de reverter hábitos”, diz o titular da pasta, Luiz Henrique Mandetta.

Ao olhar as políticas públicas, o ministro reconhece que, dentro do sistema de saúde, um dos profissionais menos aproveitados na caminhada de construção do SUS foi o profissional de educação física. “A saúde se utilizou muito da enfermagem, muito dos médicos, psicólogos e dentistas, mas praticamente não se utilizou do educador físico. Nossa população de meia-idade desperta, a um ritmo muito baixo, para as praças e parques, para a caminhada, quase por orientação médica”, ressalta.

Programas

Alguns números, sublinha o ministro, apontam que a estratégia de focar nas crianças está no caminho certo. “Mais de 4 mil municípios, de 5,5 mil, aderiram ao programa Crescer Saudável, que visa intensificar ações de controle, prevenção e tratamento da obesidade infantil, levando a um padrão alimentar mais saudável”, sustenta. “Este ano, vamos fazer, pela primeira vez, o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enane), que consiste em pesquisas para entender como o mãe atua como provedora alimentar”, explica.

O objetivo é trabalhar 15 mil domicílios em 123 municípios selecionados, para avaliar o consumo alimentar, antropometria e indicadores bioquímicos. “Vamos fazer questionário sobre consumo alimentar, medir peso e altura. Saber o que essas crianças comem, como comem, qual a periodicidade. Entender se a propaganda dos alimentos na hora dos programas infantis tem o padrão que o Conar (Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária) exige e se há ou não relação com os hábitos alimentares das crianças”, detalha.

O foco na atenção básica também faz parte da estratégia do ministério. “A atenção básica é espinha dorsal de qualquer programa de saúde que queira trabalhar o modo de vida, promoção de saúde, medidas de prevenção. E estamos promovendo uma reestruturação no nosso sistema de saúde, vindo da atenção primária. Começamos com aumento de horas de porta aberta das nossas unidades básicas de saúde, de 40 horas semanais para 75 horas”, conclui.

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Pastagens malcuidadas elevam emissões de metano


Estudo feito na Amazônia indica que áreas com falhas na cobertura de pasto emitem mais metano, um dos principais gases de efeito estufa


Pasto de pequeno proprietário nas imediações da Floresta Nacional do Tapajós, Pará, com a área de preservação ao fundo; na região amazônica, 60% a 80% das áreas desmatadas são ocupadas por pastagens – Foto: Leandro Fonseca de Souza/Cena-USP

Recuperar a cobertura vegetal de áreas degradadas utilizadas como pastagem tem potencial de reduzir o impacto da atividade pecuária na emissão de gases de efeito estufa, em especial o metano. A conclusão é de pesquisa do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, em Piracicaba, realizada na Amazônia, região onde é comum a substituição da floresta por pastos. O estudo traz indícios de que áreas com a vegetação degradada, com falhas na cobertura de pasto, emitem mais metano e mostra que medidas adotadas para melhorar a qualidade do solo favorecem o crescimento das plantas usadas para pastagem e reduzem a presença de micro-organismos que produzem metano.

O metano é um dos gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global. “Quando há a floresta, esse gás é retirado da atmosfera e retido abaixo das árvores, por meio de micro-organismos presentes no solo”, afirma o biólogo Leandro Fonseca de Souza, que realizou a pesquisa. “Com o desmatamento e a substituição da floresta por pastos, há emissão de metano para a atmosfera, produzido inclusive por micro-organismos, o que agrava o efeito-estufa”.

O biólogo foi até a região amazônica para medir as emissões e o fluxo de gases no solo, comparando o que acontece na floresta e nas áreas de pastagem. “Os solos amazônicos são naturalmente ácidos. A queima da floresta e incorporação das cinzas no solo reduzem essa acidez”, relata. “A medição aconteceu em áreas diferentes, no Pará e em Rondônia. Foram feitas várias medições ao longo do ano, para avaliar os períodos de seca e de chuva. Ao mesmo tempo, houve a coleta de amostras de solo para analises microbiológicas, que serviram para entender o comportamento dos micro-organismos em cada uma das áreas.”

A análise das emissões de gases confirmou que a floresta retira o metano da atmosfera, o qual é retido por micro-organismos que ficam no solo, e também demonstrou a importância dos micro-organismos junto às raízes das gramíneas neste processo. “O estudo identificou quais são esses micro-organismos e como muda sua abundância com as mudanças no ambiente”, explica Fonseca de Souza. “O objetivo é entender como o manejo da pastagem pode reduzir as emissões de metano.”

.Ao fundo, área vizinha à propriedade de pastagem, com uma mata secundária, já explorada; recuperação de áreas degradadas exige melhoria da qualidade do solo e recolocação de plantas – Foto: Leandro Fonseca de Souza/Cena-USP

Manejo de pastagem

A pesquisa avaliou duas dimensões do manejo de pastagem: a correção da acidez do solo e o efeito dos micro-organismos ligados às raízes das gramíneas, plantas usadas para pasto. “Corrigir a acidez afeta a capacidade do solo de incorporar metano e a presença das plantas é positiva”, ressalta o biólogo. “Os solos de pastagem na Amazônia apresentam altos níveis de degradação, ou seja, não têm boa cobertura de pasto. Melhorar a cobertura vegetal pode reduzir as emissões de metano dessas áreas.”

Solos muito ácidos são ruins para a pastagem, observa o pesquisador. “As plantas não se desenvolvem bem, então é preciso corrigir a acidez. Após a correção, em geral, as plantas de desenvolvem mais, com mais raízes e, em consequência, há menos micro-organismos que produzem metano no solo”, diz. Normalmente, a correção acontece como um subproduto das queimadas, por meio das cinzas, mas em cultivos como o de soja, que não tolera solos ácidos, é feita com a adição de calcário. “Reduzir a acidez é um passo inicial para recuperar áreas degradadas e melhorar a qualidade do solo, recolocando plantas e não deixando o solo descoberto.”

O biólogo aponta que 60% a 80% das áreas desmatadas da Amazônia são utilizadas como pasto, e 40% a 60% delas estão degradadas em algum nível. “A pesquisa trouxe indícios de que as áreas degradadas, com falhas na cobertura de pasto, emitem mais metano”, destaca. “Desmatar aumenta o impacto das emissões, mas manter um pasto bem cuidado reduz esse impacto.” A pesquisa é descrita em tese de doutorado defendida no Cena, com orientação da professora Siu Mui Tsai, e faz parte de um projeto temático financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em parceria com a National Science Foundation (NSF), que conta com a participação de quatro universidades dos Estados Unidos.

O trabalho do grupo foi apresentado na Rhizosphere 5.0 Conferencerealizada entre os dias 7 e 11 de julho, em Saskatoon (Canadá), com o título “Gramineae roots affect CH4 sequestration in tropical grassland soils”. O estudo foi um dos cinco trabalhos premiados com o Poster Award 2019, escolhidos entre 202 pôsteres apresentados por pesquisadores de 31 países.


Infografia: Jornal da USP

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Mais informações: e-mail leandro_fonseca@usp.br, com Leandro Fonseca de Souza
Jornal USP

Estrutura geológica e mineração


Marcus Vinicius Castro Faria
Mestre em Geografia pela Universidade Federal Fluminense


ESTRUTURA GEOLÓGICA

O território brasileiro fica sobre a placa tectônica sul-americana e tem estrutura rochosa antiga e estável, livre de tremores intensos. Embora apresente estrutura geológica diversificada, não conta com dobramentos modernos em suas terras.

Denomina-se processo geológico o conjunto de ações que promovem modificações da crosta terrestre, seja em sua forma, estrutura ou composição. Os processos geológicos que ocorrem dentro do planeta (endógenos) e sobre o planeta (exógenos) podem ser reunidos num ciclo de processos que agem continuamente sobre o material rochoso. 

São processos geológicos endógenos: vulcanismo, terremotos, orogênese, epirogênese, etc. 




Processos geológicos endógenos ou dinâmica interna (Foto: Colégio QI)

Nas terras emersas, a crosta terrestre é formada por três tipos de estruturas geológicas, caracterizadas pelos tipos de rochas, processo de formação e idade geológica. São os dobramentos modernos, os maciços antigos e as bacias sedimentares.

Estrutura geológica da Terra (Foto: Reprodução/IBGE)


A estrutura geológica do Brasil compõe-se de maciços antigos e bacias sedimentares, não ocorrendo a existência de dobramentos modernos. O território brasileiro está distante de zonas de instabilidade tectônica – a mais próxima fica junto ao oceano Pacífico, nos países andinos – e localiza-se ao centro da placa sul-americana. 


Os maciços antigos (ou escudos cristalinos) são os terrenos mais antigos da crosta terrestre, sendo constituídos por rochas magmáticas e metamórficas. Nos maciços apareceram as jazidas minerais metálicos (ferro, ouro, manganês, prata, cobre, alumínio e estanho). No Brasil, representam 36% da superfície territorial. 


A epirogênese corresponde ao movimento vertical que ocorre em regiões afastadas das zonas de contato entre as placas e em áreas de rochas mais sólidas e estáveis. A pressão das forças internas provoca a fratura (ou a formação de falhas) nos blocos rochosos e o soerguimento ou rebaixamento do terreno na superfície.

Os principais tipos de falhas (Foto: Reprodução/ARRIBAS, San Miguel. Atlas de geologia.)

As bacias sedimentares resultam do acúmulo de sedimentos provenientes do desgaste das rochas, de organismos vegetais, animais ou de camadas de lava vulcânica solidificada. Podem conter grande quantidade de material fossilizado em suas camadas. Nessas estruturas se formam importantes recursos minerais energéticos como o petróleo, o gás natural e o carvão mineral. A estrutura geológica brasileira é constituída predominantemente por bacias sedimentares, que recobrem 64% do território. 


Os dobramentos modernos são trechos da crosta de formação geológica recente composto de rochas menos rígidas, situadas relativamente próximas às zonas de contato entre placas (zonas convergentes). Devido à pressão de uma placa sobre a outra, essa parte da crosta dobra-se num processo lento (orogênese), dando origem às cadeias montanhosas como a Cordilheira do Andes, do Himalaia e a Cadeia dos Alpes, que apresentam elevadas altitudes e forte instabilidade tectônica. 

Estrutura geológica do Brasil (Foto: Reprodução/IBGE, Atlas do Brasil, 1966)



MINERAÇÃO E PETRÓLEO

O Brasil é um dos grandes produtores mundiais de minérios (todo mineral com valor econômico). As principais reservas brasileiras localizam-se nos maciços antigos (escudos cristalinos) e, por essa razão, tem evidência a extração dos minérios metálicos. Nas bacias sedimentares são explorados, entre outros, o petróleo e o carvão mineral. Diversas empresas brasileiras se destacam nesses setores, como é o caso da Petrobrás e da antiga Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). 


As jazidas minerais estão distribuídas nas diferentes regiões do Brasil. No entanto, em alguns estados a produção mineral se destaca:


- Pará e Minas Gerais: ferro, manganês, cobre e alumínio.
- Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Norte e Bahia: petróleo. 
- Estados da região Sul do Brasil: carvão mineral.
- Vários estados da Amazônia brasileira: ouro.

Distribuição da atividade petrolífera no Brasil (Foto: Reprodução/Colégio Qi)



CAIU NO ENEM

(Enem): As plataformas ou crátons correspondem aos terrenos mais antigos e arrasados por muitas fases de erosão. Apresentam uma grande complexidade litológica, prevalecendo as rochas metamórficas muito antigas (Pré-Cambriano Médio e Inferior). Também ocorrem rochas intrusivas antigas e resíduos de rochas sedimentares. São três as áreas de plataforma de crátons no Brasil: a das Guianas, a Sul-Amazônica e a do São Francisco.
ROSS, J. L. S. Geografia do Brasil. São Paulo: Edusp, 1998.


As regiões cratônicas das Guianas e a Sul-Amazônica têm como arcabouço geológico vastas extensões de escudos cristalinos, ricos em minérios, que atraíram a ação de empresas nacionais e estrangeiras do setor de mineração e destacam-se pela sua história geológica por: 

A) apresentarem áreas de intrusões graníticas, ricas em jazidas minerais (ferro, manganês).
B) corresponderem ao principal evento geológico do Cenozoico no território brasileiro.
C) apresentarem áreas arrasadas pela erosão, que originaram a maior planície do país.
D) possuírem em sua extensão terrenos cristalinos ricos em reservas de petróleo e gás natural.
E) serem esculpidas pela ação do intemperismo físico, decorrente da variação de temperatura.


Comentário: Letra A. As regiões cratônicas das Guianas (no norte do território nacional) e a Sul-Amazônica destacam-se pela presença de ricas jazidas minerais, como o manganês explorado na Serra do Navio (AP) e o ferro na Serra dos Carajás (PA) dentre outras províncias mineralógicas exploradas na região.http://educacao.globo.com

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Serra Pelada: entenda a saga do ouro nos anos 1980


Garimpeiros de todo o Brasil exploraram 30 toneladas do metal precioso

Serra Pelada, no Pará, ficou conhecida nos anos 80 como o maior garimpo a céu aberto do mundo. Pela grande quantidade de ouro, a região atraiu milhares de pessoas e se transformou em um formigueiro humano. A busca pelo ouro teve início no Brasil em uma época e local bem diferentes, foi em Minas Gerais, no século XVII, que a exploração começou sob o controle de Portugal.

A minissérie "Serra Pelada - A Saga do Ouro", que estreia na Globo no dia 21 de janeiro, revisita a exploração do ouro no Brasil. Com nomes de peso no elenco, como Sophie Charlotte, Wagner Moura, Juliano Cazarré, Júlio Andrade e Matheus Nachtergaele, a série conta a história de dois amigos de infância que se mudam para o Pará por causa da “febre do ouro”. O garimpo começa no final da década de 1970 e vive seu auge nos anos 80, a exploração em Curionópolis, no Pará, durou aproximadamente 11 anos.

O garimpo em Serra Pelada retratado na minissérie 'Serra Pelada - A Saga do Ouro'. (Foto: Paulo Wainer - Divulgação/Globofilmes)


A Fazenda Três Barras era mais uma das centenas de propriedades da Bacia Amazônica, até que a notícia da descoberta de ouro atraiu garimpeiros de todo o Brasil para o local, a 800 km de Belém. A região foi desmatada - dando lugar ao garimpo - e dividida em barrancos de dois por dois metros. Cada unidade era ocupada por um garimpeiro, que tentava a sorte enquanto cavava: era possível encontrar apenas lama ou enriquecer com grandes quantidades de ouro.

Em pouco tempo a Serra Pelada - um complexo mineral que abrange uma área de aproximadamente 5 mil hectares - se tornou o maior garimpo do mundo, com 80 mil homens trabalhando ao mesmo tempo. Durante o auge da produção aurífera, o governo federal decidiu intervir na área. Todos os garimpeiros e os barrancos foram registrados junto à Receita Federal. Todo metal precioso encontrado na área deveria ser vendido à Caixa Econômica Federal. De acordo com o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) foram extraídas, de forma oficial, 30 toneladas de ouro no local.

Com o passar dos anos, o a extração de ouro foi se tornando cada vez mais perigosa, já que a área do garimpo ficava cada vez mais profunda. Deslizamentos de terra eram constantes e mortes também. No decorrer da década de 1980, a produção entrou em declínio e, em 1992, o governo Collor fechou o garimpo através de um decreto.

Hoje, a área do garimpo deu lugar a um lago de 200 metros de profundidade, utilizado como fonte de lazer pela população local. No entanto, há sinais de que o ouro voltará a sair de Serra Pelada. A Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp) e a mineradora canadense Colossus Minerals Inc. fecharam um acordo para explorar o complexo mineral de forma mecanizada.

sábado, 24 de agosto de 2019

Grandes espécies de animais de água doce estão ameaçadas, aponta estudo


Declínio de 88% se deu entre 1970 e 2012 e equivale a duas vezes a perda de vertebrados em terra ou no oceano, segundo estudo alemão. Grandes répteis e peixes estão entre os animais mais atingidos

Paloma Oliveto



O comércio de animais e a construção de barragens são os principais causadores da redução da megafauna de rios e lagos(foto: Jay Directo/AFP)Embora cubram apenas 1% da superfície da Terra, rios e lagos abrigam um terço de todas as espécies de vertebrados do mundo. Ao mesmo tempo, a vida na água doce está altamente ameaçada. Cientistas do Instituto Leibniz de Ecologia de Água Doce e Pesca Interior (IGB), na Alemanha, quantificaram o declínio global de grandes animais desse habitat. De 1970 a 2012, as populações da megafauna fluvial e lacustre diminuíram 88% — duas vezes a perda de vertebrados em terra ou no oceano. As espécies grandes de peixes são particularmente afetadas. E, segundo alertam os pesquisadores, ainda existem grandes lacunas nas ações de monitoramento e conservação desses animais, particularmente em áreas com altos níveis de biodiversidade.

A megafauna de água doce inclui todos os animais fluviais e lacustres que pesam 30kg ou mais, como golfinhos, crocodilos, tartarugas gigantes e esturjões. Os cientistas coletaram dados de séries temporais disponíveis para 126 espécies em todo o mundo, bem como os dados de distribuição geográfica históricos e contemporâneos de 44 espécies na Europa e nos Estados Unidos. “Os resultados são alarmantes e confirmam os temores dos cientistas envolvidos em estudar e proteger a biodiversidade de água doce”, diz Sonja Jähnig, autora sênior do estudo e especialista em efeitos de mudanças globais nos ecossistemas fluviais.

De 1970 a 2012, as populações globais de megafauna de água doce diminuíram 88%, mais notavelmente nos reinos Indomalaya (99%) e Palearctic (97%) — a primeira cobrindo sul e sudeste da Ásia, além do sul da China, e a última referente à Europa, ao norte da África e à maior parte da Ásia. Espécies grandes de peixes, como esturjões, salmonídeos e bagres gigantes estão particularmente ameaçadas, com um declínio de 94%; seguidas por répteis, com 72%.

Há duas principais ameaças, explicam os pesquisadores. “A superexploração é a mais grave delas, uma vez que os animais de água doce são frequentemente alvo do comércio de carne, pele e ovos. Além disso, o declínio de grandes espécies de peixes também é atribuído à perda de rios de fluxo livre, pois o acesso às áreas de desova e de alimentação é frequentemente bloqueado por barragens”, Fengzhi He, especialista em padrões de diversidade e conservação da megafauna de água doce no IGB.

Embora os grandes rios do mundo já estejam altamente fragmentados, outras 3,7 mil grandes barragens estão em fase de planejamento ou em construção — isso exacerbará ainda mais a fragmentação fluvial. “Mais de 800 dessas barragens estão localizadas em regiões de diversidade de megafauna de água doce, incluindo as bacias dos rios Amazonas, Congo, Mekong e Ganges”, afirma He. Um artigo publicado no ano passado por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa) destacou que, na bacia do Amazonas, em 10 anos, as populações do boto rosa (Inia geoffrensi) e do tucuxi (Sotalia fluviatilis) caíram pela metade.

ConservaçãoO estudo alemão também destaca a importância de ações de conservação direcionadas às espécies de água doce. Populações de 13 megafaunas, incluindo o esturjão verde (Acipenser oxauris) e o castor americano (Castor canadensis), mantiveram-se estáveis ou até aumentaram nos Estados Unidos. Na Ásia, a população do golfinho do Rio Irrawaddy (Orcaella brevirostris), na bacia do Mekong, aumentou pela primeira vez em 20 anos.

Na Europa, estratégias de conservação eficientes e de grande escala parecem ser mais difíceis de se implementar, diz He, possivelmente devido a fronteiras políticas e a diferenças na consciência ambiental entre os países. No entanto, o castor da Eurásia (Fibra de Castor), por exemplo, foi agora reintroduzido em muitas regiões em que havia sido extirpado. Na Alemanha, o IGB está trabalhando com parceiros internacionais para reintroduzir as duas espécies de esturjão anteriormente nativas: o europeu (Acipenser sturio) e o atlântico (Acipenser oxyrinchus) nas águas europeias.

Algumas das atuais ações de conservação são inadequadas para muitas espécies, alertam os pesquisadores. “De acordo com a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza, mais da metade de todas as espécies de megafauna estão ameaçadas de extinção. No entanto, elas recebem menos atenção de pesquisa e conservação do que a megafauna em ecossistemas terrestres ou marinhos”, lembra Jähnig.

O agora quantificado declínio global da megafauna de água doce destaca a necessidade urgente de ações de conservação para a biodiversidade, alerta o pesquisador. “É importante melhorar o monitoramento das tendências populacionais e distribuições de espécies de água doce em regiões como o Sudeste da Ásia, África e América do Sul. Afinal, mudanças na abundância e distribuição são melhores indicadores da condição dos ecossistemas e de seus organismos vivos”, alega.

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

OMS estuda os impactos dos microplásticos na saúde humana


Em relatório inédito, agência das Nações Unidas afirma que há informações limitadas sobre os riscos à saúde humana em decorrência do contato com essas micropartículas e defende a adoção de medidas que reduzam a poluição ambiental

Paloma Oliveto



Os sistemas de tratamento de água residual eliminam mais 90% dos microplásticos, segundo o estudo(foto: Breno Fortes/CB/D.A Press)Grande vilão da vida marinha e considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) o principal desafio ambiental do século, o excesso de plástico descartado na natureza de forma indiscriminada também pode colocar em risco a saúde humana. Pela primeira vez, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou um relatório sobre a presença de microplástico na água potável. As primeiras análises não conseguiram identificar os potenciais efeitos no organismo provocados pelas micropartículas, mas o documento ressalta que as pesquisas disponíveis sobre o tema são limitadas e insuficientes para se chegar a uma conclusão sólida.

“Precisamos urgentemente saber mais sobre o impacto dos microplásticos na saúde porque eles estão em toda parte, inclusive em nossa água potável”, disse, em uma coletiva de imprensa, Maria Neira, diretora do Departamento de Saúde Pública, Meio Ambiente e Determinantes Sociais da Saúde da OMS. “Com base nas informações limitadas que temos, os microplásticos na água potável não parecem representar um risco para a saúde nos níveis atuais, mas precisamos descobrir mais. Também precisamos parar com a poluição por plásticos em todo o mundo para beneficiar o meio ambiente e reduzir a exposição humana”, afirmou.

Microplásticos são uma grande variedade de materiais compostos por diferentes substâncias e densidades, além de composição química, formato e tamanho diversos. Não há um consenso científico sobre a definição do termo, mas, frequentemente, é definido como partículas plásticas com menos de 5mm de comprimento. Porém, a OMS destaca que esse é um significado “arbitrário e tem valor limitado no contexto da água de beber, uma vez que é improvável que partículas superiores em tamanho sejam encontradas na água tratada”. A falta de padronização de conceito é apontada pela organização como um dos motivos pelos quais, no relatório divulgado, os resultados dos estudos não são considerados suficientemente de confiança.
Controle de qualidadeO estudo da OMS conclui que a maior parte das 52 pesquisas analisadas — as mais recentes a respeito da associação — não são “totalmente confiáveis” porque os métodos “carecem de controle de qualidade suficiente”. “Por exemplo, em duas delas, nenhuma análise espectroscópica (que examina a composição química) foi realizada para confirmar que as partículas identificadas (nas amostras de água) eram plástico”, diz a publicação. Além de uma definição consensual de microplástico, a OMS ressalta a necessidade de serem desenvolvidos métodos padronizados para medição na água, pede mais estudos sobre as fontes e a ocorrência dessas partículas em água doce e a avaliação da eficácia de diferentes processos de tratamento.

O relatório recomenda que os fornecedores e as agências reguladoras priorizem a remoção de patógenos microbianos e de produtos químicos que têm riscos conhecidos para a saúde humana, como aqueles que causam doenças diarreicas que podem levar à morte. “Isso tem uma dupla vantagem: os sistemas de tratamento de águas residuais e de água potável que tratam o conteúdo fecal também são eficazes na remoção de microplásticos”, afirma a publicação, segundo a qual mais de 90% das micropartículas plásticas podem ser eliminadas nesse processo. Contudo, uma parte significativa da população global atualmente não tem acesso à água potável nem a tratamento de esgoto, observa a OMS.

Produção em altaA produção mundial de plástico aumentou de 322 milhões de toneladas em 2015 para 348 milhões dois anos depois. Considerando a taxa de crescimento populacional e os hábitos de consumo e descarte de lixo, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estima que a produção de plástico deve dobrar em 2025 e mais que triplicar até 2050.

O relatório da OMS destaca que, embora faltem informações para se tirarem conclusões sólidas sobre a toxicidade de partículas plásticas, especialmente as nano (com menos de 150 micrômetros), estudos com ratos e camundongos indicaram alguns impactos, como inflamação do fígado. “Porém, esses poucos estudos têm índice de confiança e relevância questionáveis, e os níveis de exposição foram muito acima da que ocorre na água potável”, pondera.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Fumaça vinda da África pode ser um importante fertilizante para Floresta Amazônica e Oceano Atlântico


Novo estudo aponta que incêndios no continente africano fornecem fósforo, um nutriente essencial, para esses ecossistemas


A fumaça dos incêndios que ocorrem na África pode ser uma importante fonte de fósforo, um nutriente essencial que serve como fertilizante para a floresta Amazônia, o Atlântico tropical e o Oceano Antártico. É o que sugere um estudo liderado por pesquisadores da Faculdade Rosenstiel de Ciências Marinhas e Atmosféricas da Universidade de Miami, nos Estados Unidos.

Os nutrientes encontrados em partículas atmosféricas, chamados aerossóis, são transportados pelo vento e depositados tanto em oceanos como em terra firme, onde estimulam a produção de fitoplâncton marinho e de plantas terrestres capazes de sequestrar dióxido de carbono atmosférico.

“Anteriormente, supunha-se que a poeira do Saara era o principal fertilizante para a Bacia Amazônica e para o Oceano Tropical Atlântico, fornecendo fósforo a ambos esses ecossistemas”, conta a autora sênior do estudo, Cassandra Gaston, professora assistente no Departamento de Ciências Atmosféricas da Faculdade Rosentiel. “Nossos resultados revelam que a biomassa transportadas da África por emissões de incêndios são uma fonte potencialmente mais importante de fósforo para esses ecossistemas do que a poeira.”

Para conduzir o estudo, os pesquisadores analisaram aerossóis coletados por filtros no topo de um monte da Guiana Francesa, no norte da Bacia Amazônica, estudando as concentrações de massa de poeira trazida pelo vento e o total de fósforo solúvel presente. Depois, eles monitoraram a fumaça que se movia através da atmosfera, usando ferramentas sensoras de telescópios, para entender o transporte de longo alcance da fumaça da África em períodos em que foram detectados níveis elevados de fósforo solúvel . Usando um modelo de transporte, eles conseguiram estimar a quantidade de fósforo depositado na Bacia Amazônica e nos oceanos globais proveniente de aerossóis da queima de biomassa na África.

A análise concluiu que a fumaça da queima desenfreada de biomassa na África, em sua maioria resultado de limpeza de terrenos, incêndios de vegetação e emissões de combustão industrial, é potencialmente uma fonte mais importante de fósforo para a floresta Amazônica, o Atlântico Tropical e o Oceano Antártico do que a poeira do Deserto de Saara. 

“Para nossa surpresa, descobrimos que o fósforo associado à fumaça da África Austral pode ser soprado até a Amazônia e, potencialmente, até o Oceano Antártico, onde pode impactar a produtividade primária e a diminuição do dióxido de carbono em ambos os ecossistemas”, conta a estudante de pós-graduação Anne Barkley, principal autora do estudo.

“Os aerossóis desempenham um papel importante no clima da Terra, mas há muita coisa que não entendemos, por exemplo, como eles afetam a radiação, as nuvens e os ciclos biogeoquímicos. Isso impede nossa capacidade de prever com precisão futuros aumentos na temperatura global”, diz Gaston. “Essas novas descobertas têm implicações sobre como esse processo pode ser no futuro, quando os padrão de emissões e incêndios na África e os quantidades de transporte de poeira mudarem, devido a mudança climática e o aumento da população humana.”

Universidade de Miami
Scientific American Brasil

Como a alta no preço do ouro alimenta os temores de uma recessão global


Cristina J. Orgaz
BBC News Mundo


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Cotação do ouro superou os US$ 1,5 mil pela primeira vez em seis anos

Guerra comercial, mercados financeiros em queda e, em última análise, medo de uma recessão. Essa combinação de fatores tem levado investidores ao redor do mundo a tirar seu dinheiro das ações cotadas nas bolsas e a colocá-lo no ouro.

O raciocínio por trás disso seria de que as empresas com ações nas bolsas não vão dar o lucro esperado e o temor de uma mudança no panorama econômicoglobal. Assim, esses investidores preferem limitar seus riscos buscando ativos que consideram mais seguros, como o próprio ouro e o dólar, o franco suíço, o iene, os títulos de dívida emitidos por países como Alemanha e EUA.

Outros fatores, como as tensões geopolíticas e as baixas no mercado de títulos de dívidas, reforçaram essa incerteza.

Diante disso, o preço da onça do ouro superou, pela primeira vez em mais de seis anos, o valor de US$ 1,5 mil, maior nível desde março de 2013.

Apenas nos últimos três meses e meio, seu valor passou de US$ 1.270 a US$ 1.516, cotação da última sexta-feira (16/8). É uma alta de quase 20%.


"O mercado está se preparando para uma mudança de ciclo e isso tem feito (o preço do) ouro disparar", diz Javier Molina, porta-voz da plataforma de negociação de moedas eToro.

Como acontece em todas as crises, o precioso metal segue sendo uma das pistas a serem analisadas com cuidado quando o cenário econômico global se deteriora – que parece ser o caso agora.


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Em tempos turbulentos, investidores deixam as ações na bolsa em busca de ativos seguros, como o ouro
De que os mercados têm medo?

O principal temor é a desaceleração do crescimento. A escala mundial da economia pode ter já entrado em uma fase de recessão.

O primeiro sinal disso vem de um indicador-chave: a curva de rentabilidade.

Pela primeira vez desde 2007, um ano antes da grande crise financeira mundial, essa curva mudou.

Isso significa que, para os governos de EUA e Reino Unido, sai mais barato emitir dívida para daqui a dez anos do que para dois anos (embora o risco seja maior quanto mais tempo durar o empréstimo).

Esse fenômeno é incomum e costuma prenunciar uma recessão ou, ao menos, uma significativa desaceleração do crescimento econômico em escala global.

"Sem dúvida, durante este trimestre, o colapso da rentabilidade dos títulos de dívida tem sido o principal impulsor da alta do ouro", diz à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) Ole Hansen, chefe de estratégias em matérias-primas do banco dinamarquês Saxo Bank.
Alemanha e China

A essa conjuntura se somam os dados recém-divulgados da economia alemã: o PIB do país no segundo trimestre caiu 0,1%, puxada para baixo pela queda nas exportações e na produção industrial – seus dois grandes pilares –, em meio à guerra comercial entre EUA e China e ao caótico processo do Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia, cujos termos ainda não estão definidos).


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Fábrica de automóveis alemã; economia do país se contraiu no segundo trimestre do ano

Ao mesmo tempo, a China publicou seus dados de vendas ao varejo e de produção industrial – o que, segundo analistas, evidenciou a debilidade de sua demanda interna e freio no consumo.

Para Mark Haefele, chefe de investimentos do banco suíço UBS, esses dados "dão sequência a uma tendência de crescimento global baixo que já dura vários meses".

As expectativas de que a economia mundial siga claudicante vão puxar para baixo as taxas de juros de muitos países, como forma de os bancos centrais estimularem o crescimento internamente.

Mas, desta vez, não está claro que os bancos centrais vão contar em seu arsenal com políticas eficazes para levar a cabo essa tarefa, algo que também colabora para gerar ainda mais incerteza.

"Todos os olhos estão sobre o Fed (banco central americano). Qualquer corte adicional (na taxa de juros) em uma conjuntura de incerteza geopolítica pode fazer subir ainda mais o preço do ouro", opinam especialistas da M&G Investments.
Segundo fator

Em segundo lugar, os mercados têm medo da escalada da guerra comercial entre Estados Unidos e China.

Muitos analistas creem que essa disputa não vai arrefecer tão cedo.


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China desvalorizou sua moeda, para tornar suas exportações mais competitivas

"A disputa comercial se intensificará nas próximas semanas, já que nenhuma das partes têm interesse em recuar, o que deve alimentar a inquietação atual dos mercados e respaldar (a busca por) ativos seguros, como o ouro", explica Norbert Rücker, chefe de Economia do banco suíço Julius Baer.

De fato, o que começou como uma guerra tarifária entre EUA e China agora é cambial, uma vez que a China decidiu desvalorizar o yuan para tornar suas exportações mais competitivas, com impactos na economia de todo o mundo.

"Não acreditamos que as autoridades chinesas vão deixar cair ainda mais sua moeda, mas tampouco vemos uma solução rápida" para a guerra comercial, diz a equipe de análise global do Bank of America Merrill Lynch.
Terceiro fator

Por fim, a demanda pelo ouro tem se mantido forte, em uma busca pela diversificação de ativos.

Em âmbito global, bancos centrais aumentaram sua compra do metal precioso no primeiro semestre de 2019, para o maior nível em seis anos, totalizando reservas de US$ 15,7 bilhões.

No total, suas reservas subiram 145,5 toneladas de ouro no período, uma alta de 68% em comparação com o primeiro trimestre de 2018.


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Bancos centrais aumentaram sua compra de ouro, particularmente os de países atingidos por sanções americanas

Os principais países compradores de ouro são Rússia, China e Irã, que respondem às sanções impostas pelos EUA vendendo dólares e comprando ouro para suas reservas.
Reino Unido e Argentina

A situação no Reino Unido, que está politicamente paralisado pelo Brexit, e na Argentina, cujo mercado despencou depois das primárias das eleições presidenciais, também contribui para esse cenário.

"Alguns mercados emergentes, como a Argentina, estão em crise", afirma Nitesh Shah, analista da empresa de investimentos WisdomTree. "Historicamente, quando eventos similares ocorreram na economia argentina, houve um efeito de contágio em outros países emergentes."

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

As dicas ao Brasil do iraquiano que ajudou a Noruega a dar volta por cima com petróleo


Nathalia Passarinho - @npassarinho 
BBC News Brasil em Londres

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A família de Farouk Al-Kasim teve de fugir para a Noruega para garantir tratamento médico, em 1968. Na época, o Iraque dificultava a saída de funcionários do setor de Petróleo

Há 51 anos, o geólogo iraquiano Farouk Al-Kasim batia à porta do Ministério da Indústria da Noruega, sem hora marcada, em busca de emprego.

Na verdade, esperava apenas conseguir uma lista de empresas petroleiras com atividades no país, para depois oferecer seus serviços a essas companhias.

A visita se tornou entrevista de emprego e, poucos meses depois, Al-Kasim estava trabalhando num ministério que tinha apenas quatro pessoas responsáveis pelo - naquela época - incipiente setor de petróleo norueguês.

Pouco depois, petróleo seria encontrado no Mar do Norte e o iraquiano se tornaria o criador do modelo de exploração desse recurso natural que rendeu para o país o maior fundo soberano do mundo, com cerca de US$ 1 trilhão.

Do final de 1969, quando foi descoberta a primeira reserva, até agora, o país escandinavo se tornou um dos 15 maiores exportadores de petróleo, além de potência na área de tecnologia e inovação.

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Recentemente, Al-Kasim recebeu uma condecoração real pela contribuição ao desenvolvimento da Noruega

Embora a Noruega não seja a maior exportadora de petróleo - é a décima-segunda - por não possuir as maiores reservas, especialistas dizem que é o país que melhor soube reverter os lucros da exploração para um projeto de desenvolvimento que beneficiasse a sociedade em geral.

Que decisões garantiram esse resultado bem-sucedido? O exemplo da Noruega pode se aplicar ao Brasil?

A BBC News Brasil conversou com o maior responsável pelo modelo norueguês.

Na entrevista, Farouk Al-Kasim, hoje com 85 anos, explica os fatores que contribuíram para o sucesso da Noruega e dá conselhos para países em desenvolvimento que possuem petróleo em seus territórios.

Para ele, é importante impedir o monopólio das operações por uma única empresa, seja estatal ou privada, para evitar corrupção e abuso de poder.

Além disso, o iraquiano defende que economizar os recursos provenientes das operações de petróleo, com a criação de um fundo, pode ajudar a impedir a 'doença holandesa' e a 'maldição do petróleo'

O dinheiro, segundo ele, deve ser revertido em prol da população e das gerações futuras, com investimentos em infraestrutura, pesquisa e tecnologia. Para isso, na visão de Al-Kasim, a intervenção ou participação estatal - sem monopólio - é necessária.
Como tudo começou para Farouk

O ano que definiu a trajetória de Al-Kasim foi 1968, quando ele, a esposa norueguesa e os três filhos se mudaram para a Noruega.

Naquela época, a mudança soava como grande sacrifício para o iraquiano, que tinha um bom emprego na Companhia de Petróleo do Iraque, em Basra, o que lhe garantia uma vida confortável de classe média alta.

Direito de imagemCORTESIA FAROUK AL-KASIMImage caption
Farouk Al-Kasim foi o criador do modelo de gestão do petróleo que, segundo especialistas, foi capaz de gerar maior riqueza para a população e desenvolvimento sustentável para um país

A decisão de se mudar para a Europa veio com o nascimento do terceiro filho do casal que, por causa de uma paralisia cerebral, tinha dificuldade motora.

Na Noruega, o menino teria acesso a melhores tratamentos, e a mudança seria definitiva, já que os cuidados necessários eram de longo prazo.

Deixar o Iraque, contudo, não seria tarefa fácil. Segundo Al-Kasim, era preciso obter autorização do governo para sair do país.

"Eles não queriam que os funcionários-chave da indústria do petróleo deixassem o Iraque em caráter definitivo",
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Farouk Al-Kasim teve que fingir que a ida à Noruega era temporária, para convencer o governo iraquiano a liberá-lo

A presença de especialistas iraquianos era essencial para os futuros planos do governo de nacionalizar a indústria do petróleo.

"Precisei de uma junta médica para dizer que era essencial que o meu filho recebesse tratamento médico fora do país", conta Al-Kasim.

Para evitar um "não" do governo iraquiano e viabilizar a ida do restante da família para Noruega, ele teve de dizer que a viagem era temporária, embora soubesse que o adeus ao país de origem era definitivo.

"Eu tive praticamente que organizar uma operação de fuga para o restante da minha família, porque era difícil justificar a saída de todos ao mesmo tempo", contou.

Direito de imagemCORTESIA AL-KASIMImage caption
Al-Kasim estava progredindo como funcionário da Empresa Iraquiana de Petróleo, mas decidiu se mudar para a Noruega e recomeçar a vida profissional lá para garantir tratamento ao filho

Ultrapassada essa etapa, a maior preocupação de Al-Kasim era arrumar emprego. Ele se formou em geologia do petróleo no Imperial College London, no Reino Unido, onde conheceu a esposa Solfrid, que é norueguesa.

Depois de se formar, retornou ao Iraque com Solfrid, onde se empregou e ascendeu como funcionário no setor de petróleo. Com a mudança para a Noruega, Al-Kasim teve que pedir demissão da empresa onde trabalhava.

Na Noruega, a vida seria diferente. Desempregado, ele e a família morariam com a família da esposa numa pequena cidade norueguesa.
'Pit stop' no Ministério da Indústria

Al-Kasim desembarcou em Oslo em maio de 1968. Na capital norueguesa, teria oito horas de espera até tomar o trem para o interior.

"Eu comecei refletir sobre o que poderia fazer durante esse período de tempo e decidi pedir uma lista das empresas de petróleo que operam na Noruega. Optei por ir até o Ministério da Indústria, já que não havia, na época, um ministério do Petróleo ou de Minas e Energia", disse.

Ao chegar ao ministério e solicitar uma reunião, foi informado para retornar durante a tarde. "Quando voltei, vi que eles estavam muito interessados em saber da minha experiência. A reunião virou uma entrevista de emprego."

Direito de imagemCORTERSIA AL-KASIMImage caption
Al-Kasim decidiu bater à porta do Ministério da Indústria em busca de informações sobre empresas onde pudesse trabalhar no setor de petróleo

Na época, empresas internacionais estavam tentando achar petróleo na Noruega, mas em anos de pesquisas, nada significativo havia aparecido.

Prova das baixas expectativas do governo norueguês era o fato de que só havia três funcionários responsáveis pelo setor - todos relativamente jovens e com pouca experiência na área.

Precisavam de um especialista para analisar os resultados das explorações das companhias de petróleo.

"Os funcionários do ministério disseram que entrariam em contato caso tivessem algum emprego para me oferecer. Alguns meses depois, eles me telefonaram", conta Al-Kasim, que acabou sendo contratado como consultor no Ministério da Indústria.

A missão dele seria analisar os achados das empresas e dar um parecer sobre as possibilidades reais de exploração lucrativa de petróleo no país.
A descoberta de petróleo

Al-Kasim conta que, em 1965, o governo norueguês concedeu 78 licenças a empresas privadas para explorar potenciais reservas, mas após três anos de buscas, os resultados eram desanimadores.

Até que, no final de 1969, a Philips Petroleum informou ter achado petróleo no campo de Ekofisk. A descoberta ocorreu pouco depois de a empresa comunicar ao governo norueguês que pretendia interromper as operações.

Coube a Al-Kasim analisar os achados da Philips e a das buscas feitas pelas outras empresas. "No meu relatório, eu fui enfático em dizer que aquelas descobertas comprovavam a existência de petróleo e gás no Mar do Norte", disse à BBC News Brasil.

"Eu tinha certeza de que a Noruega tinha potencial de ser uma grande produtora."

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Ao analisar primeiros achados da Philips Petroleum, Al-Kasim concluiu que a Noruega tinha potencial para ser grande produtor e exportador de petróleo

Mas o governo norueguês optou por agir com cautela, diferentemente de muitos países que se jogariam de cabeça em busca dessa "riqueza".

"Eles queriam ter certeza de que seria possível explorar petróleo com competitividade. E também estavam preocupados com o impacto ambiental, com os pássaros e animais, e com o efeito para as populações locais e a atividade pesqueira", relata Al-Kasim.

Hoje, ele reconhece que essa cautela foi um dos fatores que salvaram a Noruega do que ele chama de "maldição do petróleo".
Bênção ou maldição?

Petróleo é, naturalmente, uma potencial fonte de riqueza. Mas essa riqueza nem sempre se converte em desenvolvimento e, às vezes, pode condenar um país à corrupção e a depender de um único setor produtivo.

Se decisões erradas ou precipitadas são tomadas, a exploração de petróleo pode acabar "engolindo" as demais indústrias. Isso porque, com capacidade de pagar maiores salários, a indústria de petróleo e gás acaba absorvendo boa parte da mão-de-obra especializada de outros setores.

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Embora tenha uma das maiores reservas de petróleo do mundo, a Venezuela não soube transformar essa riqueza em desenvolvimento

E o grande fluxo de dinheiro para as regiões de exploração eleva os preços, encarecendo o custo de vida para a população local que não trabalha direta ou indiretamente com esse setor.

Empresas não relacionadas à indústria do petróleo quebram e o país passa a depender cada vez mais exclusivamente da produção e exportação de combustível, num fenômeno conhecido como "doença holandesa" ou "maldição do petróleo".

"Se você deixa o setor de petróleo crescer rápido demais, sem regulação e sem preparar o país, ele pode sugar os investimentos de outras partes da economia", explicou à BBC News Brasil o consultor em economia do petróleo Erik Jarlsby, da Eureka Energy Partners.

É o caso, por exemplo, da Venezuela, que tem sua economia quase totalmente dependente do petróleo.

Outros riscos ligados à exploração desse recurso incluem a concentração excessiva de poder nas mãos de uma - ou algumas - empresas, estatais ou privadas, que acabam tendo influência decisiva nos rumos do país.

A Noruega escapou da "maldição", soube criar equilíbrio entre a participação de empresas privadas e do Estado na exploração e, com os lucros do petróleo, conseguiu formar um fundo voltado para desenvolver infraestrutura, pagar aposentadoria e garantir o bem-estar das gerações norueguesas futuras.

Como conseguiu isso?
Cautela e planejamento

Al-Kasim diz que a primeira decisão acertada da Noruega foi agir com cautela.

Em vez de iniciar de imediato novas concessões e arriscar entregar recursos e o poder de decisão comercial a empresas internacionais, o governo decidiu que novas licenças só seriam concedidas depois que fosse criado um marco regulatório e um modelo de exploração.

Coube a Farouk elaborar esse modelo que, depois, foi votado no Parlamento. "A Noruega estava determinada a ter uma visão, uma política, instituições, uma estatal e uma legislação que permitissem um trabalho conjunto com as empresas privadas antes de iniciar a exploração de petróleo", relata.

"Em 1971, foram aprovadas diretrizes que criavam um ambiente para que empresa estatal, empresas nacionais privadas e empresas internacionais pudessem atuar em conjunto", diz.

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Para Farouk Al-Kasim, um bom modelo de gestão do petróleo deve contar com participação forte do Estado, mas sem que ele exerça o monopólio das operações

Para que o governo pudesse ter peso nas decisões comerciais referentes ao petróleo, foi criada a estatal Statoil.

Mas, diferentemente do que ocorreu no Brasil, essa empresa não recebeu direitos monopolísticos sobre extração e refino, embora tenha obtido privilégios no início da operação para que pudesse competir com as empresas já estabelecidas.

No Brasil, por 44 anos, do governo Getúlio Vargas até 1997, com a Lei do Petróleo, a Petrobras deteve exclusividade em diversas operações do setor. Até hoje, a empresa controla grande parte das operações de extração e refino de petróleo.

No caso da Statoil, Al-Kasim diz que, no início, houve uma proteção para garantir que a estatal tivesse de 10% a 25% de participação em novas licenças. O objetivo era garantir que a empresa tivesse competitividade.

Mas, segundo ele, a proteção foi sendo retirada conforme a Statoil adquiria condições para competir em pé de igualdade com as empresas internacionais.

A especialista em gestão de petróleo Tina Hunter, professora de legislação em energia da Universidade de Aberdeen, no Reino Unido, destaca que o maior enfoque do governo norueguês ao conceder "privilégios" à Statoil era garantir que a estatal obtivesse conhecimento e desenvolvesse tecnologia.

"Uma das condições para licença de exploração a empresas privadas era, por exemplo, treinar funcionários da Statoil", disse à BBC News Brasil.
Participação forte do Estado, mas sem monopólio

A segunda decisão acertada do governo norueguês, segundo Al-Kasim, foi garantir a inserção do Estado na regulação e exploração de petróleo, por meio da Statoil e de uma agência reguladora, mas sem assumir o monopólio sobre as operações.

A partir do modelo de gestão proposto por Al-Kasim, os parlamentares decidiram que a participação norueguesa total nas operações de petróleo não deveria ser menor que 50%.

Mas essa participação não precisava ser direta do Estado - a soma considerava também as atividades das empresas privadas nacionais. Na década de 1970, havia duas companhias norueguesas no setor.

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A Statoil, hoje chamada Equinor, não detém o monopólio da exploração de petróleo, embora tenha recebido privilégios em concessões quando foi criada

"Nós não queríamos que a Statoil se tornasse todo-poderosa ou um Estado dentro do Estado. Não queríamos que ela tivesse poder de decisão sobre a concessão de licenças para outras empresas", destaca Al-Kasim.

Perguntado se, na visão dele, impedir o monopólio no setor é necessário para evitar casos de corrupção como o investigado na Petrobras pela Operação Lava Jato, ele foi categórico:

"É fácil responder a essa pergunta. A história mostra que é muito difícil evitar a corrupção quando há a possibilidade de uma empresa privada ou estatal dominar todas as outras."

Para garantir o cumprimento da lei e dos objetivos do novo modelo, foi criada uma agência reguladora, a Direção de Petróleo Norueguês, cujo principal objetivo era garantir competitividade e equilíbrio na atuação da Statoil, das outras empresas nacionais e das companhias estrangeiras.
Fundo trilionário

Apesar da cautela na liberação de novas concessões, quando as operações começaram, no início da década de 1970, nos poços já licenciados, rapidamente recursos começaram a inundar a economia norueguesa, colocando o país em risco de cair na temida "doença holandesa".

Empresas de outros setores passaram a sofrer com o grande enfoque dado à indústria de petróleo e o governo resolveu agir para conter os estragos.

"Em 1973, a Noruega começou a produção e houve significativo retorno financeiro e nós tivemos várias dificuldades para manter outras indústrias vivas", relata Al-Kasim.

O governo, então, resolveu, em 1974, limitar novas concessões e controlar o ritmo das operações voltadas à descoberta de reservas. "Foi uma decisão crucial para evitar a maldição do petróleo", diz.

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Em 1987, Farouk Al-Kasim visitou o Brasil

Inicialmente, os recursos do petróleo foram investidos em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia para permitir a exploração em águas profundas.

Mas, com o tempo, os lucros foram aumentando e o governo decidiu que parte do dinheiro deveria ser economizada para beneficiar, também, as futuras gerações que não mais poderão contar com a indústria do petróleo.

Al-Kasim menciona como terceiro fator de sucesso do modelo norueguês a criação, na década de 1990, de um fundo soberano para evitar que o dinheiro das operações entrasse de imediato na economia do país.

Os recursos do fundo são aplicados em ações de empresas estrangeiras, justamente para impedir a circulação excessiva de dinheiro na Noruega. E o governo só pode usar, atualmente, até 3% do total por ano. Antes o percentual era de 4%, mas foi reduzido pelo Parlamento em 2017.

O objetivo é impedir que o dinheiro seja gasto de uma só vez em tempos difíceis, como é a tentação de governos no afã de recuperar a popularidade em épocas de crise.

Além disso, explica Al-Kasim, o fundo tem uma função "intergeracional", ou seja, deve beneficiar as futuras gerações norueguesas. A expectativa é que as reservas no país se esgotem em até 50 anos.

"Conforme as atividades de petróleo se tornam menos profícuas e menores em volume, a economia precisa estar pronta para esse desafio", justifica Al-Kasim.

Esse modelo de gestão dos recursos do petróleo rendeu à Noruega o título de detentora do fundo soberano mais robusto do mundo - atualmente com mais de US$ 1 trilhão.
Esse modelo pode ser replicado no Brasil?

A especialista em gestão de petróleo Tina Hunter, da Universidade de Aberdeen, diz que o modelo norueguês pode e deve servir de inspiração para o Brasil.

Para ela, o Estado deve intervir na gestão do petróleo como regulador e, em alguns casos, por meio de uma estatal, mas sem exercer o monopólio.

Hunter argumenta que o grande erro do modelo brasileiro foi concentrar poderes demais nas mãos da Petrobras.

De 1953, quando foi criada, a 1997, quando a Lei do Petróleo permitiu a entrada de empresas estrangeiras no setor, a Petrobras detinha o monopólio da exploração e do refino.

A partir de 1997, ela pôde decidir com quais campos ficar e quais liberar para exploração de companhias privadas.

Acabou ficando com todas as reservas lucrativas e abdicou de 62 campos pequenos, diz a consultora de energia da Fundação Getúlio Vargas Magda Chambriard, ex-diretora-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP).

Nos campos ainda não explorados, a estatal pôde manter o controle se comprovasse ter tecnologia para explorar. Se não tivesse, poderia tanto liberar para concessões a empresas privadas quanto formar parcerias para exploração conjunta.

No caso do pré-sal, a lei de partilha prevê que o Ministério de Minas e Energia (por meio do Conselho Nacional de Política Energética) decida se realiza licitações para exploração ou se entrega determinadas áreas diretamente à Petrobras, se considerar que é de interesse nacional manter o controle total dessas reservas.

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Pelo modelo de partilha, usado para os campos do pré-sal, a Petrobras tem preferência na escolha das áreas que quer operar

No caso de optar pela licitação, o conselho oferece primeiramente à Petrobras a opção de ser operadora dos blocos a serem contratados. Se a estatal tiver interesse, ela deve informar em quais áreas quer atuar e terá garantida participação mínima de 30% no consórcio que vencer a licitação para explorar as reservas.

Ou seja, a Petrobras ainda detém ampla preferência na exploração e controle das operações de petróleo no Brasil.

"No momento em que você começa a dar poderes demais para uma empresa, tudo desmorona. É quando temos corrupção e escândalo. Quando há poder demais, há corrupção", diz Hunter.

"A estatal não deve ter poder de decisão sobre o modelo de concessão. Precisa ser tratada como as empresas privadas, sem poderes especiais", defende a professora britânica.
'Poder em excesso gera corrupção'

Farouk Al-Kasim concorda com a visão de que excesso de poder nas mãos de uma estatal ou empresa privada abre brecha para a corrupção.

Ele diz que quando a Statoil passou a deter uma fatia muito ampla do mercado, em 1983, o governo norueguês, então, agiu para reduzir o poder de decisão da companhia e acabou por privatizar parte da empresa, posteriormente.

Atualmente, 33% das ações da companhia, hoje chamada Equinor, são privadas e o restante é do Estado.

"A natureza humana é muito simples. Quando você tem poder, os outros temem te desafiar", diz Al-Kasim ao comentar sobre as denúncias de que construtoras que detinham contratos com a Petrobras pagavam propina a diretores da estatal e a partidos políticos.

"Se o Estado não quer que a sua estatal tenha uma posição monopolística, precisa criar regras para as demais empresas serem ouvidas e criar pesos e contrapesos. Sem isso, o forte vai prevalecer. E o forte pode não querer servir aos interesses da nação."

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