domingo, 29 de maio de 2022

Os conflitos das políticas da água e do esgotamento sanitário: que universalização buscamos?



Mariana Gutierres Arteiro da Paz
Ana Paula Fracalanza
Estela Macedo Alves
Flávio José Rocha da Silva

RESUMO

Dentre os múltiplos usos da água, destaca-se o consumo humano pelo seu papel na manutenção da vida. O objetivo do artigo é discutir a universalização do acesso à água e ao esgotamento sanitário como common. Para discutir essa questão central da universalização dos serviços, o artigo desenvolve-se por meio de quatro pontos fundamentais: i) panorama global do acesso à água potável e ao esgotamento sanitário; ii) contextualização socioambiental do saneamento básico no Brasil; iii) o acesso à água e ao saneamento básico como direito humano; e iv) o desdobramento da definição de universalização dos serviços de saneamento básico em três esferas de gestão da água e como a compreensão da universalização proposta contribui para o desenvolvimento do setor no Brasil. Considera-se o contraditório histórico sobre o conceito de universalização e os mecanismos existentes para medir a evolução e para alcançá-la.

PALAVRAS-CHAVE:
Água e saneamento; Universalização; Direito humano; Common

ABSTRACT

Among the multiple uses of water, human consumption stands out for its role in maintaining life. The objective of this article is to discuss the universalization of access to water and sanitation as common. To discuss this central issue of the universalization of services, the article develops four fundamental points: i) global overview of access to drinking water and sewage; ii) socio-environmental context of basic sanitation in Brazil; iii) access to water and basic sanitation as a human right, and iv) the unfolding of the definition of universal basic sanitation services in three spheres of water management, and how the understanding of the proposed universalization contributes to the development of the sector in Brazil. The article analyzes the historical contradictions around the concept of universalization and the existing mechanisms to achieve it and to measure its evolution.

KEYWORDS:
Water and sanitation; Universalization; Human right; Common

Introdução

A água é um bem comum, um “recurso compartilhado por um grupo de pessoas” (Hess; Ostrom, 2007, p.4) e, apesar do capitalismo dominante no Ocidente, faz parte de um regime de utilização não capitalista (Dardot; Laval, 2014), por ser fonte de vida. É fundamental para atividades humanas diárias, como hidrovias, indústria ou lazer. Mas o consumo humano, por seu valor vital, é prioridade em relação aos demais usos, em casos de escassez. O direito humano à água é assegurado por resolução da Organização das Nações Unidas (ONU), desde julho de 2010, devendo ser observado pelos países signatários. No Brasil, esse direito é assegurado pela Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e “em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais” (Lei Federal n.9.433/1997).

Relatórios da ONU e organismos associados apontam que, no Brasil, ocorreram avanços significativos no saneamento no período de 2000 a 2017; no entanto, a qualidade dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário ainda são deficientes e desiguais (Opas Brasil, 2019). Cerca de dois bilhões de pessoas têm acesso deficiente; nas zonas rurais, sete em cada dez habitantes não têm saneamento; os países em desenvolvimento abrigam um terço das pessoas afetadas e crianças de comunidades pobres e rurais correm o maior risco de serem desprovidas dos serviços de água e esgoto e à higiene adequada (Opas Brasil, 2019). Os movimentos para suprir os déficits no acesso aos serviços de água e saneamento são prioritários e urgentes e precisam considerar as iniquidades, para que se garanta a distribuição de forma segura (Murtha et al., 2015; Fracalanza et al., 2013; Britto, 2010; Maricato, 2003). Os conflitos associados à água nas cidades estão ligados às escolhas sobre onde investir em infraestrutura e se a água e seus serviços devem ser tratados como mercadorias ou bens comuns (Alves, 2018).

Tendo em vista a importância da equidade na obtenção de recursos naturais e da justiça ambiental no acesso aos serviços de saneamento - especificamente abastecimento de água e esgotamento sanitário - para diminuição dos quadros de vulnerabilidade socioambiental das populações humanas, pergunta-se: por que, embora a universalização seja objetivo do planejamento do saneamento básico, os investimentos equitativos ainda são tímidos?

Em um mundo em constante transformação, a noção de desenvolvimento deixou de ser sinônima de crescimento econômico e incorporou questões sociais e variáveis ambientais. Nesse sentido, o desenvolvimento sustentável apareceu como um caminho que propunha limites ao crescimento desordenado. Atualmente (2020), na pandemia da Covid-19 que presenciamos, observa-se que continuam as dificuldades relacionadas aos serviços de abastecimento de água, o que pode dificultar ações de combate à propagação do vírus para populações vulneráveis que habitam regiões metropolitanas, já que as relações socioeconômicas e de contágio se dão além das fronteiras territoriais politicamente definidas.

Schmidt et al. (2019) observam que, em contextos de degradação global, um desafio importante é romper com o conhecimento compartimentado que reforça as noções de ambiente e sustentabilidade, recolocando os seres humanos no centro das preocupações da ciência. Assim, este artigo tem como objetivo discutir as relações estabelecidas entre a gestão da água e do esgotamento sanitário em razão das dimensões sociais e ambientais, nas agendas políticas do Brasil e de um comitê de bacia paulista. Para esse debate, o texto divide-se em: i) panorama global do acesso à água potável e ao esgotamento sanitário; ii) contextualização socioambiental do saneamento básico no Brasil; iii) o acesso à água e ao saneamento sanitário como direito humano; e iv) que universalização queremos? (desdobramento da definição de universalização dos serviços de saneamento básico em três esferas de gestão da água, no Brasil).
Panorama global do acesso a água potável e esgotamento sanitário

De acordo com os relatórios da Joint Monitoring Programme, grupo que monitora o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 6, o acesso ao serviço de água potável tratada e segura é classificado por características das fontes de abastecimento atendendo aos critérios: instalações acessíveis, disponibilidade sempre que necessário e água livre de contaminação. A partir daí, a classificação decai, de acordo com os critérios de distância à água potável e da segurança e qualidade dos poços (WHO; Unicef, 2017). Consideram-se também as fontes aprimoradas, tais como: água encanada, poços tubulares, poços escavados protegidos, fontes protegidas ou ainda águas empacotadas ou entregues (caminhões pipa) (WHO; Unicef, 2017; 2019). Estima-se que uma em cada dez pessoas ainda não tenha acesso à água potável segura, no mundo. Da população rural, a estimativa de pessoas afetadas pela deficiência no acesso à água potável segura é de oito em cada dez habitantes (Opas Brasil, 2019).

A estimativa de cobertura de água potável tratada e segura, por região do planeta, foi realizada onde os dados disponíveis representavam pelo menos 30% da população total, e apontou que a África Subsaariana tem proporção mais crítica, com 24% de cobertura. Em seguida, Ásia Central e Sudeste da Ásia, com 58%; América Latina e Caribe, 65%; América do Norte e Europa, 95%. As demais regiões - Oceania, Sudeste, Oeste e Leste Asiático, Norte da África, Austrália e Nova Zelândia - não apresentaram dados suficientes para estimativas (WHO; Unicef, 2017).

Quanto aos índices de esgotamento sanitário, considerando-se sistemas que separam os excrementos do contato humano de forma independente para cada residência, as classes de saneamento seguro variam de acordo com: complexidade do sistema quanto a tratamento e locais de descarte; armazenamento temporário no local e posterior transporte para outros locais ou transportado através de um esgoto com águas residuais e depois tratado longe da origem (WHO; Unicef, 2017). Nos casos mais precários, em que há inclusive compartilhamento com outras residências, o esgotamento é classificado como limitado, não aprimorado ou ainda, consideram-se as comunidades onde ainda se pratica a defecação a céu aberto. O relatório chama atenção para a definição de sistemas aprimorados: descargas em sistemas de esgoto, fossas sépticas ou latrinas de fossas, banheiros de compostagem ou latrinas de poço com laje (WHO; Unicef, 2017).

Quanto à utilização de serviços de saneamento, duas em cada cinco pessoas no mundo usaram serviços de saneamento seguro (39%), no ano de 2015. A estimativa mostra que as demais pessoas utilizam meios pouco desenvolvidos (12%), defecação a céu aberto (12%), meios limitados (8%) ou básicos (29%) (WHO; Unicef, 2017). A pior das situações quanto a higiene, transmissão de doenças e violência quanto a mulheres e crianças é a defecação a céu aberto, que atinge 892 milhões de pessoas, no mundo (WHO; Unicef, 2017).

A estimativa de cobertura do serviço de saneamento seguro por região do planeta apontou que o pior índice entre as regiões que apresentaram dados foi da América Latina e Caribe, com 23% de cobertura. Em seguida, o grupo Ásia ocidental e Norte da África, 34%; Leste e Sudeste Asiático, 55%; Austrália e Nova Zelândia, 68% e América do Norte e Europa, com 78% de cobertura de esgotamento sanitário (WHO; Unicef, 2017).
Contextualização socioambiental do acesso ao saneamento básico no Brasil

Observada a precariedade de esgotamento sanitário seguro na América Latina e Caribe, discute-se o saneamento básico no Brasil.1

A Lei Federal n.9.443/1997 estabelece diretrizes para a gestão dos múltiplos usos da água. A diretriz normativa que regulamenta o serviço de abastecimento de água por rede pública, principal forma de acesso, é a Lei Federal n.11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico, considerando: abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo de águas pluviais urbanas, e traz como primeiro princípio fundamental a universalização do acesso (Art. 3º, Lei Federal n.11.445/2007).

Antes de 2007, o Brasil tinha um vazio institucional no setor de saneamento, gerador de passivo na definição de políticas públicas para os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo dos resíduos sólidos e drenagem de águas pluviais (Borja, 2014). Tal passivo resultou na deficiência do atendimento desses serviços, especialmente “em áreas periurbanas e rurais, onde residem as populações mais pobres” (Murtha et al., 2015, p.193), caracterizando um cenário de desigualdade socioambiental (Fracalanza et al., 2013; Britto, 2010; Maricato, 2003).

A fase que antecede a atual política federal do setor foi caracterizada pela centralização das ações na União através do Plano Nacional de Saneamento (Planasa), elaborado no período de ditadura civil-militar, anos 1970, ampliando serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário (Costa; Ribeiro, 2013; Jacobi et al., 2009). Por outro lado, o Planasa privilegiou as regiões do sul e do sudeste brasileiros, com maiores investimentos nas cidades mais populosas e nas camadas de maior renda (Costa; Ribeiro, 2013). Investiu-se prioritariamente em abastecimento de água e menos em esgotamento sanitário. Essa precariedade dos sistemas de coleta e tratamento de esgotos resultou nos índices de desigualdade atuais.

A Lei Federal n.11.445/2007 trouxe instrumentos que rompem com o modelo do Planasa e representou uma nova política para o setor (Costa; Ribeiro, 2013). Foi inaugurada “uma nova fase na gestão dos serviços públicos de saneamento básico no país” (Borja, 2014, p.443), com a proposição de abordagem integrada do setor do saneamento básico com outros setores, como de recursos hídricos; e com a ampliação da comunidade de pares na gestão dos serviços públicos de saneamento básico (Paz, 2015). Ainda assim, há dificuldades no avanço para o enfrentamento dos déficits de acesso aos serviços, pois a permanência da ação “de grupos econômicos e políticos na definição da ação estatal revelou as dificuldades de se avançar para um projeto mais democrático, universalista e inclusivo” (Borja, 2014, p.443).

Em 2010, o Brasil tinha uma população de 190,8 milhões de habitantes (IBGE, 2011), estimada para 2019 em 210,1 milhões de habitantes (IBGE, 2019). É o país mais urbanizado da América Latina, com 86% da população vivendo em áreas urbanas (Cepal, 2014). Os indicadores oficiais apresentam que 92% das pessoas são atendidas por abastecimento de água e 81% por esgotamento sanitário (WHO; Unicef, 2014). Porém, persiste uma desigualdade significativa entre as áreas urbana e rural: enquanto 97% da população urbana tem acesso a água potável, 67% da população rural tem acesso a este serviço; o acesso ao afastamento dos esgotos é 87% nas áreas urbanas e 49% nas áreas rurais (WHO; Unicef, 2014). A disparidade ocorre também por classes de renda familiar: em 2012, somente 67,5% da população extremamente pobre tinha acesso à rede de água (Ipea, 2014).

Após a conclusão do período estabelecido para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) 2000-2015, e da transição para o programa Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que abrange o período de 2015 a 2030, no Brasil, o Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável (GT Agenda 2030), formado por ONG, movimentos sociais, fóruns e fundações brasileiras, reunidos desde as negociações da Agenda 2030, monitora a implementação dos ODS e elabora relatórios que apresentam análises deste trabalho. O Relatório Luz 2019 (GT Agenda 2030, 2019) considera que a situação é alarmante para abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, baseados nos dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) para o ano de 2017. Mais de 40 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável e mais de 100 milhões não têm o esgoto coletado. O Relatório aponta também que locais com os piores índices são os mesmos que apresentam alta vulnerabilidade socioeconômica.

O não acesso aos serviços de saneamento básico afeta de forma mais intensa a saúde de crianças (Magalhães et al., 2013; Paz et al., 2012; Andreazzi et al., 2007). Estudo da Unicef (2018) revelou que 61% de crianças e adolescentes no Brasil vivem em cenários de pobreza e são privados de pelo menos um direito dentre: educação, informação, proteção contra o trabalho infantil, moradia, água e saneamento. O que falta para maior número de crianças é o saneamento, seguido por educação e água (Unicef, 2018). Ao mesmo tempo, o país vem experimentando, pela primeira vez em 26 anos, um aumento de óbitos na infância, entre 2015 e 2016, com um acréscimo em 4,19% na taxa de mortalidade infantil e em 11% da mortalidade na infância, relacionadas às condições socioeconômicas do país, especialmente em municípios mais pobres (Rasella et al., 2018).

Por outro lado, em período anterior, o Brasil havia atingido o ODM 7, conforme estabelecido pela ONU, com foco na redução pela metade da proporção da população sem acesso permanente à água potável e ao esgotamento sanitário, embora haja discrepância entre o acesso entre as populações de baixa e alta rendas. Em 1990, apenas 32,6% contavam com o abastecimento de água, e em 2012 passou a ser 67,5% (Ipea, 2014). Para o esgotamento sanitário, são medidas aceitáveis a rede geral de coleta e a fossa séptica. A redução da população sem acesso a estes sistemas caiu de 47% em 1990 para 23% em 2012, menos da metade tendo então alcançado a meta (Ipea, 2014). A 4ª meta do ODM 7, que trata de habitantes vivendo em assentamentos precários, também fora alcançada para aquele período, com um aumento de mais de 100 milhões de habitantes vivendo em melhores condições (Ipea, 2014). Em áreas urbanas, a redução de habitantes vivendo em condições precárias foi de 53,5% em 1990 para 36,6% em 2012 (Ipea, 2014).

Embora os indicadores de cobertura de abastecimento de água sejam relativamente satisfatórios, pois demonstram ampliação das redes, existem questionamentos sobre as referências (Galvão Junior, 2009; SNSA, 2013). Os indicadores oficiais de saneamento, como os produzidos pelo SNIS para o acesso às redes de abastecimento e de coleta de esgotos, não indicam se os princípios da Lei Federal n.11.445/2007 - acesso universal, equidade, integridade e sustentabilidade - estão sendo cumpridos na prestação dos serviços (Aleixo et al. 2016), pois não representam necessariamente o acesso a um serviço de qualidade, já que a avaliação apenas identifica o domicílio coberto pela rede e não aborda a questão da qualidade do abastecimento (Aleixo et al. 2016; Galvão Junior, 2009).

No sentido de se trabalhar melhor os indicadores de atendimento dos Serviços de Água e Esgotos (SAE) e do manejo de resíduos sólidos, o Plansab, aprovado em dezembro de 2013, trabalha com o conceito de déficit de saneamento com a população não atendida por serviços públicos ou individuais; ou com atendimento precário (SNSA, 2013). Essa proposta foi incorporada também pelo Programa Nacional de Saneamento Rural (Brasil, 2019), processo iniciado em 2010, que culminou no lançamento do Programa, Portaria do Ministério da Saúde n.3.174/2019.

Seguindo essa definição, em 2010 a população com atendimento adequado aos serviços de saneamento básico era menor que o número apresentado pelos dados oficiais do SNIS e da Pesquisa de Saneamento Básico do IBGE. Os dados oficiais indicavam o acesso ao abastecimento de água e ao esgotamento sanitário por, respectivamente, 85,8% e 53% da população brasileira (IBGE, 2011; SNSA, 2013). Porém, se fosse considerado o atendimento adequado a esses serviços, como a oferta de água potável sem intermitência e a coleta dos esgotos seguida de tratamento ou o uso de fossa séptica, os índices passariam a representar 59,4% da população com acesso a água e 39,7% com esgotamento adequado (SNSA, 2013)

Por fim, destacam-se como maiores desafios brasileiros no setor do saneamento o atendimento nas áreas rurais e as urbanas de vulnerabilidade socioambiental e o tratamento do esgotamento sanitário, tanto em relação ao percentual tratado, como ao nível do tratamento. Acrescenta-se, ainda, a necessidade de se considerar a exclusão social no acesso à água, e a discussão em pauta sobre a água e o esgotamento sanitário como direitos humanos.
O acesso à água e ao esgotamento sanitário como direito humano

O acesso à água potável e ao esgotamento sanitário são essenciais para saúde e qualidade de vida (Heller, 2015; Paz et al., 2012) e são reconhecidos como direito humano (UN, 2010). Pela Constituição Federal de 1988, a saúde é garantida como direito social (Art. 196) e o meio ambiente equilibrado como direito de todos (Art. 225). No entanto, existem divergências nos indicadores de acesso aos serviços de saneamento básico utilizados como referência para os investimentos e assimetrias na forma como a universalização é encontrada em documentos que norteiam o setor do saneamento básico no Brasil.




Figura 1
Porcentagem de atendimento aos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário e manejo de resíduos sólidos em 2010 (Brasil).




Comumente os índices de atendimento à água e ao esgotamento sanitário referem-se à população urbana, como exposto anteriormente. Mas a população das áreas centrais urbanas não representa a totalidade da população que deve ter acesso aos serviços de saneamento, considerando os princípios da equidade (Heller, 2015) e da água como um bem comum (Hess; Ostrom, 2007), desconsiderando, em grande parte, as populações rural e periférica, que geralmente são as que mais necessitam dos serviços de infraestrutura sanitária (Aleixo et al., 2016; Murtha et al., 2015; Fracalanza et al., 2013; Britto, 2010).

Por outro lado, não há consenso sobre a utilização do termo “direitos humanos” quando se discute universalização do acesso a água e ao esgotamento sanitário em quantidade e qualidade. Segundo Bakker (2007), em muitos países, direitos humanos são compatíveis com provisão de água pelo setor privado e muitas companhias privadas têm adotado o discurso do direito humano à água para provê-la enquanto mercadoria e entrar no Mercado da Água.

A alternativa ao uso da expressão água e esgotamento sanitário enquanto direitos humanos tem sido adotada por autores como Dardot e Laval (2014) com os comuns, ou commons. A ideia dos commons seria sair da ideia de que todos têm direito à água, mas de fato, ninguém se responsabiliza por fornecê-la. Além disso, quando a água é considerada um bem econômico, sua racionalização está associada a seu preço, e quanto mais escassa, mais se está disposto a pagar por ela. Isso de fato exclui populações vulneráveis de seu uso e, apesar de ser um direito humano, a noção de bem comum deixa a água associada a usos ecossistêmicos e contrapõe, segundo Bakker (2007), a água enquanto mercadoria, em uma estratégia mais efetiva no combate a sua privatização. Ao considerar a água como um bem comum, os investimentos em água e saneamento, considerando as tecnologias apropriadas para cada cenário e as peculiaridades locais e regionais, superariam as centralidades territoriais, sociais e econômicas. A democratização do acesso à água e ao saneamento: “is guided by the idea that improvements in service access conditions should take place primarily among the socially excluded groups, thereby contributing towards a reduction in inequality” (Aleixo et al., 2016, p.64).

Os autores enfatizam ainda a relevância de se considerar os elementos das iniquidades na provisão dos serviços do contexto macro - demográficos, socioeconômicos, políticos e culturais - que se refletem nas características microtextuais (Aleixo et al., 2016). Em um momento em que as desigualdades no acesso à água crescem, e que o déficit é maior em grupos de maior vulnerabilidade socioambiental (Aleixo et al., 2016), a busca pela universalização precisa superar tais iniquidades, e estar consonante aos preceitos da justiça ambiental. Nessa óptica, para se equalizar tais disparidades, parte-se do pressuposto que os esforços no acesso à água e ao saneamento são necessários para a populações dele excluídas para se alcançar a universalização almejada.
Que universalização queremos?

Alguns esforços nas agendas políticas internacionais e nacional têm sido feitos para trabalhar de forma integrada com os serviços de infraestrutura sanitária e a gestão de recursos hídricos e garantir o acesso à água como um “direito universal”. As políticas federal, nacional, Estadual e regional, aqui analisadas, preveem a gestão integrada dos recursos hídricos com a gestão dos serviços públicos de saneamento básico (Paz, 2015). No entanto, quando se lê a “universalização” do acesso aos serviços de saneamento básico, entende-se que o objetivo é promover o acesso aos serviços para toda a população de um território. Procurou-se, portanto, identificar documentos que disciplinam o saneamento básico de modo multinível, a partir de um estudo de caso da região hidrográfica dos rios Sorocaba e Médio Tietê. Na escala Federal, considerou-se a Política Federal de Saneamento Básico (Plansab) - (Lei Federal n.11.445/2007) e o Programa Nacional de Saneamento Rural, inaugurado em 2019. Em escala estadual (São Paulo), a “Política Estadual de Saneamento Básico” (Pesb) e para a escala regional, o “Plano Regional Integrado de Saneamento Básico” (Prisb) da bacia hidrográfica dos rios Sorocaba e Médio Tietê, Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos 10 do Estado de São Paulo (UGRHI-10).

Entende-se que a definição trazida pela Política Nacional sobre a “ampliação progressiva do acesso de todos os domicílios ocupados ao saneamento básico” considera a totalidade dos municípios, independente da condição do domicílio, seja ela urbana, periurbana ou rural; inclusive as áreas irregulares, se consolidadas, deveriam ser contempladas para atender à Resolução da ONU, que declara a água potável e o esgotamento sanitário direito humano essencial, e que o mesmo deve ser contínuo e abranger todos (UN, 2010).

O Plansab considera as áreas rurais em seu discurso e embora não defina diretrizes, dá encaminhamento para o Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR) que foi discutido e construído de forma descentralizada e participativa desde 2010, voltado para o saneamento rural e considerando as diferentes realidades de organização rural no Brasil. Nesse sentido, cabe ressaltar que a lógica de prestação de serviços de saneamento em áreas rurais e urbanas é diferente, tanto nas tecnologias apropriadas como na forma de gestão, sendo necessário um programa voltado para essas localidades.

Apesar de prevista a universalização do saneamento em áreas urbanas consolidadas e em áreas rurais, estas últimas pelo Programa Nacional de Saneamento Rural publicado e endossado pela Portaria do Ministério da Saúde n.3.174/2019, nota-se que a parcela da população que reside em áreas periurbanas não tem sido contemplada nas metas de governo, por estarem, geralmente, em condições fundiárias irregulares (Aleixo et al., 2016; Murtha et al., 2015; Fracalanza et al., 2013; Paz et al., 2012; Britto, 2010; Maricato, 2003).

No sentido de lidar com os déficits de saneamento rural socialmente produzidos, o Programa Nacional de Saneamento Rural está centrado “nos princípios de direitos humanos, na promoção da saúde, na erradicação da pobreza extrema e no desenvolvimento rural solidário e sustentável” (Brasil, 2019, p.36) e estruturado em três eixos estratégicos: Gestão dos Serviços, Educação e Participação Social e Tecnologia (Brasil, 2019). Esse Programa lida, potencialmente, com os desafios do setor, pois considera as medidas estruturais em saneamento rural, com metas de curto, médio e longo prazos, em conjunto com os arranjos institucionais e investimentos necessários para sua operação (Brasil, 2019). Considera, ainda, a valorização histórica do contexto urbano para o setor do saneamento básico, e a ruralidade brasileira com suas diferentes características de arranjos territoriais, considerando, inclusive, os “rurais-urbanos”, ou seja, as áreas que, segundo o IBGE, são urbanas, porém, que possuem características mais próximas do rural.

Na Política Estadual esta questão não é especificada, apenas são considerados os princípios da Lei Federal. Esta postura atribui um papel importante aos planos regionais e municipais na definição das metas estabelecidas para a universalização do setor dos serviços de saneamento básico no estado de São Paulo. Em nível regional, o Prisb da bacia hidrográfica dos rios Sorocaba e do Médio Tietê deixa claro que as diretrizes e metas para os quatro componentes dos serviços de saneamento básico consideram apenas as áreas urbanas, mantendo a cultura das concessionárias de saneamento, que não costumam levar serviços de saneamento para comunidades rurais ou isoladas, salvo exceções.

Este cenário de negligência compactuada do acesso a certas camadas da população corrobora a análise de Castro (2013), sobre as desigualdades sociais estruturais e políticas de água e esgotos da corrente dominante serem condicionantes sistêmicos que afetam a universalização desses serviços essenciais. Os fatores e processos sociais em longo prazo influenciam significativamente na moldagem e determinação da organização dos SAE; e embora haja um aumento do reconhecimento de que os principais desafios para os SAE não são técnicos e físico-naturais, mas sociais, corroboram a afirmação do autor sobre as dimensões sociais negligenciadas (ibidem). Castro (2013) traz como exemplo as desigualdades observadas na Bolívia e no Brasil, com condicionantes diferenciadas para grupos especiais da população; onde as desigualdades sociais estruturadas raramente são detectadas nos estatutos sociais das prestadoras dos serviços de saneamento.

Vários autores apontam que o sucesso para a universalização dos SAE em países desenvolvidos foi a estatização da prestação dos serviços até que estes atendessem toda a população; e que os países bem-sucedidos no setor que optaram pela política de privatização dos serviços, o fizeram após a universalização dos SAE (Castro, 2013; Pezon, 2013; Barraqué, 2013; Swyngedouw, 2013; Bakker, 2007). Nesse sentido, Castro (2013) defende que as políticas dominantes para o setor impõem obstáculos na consecução da universalização, espcialmente onde é mais necessária e que as políticas neoliberais, norteadas pelo mercado, foram impostas ao setor ao longo do processo de globalização econômica.

O Congresso Nacional discute, atualmente, novo Marco Regulatório para o saneamento básico, o Projeto de Lei Federal n.4162/19. Uma das críticas que se faz a este PL é que ele afeta o subsídio cruzado que garante o serviço de abastecimento para os municípios pequenos que poderão ter aumento das tarifas caso este ponto não seja revisto. Por não serem lucrativos para as empresas privadas, estes municípios podem ser preteridos no processo de licitação para os serviços de saneamento como está proposto no PL 4162/19. Independentemente das mudanças que possam alterar alguns artigos deste PL, é fato que a relação do Estado brasileiro com a água passa por profundas mudanças no que concerne à transferência do seu controle para o setor privado. Sobre isso, cabe observar que estudos de vários autores mostram as limitações da prestação privada dos serviços de saneamento básico em relação à universalização do acesso à equidade nos investimentos (Castro, 2013; Pezon, 2013; Barraqué, 2013; Swyngedouw, 2013; Britto, 2010; Bakker, 2007).

Quanto aos indicadores considerados para dimensionar a universalização, o plano de saneamento da UGRHI-10 apresenta indicadores quantitativos para o abastecimento de água. Em relação ao esgotamento sanitário, aborda-se somente a qualidade do tratamento dos resíduos, mas não a qualidade da cobertura pela rede de infraestrutura. Ressaltamos que, embora se utilize o termo “universalização”, as metas destes planos consideram tão somente as áreas urbanas como as áreas de concessão dos serviços pela empresa prestadora dos SAE.

De acordo com análise do GT Agenda 2030 (2019), é recomendado garantir a participação social efetiva nas decisões sobre recursos hídricos e saneamento, com atenção à inclusão de comunidades em vulnerabilidade social, garantir a transparência da gestão pública dos recursos hídricos e saneamento, incluindo comitês de bacias e empresas com outorgas de serviços, entre outras recomendações.

Para alguns autores, o índice de cobertura não é suficiente para indicar a universalização em termos qualitativos, ou de atendimento adequado, como apresenta o Plansab (SNSA, 2013). Os indicadores de cobertura não consideram a qualidade do serviço e a continuidade do mesmo (Aleixo et al., 2016; Heller, 2015; Galvão Junior, 2009). Portanto, a universalização baseada apenas nos atuais índices de cobertura dos serviços não representa o acesso da população aos SAE em qualidade e contínuo, nos termos da Resolução da ONU (UN, 2010) e dos princípios fundamentais da Lei Federal n.11.445, de 2007, apresentando um contraditório de seu conceito: como pensar numa universalização do acesso à água e ao esgotamento sanitário sem incorporar a população excluída de tais serviços?
Conclusões

Dentre os múltiplos usos da água, destacamos o consumo humano pelo seu papel na manutenção da vida. Por esse motivo, a integração entre a gestão dos serviços públicos de saneamento básico e da água é prevista nestas duas políticas. Ainda assim, há alto nível de exclusão de seu acesso entre as populações vulneráveis.

Uma parte considerável da população brasileira não tem acesso aos serviços de água e de saneamento de forma segura e não compõe os dados oficiais por estar em regiões rurais ou fora das áreas de concessão das empresas prestadoras destes serviços. O país está distante de um cenário de universalização do acesso a estes serviços, especialmente com relação às populações excluídas dos centros urbanos, dificultando a definição de uma agenda para a universalização de tais serviços. Além disso, os atuais indicadores de acesso aos serviços de forma segura não consideram toda a população brasileira. O Plansab propõe novas formas de se apresentar os índices de acesso; no entanto, tal proposta ainda se apresenta como uma tentativa isolada de aprimoramento dos indicadores de acesso aos serviços de saneamento básico. Existe um contraditório entre o conceito de universalização e os mecanismos existentes para alcançá-la.

A água não tem sido distribuída de forma justa e igualitária para a população brasileira. E esta distribuição desigual está estruturada na gestão, prestação e no sistema de informação sobre os serviços de saneamento básico. Além da abordagem da água e do saneamento como um direito humano, propomos também considerar a água como um common, ou seja, que é de todos, que deve ser disponibilizado a todos, sem iniquidades.

Isto significa incluir as populações de baixa renda, rurais e periurbanas nos cálculos de indicadores de acesso a água e ao esgotamento sanitário, dentre outros, quando isto não ocorre. E, mais que isso, incluir essas populações enquanto prioridades como beneficiários de políticas públicas distributivas dos serviços de água e de esgotamento sanitário, de modo particular, e de saneamento básico, de uma forma ampla, com resíduos sólidos e drenagem.

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Revista Estudos Avançados

Mitos e nós do agronegócio no Brasil




Myths and knots of agribusiness in Brazil
Mythes et nœud de l’agrobusiness au Brésil

Denise Elias

Resumo

O presente artigo parte da hipótese de que os retrocessos políticos vividos no Brasil desde o golpe parlamentar de 2016 mostram a tendência ao aumento de poder dos agentes hegemônicos do agronegócio atuantes no país e, consequentemente, a propensão ao agravamento das desigualdades socioespaciais, dos conflitos e da violência no campo e nas cidades. O principal objetivo é discutir o que consideramos alguns dos principais mitos e nós nos quais se escora o agronegócio, uma vez que julgamos que devem ser desfeitos para que possamos trilhar os caminhos para uma sociedade mais justa, igualitária e democrática. A metodologia estruturou-se nos fundamentos da pesquisa qualitativa. Concluímos que as formas-conteúdo do agronegócio são contestáveis e devem ser rejeitadas e substituídas por outras.

Palavras-chave:
Retrocesso político; Agronegócio; Bancada Ruralista; Brasil

Abstract

The concept of this article starts from the hypothesis that since 2016’s coup d’etat in Brazil political setbacks tend to increase the power of agribusiness hegemonic agents in the country. As a result, urban and rural social-spatial inequalities, conflicts and violence tend to worsen. The main objective is to discuss what is regarded as most supportive myths and nodes of agribusiness. That way, we assume such nodes and myths should be untied and undone, allowing us to tread the path to a fairer, more democratic and egalitarian society. The methodology is based upon qualitative research. As a conclusion, agribusiness “content-shapes” are dubious and should be refused, in order to be replaced by other ones.

Keywords:
Political setbacks; Agribusiness; Ruralist bench; Brazil

Résumé

La rédaction du présent article trouve son origine dans l’hypothèse voulant que les régressions politiques vécues au Brésil depuis le coup parlementaire de 2016 montrent la tendance de l’augmentation des pouvoirs des agents hégémoniques de l’agrobusiness en activité dans le pays et, par conséquent, la propension à l’explosion des inégalités sociales et territoriales, des conflits et de la violence à la campagne et dans les villes. L’objectif principal est d’aborder ce que nous comprenons comme étant certains des principaux mythes et nœuds s’appuyant sur l’agrobusiness, étant entendu que nous jugeons qu’ils demandent à être déconstruits afin que nous puissions tracer le chemin d’une société plus juste, égalitaire et démocratique. La méthodologie s’est structurée autour des fondements de la recherche qualitative. Nous concluons que les formes-contenu de l’agrobusiness sont contestables et doivent être refusées et remplacées par d’autres.

Mots-clés:
Régression politique; Agrobusiness; Lobbying rural; Brésil

Introdução

A concepção do presente artigo parte da hipótese principal de que os retrocessos políticos vivenciados no Brasil desde o golpe parlamentar de 2016, que escancaram as portas para o grande capital privado, mostram a tendência ao aumento de poder dos agentes hegemônicos do agronegócio atuantes no país e, consequentemente, a propensão ao acirramento das desigualdades socioespaciais, dos conflitos e da violência no campo e nas cidades.

Desde esse momento de inflexão na política, muitos dos direitos conquistados depois de décadas de luta pela sociedade vêm sendo negociados num enorme balcão de negociatas iniciados no mandato do presidente Michel Temer (31/08/2016-31/10/2018), para se manter no poder, processo acirrado com a posse do presidente Jair Messias Bolsonaro (01/01/2019-), com o apoio das elites econômica, política, jurídica e dos militares das Forças Armadas ao conjunto de reformas perversas.

Estamos vivenciando um desmonte das políticas públicas compensatórias que, de alguma maneira, protegiam setores e categorias sociais mais vulneráveis. Verdadeiras atrocidades vêm sendo impostas a toda a sociedade, tais como o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, a reforma trabalhista representando a supressão de direitos, que deixa em ruínas a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), marco legal que estabelece normas regulatórias de relações individuais e coletivas de trabalho no Brasil, um conjunto de privatizações e concessões nas áreas de energia, mineração e petróleo, portos e aeroportos, entre outros, altíssimos percentuais de cortes dos gastos públicos com ciência, tecnologia e inovação,1 extinção do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), estrangulamento de recursos para programas como o Programa de Aquisição Alimentos da Agricultura Familiar e reduções radicais do orçamento para programas de segurança alimentar, reforma agrária, fortalecimento da agricultura familiar, entre tantos outros.

Tudo isso vem acompanhado do acirramento da crise econômica, do avanço do desemprego e da precarização das condições gerais de trabalho, do enfraquecimento e da desarticulação dos sindicatos, da debilitação de muitos movimentos sociais, da dilapidação do poder de compra da população e da crise das esquerdas. Se não bastassem todos os colapsos supracitados, desde o começo de 2020, vivemos a pandemia da Covid-19, representando uma condição de descaminho para todo o mundo, cujas consequências ainda não podemos prever na sua totalidade.2

Em contrapartida, assistimos ao aumento do poder da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) no Congresso Nacional, mais conhecida como a bancada ruralista (BR), um lobby financiado por associações e empresas do agronegócio, claramente uma das principais fiadoras do governo do presidente Jair Bolsonaro. As evidências são muitas, o que reforça a hipótese que dá mote ao artigo.

Desde o período considerado para análise, a Casa Civil já suspendeu mais de uma dezena de processos de demarcação de terras indígenas que só aguardavam homologação presidencial. O ex-presidente Temer endossou um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) que proibiu reconhecer como área indígena qualquer reserva que tenha se formado depois da Constituição de 1988. O desmonte da Fundação Nacional do Índio (Funai) segue a passos largos com suspensões de recursos e loteamento de cargos, até mesmo de escalões essencialmente técnicos, por pessoas sem capacitação adequada.3 O número de liberações de agrotóxicos para uso em lavouras alcançou uma soma nunca antes conhecida para um intervalo igual, autorizando um conjunto de produtos proibidos em outros países por representar sérios riscos à saúde da população e ao meio ambiente. A violência no campo, traço estruturante da sociedade brasileira, aumentou e pode ser comprovada pelo crescimento do número de assassinatos de indígenas e de disputas por terra e por água.

Por outro lado, o número de queimadas e desmatamentos criminosos em 2019 e 2020 bateu todos os recordes, tendo consumido percentuais significativos de alguns dos mais importantes biomas brasileiros, especialmente a Amazônia e o Pantanal. Contudo, até o momento os responsáveis seguem impunes como mais uma prova do desmonte das políticas ambientais sob a batuta do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (2019-). Não esqueçamos da sua funesta declaração por ocasião da fatídica reunião ministerial com o presidente Jair Bolsonaro, no dia 22 de abril de 2020, quando defende que o momento seria oportuno para aproveitar a “tranquilidade da cobertura da imprensa”, com atenção voltada para a pandemia da Covid-19, para “passar a boiada” e aprovar desregulamentações ambientais.4

Ademais, o tecido social no país está totalmente esgarçado e a exclusão de milhões de brasileiros, o patrimonialismo e a manutenção da cultura do privilégio determinam como as relações sociais se processam no Brasil, inibindo a construção de relações de reciprocidade e de uma sociedade de direitos. Isso reflete em situações que temos vivenciado em nosso cotidiano, como tensão social, violência e banalização da vida humana.

Diante do exposto, entendemos que os pilares que sustentam o agronegócio brasileiro representam um entrave para avançarmos na construção da emancipação social e de uma sociedade mais democrática. O artigo apresenta o que inferimos como alguns dos principais mitos e nós que escoram o agronegócio, uma vez que julgamos que demandam ser desfeitos e desatados para que possamos trilhar os caminhos dessa outra sociedade.

O método científico permite, a partir da análise de uma totalidade, realizar esforços de caracterização e de síntese. Como o agronegócio brasileiro da forma como o conhecemos hoje está em construção há cinco décadas, notadamente desde os anos 1970, balizamo-nos na realidade concreta e em um conjunto de pesquisas e estudos científicos, incluindo os de autoria própria, para trazer as interpretações apresentadas aqui.

A metodologia estruturou-se nos fundamentos da pesquisa qualitativa para a construção de uma análise crítica. Assim, privilegiamos a pesquisa bibliográfica e documental. Por outro lado, um dos principais procedimentos metodológicos foi construir uma hemeroteca segundo temas e processos de interesse. Além de trabalhos acadêmicos como livros, teses, dissertações e artigos científicos, consultamos jornais, revistas especializadas e uma gama de matérias das chamadas novas mídias, que podem ser acessadas diretamente pela internet.5 Os trabalhos de campo realizados em diferentes momentos nas últimas décadas, em diversas áreas de difusão do agronegócio do Brasil, foram também inestimáveis para algumas das interpretações apresentadas.

Além desta introdução e das considerações finais, o artigo tem quatro seções. Na primeira, discutimos os pressupostos principais do agronegócio brasileiro, apresentando um conjunto de características inerentes a ele, considerando agentes e dinâmicas socioespaciais. Na segunda, discorremos sobre alguns dos principais mitos que sustentam o agronegócio, terminando com o que consideramos os nós do agronegócio que precisam ser desatados para a construção de uma sociedade mais igualitária no país. Na terceira e quarta seções, abordamos dois dos nós do agronegócio que precisam rapidamente ser desatados, quais sejam, o nó da relação orgânica entre o Estado e agentes do agronegócio e o nó da criminalização dos movimentos sociais.
Pressupostos do agronegócio

Mesmo que brevemente, é importante destacar o que consideramos alguns dos principais pressupostos do agronegócio. Até mesmo porque, embora hoje se use indiscriminadamente a palavra agronegócio, só há pouco mais de duas décadas ela passou a ter uso corrente no Brasil. Mas, apesar de sua pouca idade, já tem caráter polissêmico, carregada de ideologias e mitos. Isso reforça a necessidade de apresentarmos elementos de argumentação em direção a uma visão crítica sobre o tema. Como a própria palavra deixa explícito (agro + negócio), entre os maiores objetivos está a obtenção de lucro e renda da terra, com a produção de muitas novas mercadorias voltadas ao mercado urbano, nacional e internacional, de alimentos processados e ultraprocessados, de commodities e de agrocombustíveis.6

O agronegócio abrange um conjunto de atividades que se realizam de forma totalmente interligada. A agropecuária se dá conectada a indústrias (agroindústrias, de máquinas agrícolas, de agrotóxicos, de sementes transgênicas), serviços (centros de pesquisa e experimentação, aviação agrícola, informatização dos processos de produção), comércio especializado no consumo produtivo do agronegócio (ração, implementos agrícolas, fertilizantes), agentes financeiros (bancos, bolsa de valores, fundos de investimento), armazenamento, marketing, logística e distribuição, especialmente em supermercados (Elias, 2003).

De modo geral, o agronegócio se realiza adotando pacotes tecnológicos intensivos em capital e tecnologia (conjunto de insumos químicos, mecânicos e biotecnológicos), que transformam os sistemas técnicos agrícolas e difundem um padrão estandardizado de produção. Por outro lado, é regulado por relações de produção, distribuição e consumo globalizadas calcadas em corporações transnacionais e movimentam grandes volumes de créditos estatais e um conjunto de outras políticas públicas. Além disso, articula um conjunto portentoso de interesses econômicos e políticos, como provam o tamanho e o poder da BR no Congresso Nacional (Elias, 2013).

Para desvelar os mitos e os nós do agronegócio, é importante saber que eles têm nome e endereço, ou seja, conhecer seus agentes hegemônicos. Segundo Oliveira (2016), a agricultura sob o capitalismo mundializado estrutura-se, em especial, a partir da formação de empresas monopolistas, que controlam a produção e se articulam por meio de dois processos monopolistas territoriais no comando da produção agropecuária e florestal mundial: a territorialização dos monopólios e a monopolização do território.

Entre essas empresas monopolistas, há corporações multinacionais atuantes na produção agropecuária e agroindustrial como de laticínios, massas, carnes, biscoitos, alimentos ultraprocessados (Nestlé, Unilever, Danone, M. Dias Branco), agroquímicas (Bayer, Basf, Dupont, Syngenta), fumageiras (Philip Morris, Souza Cruz), tradings (Bunge, Cargill, ADM, Luis Dreyfus), frigoríficos de frango (BRF, JBS, Aurora, Copacol, Globoaves), redes de supermercados (Carrefour, GPA, Cencosud, SDB Comércio de Alimentos Ltda., Irmãos Muffato, Grupo Big) e empresas do sistema financeiro por meio de vários de seus instrumentos, incluindo os fundos de investimentos e títulos de renda fixa (tais como a Letra de Crédito do Agronegócio do Banco do Brasil), com fortíssimo crescimento da financeirização no setor. Devemos considerar também, entre os principais agentes do agronegócio, os grandes proprietários de terra e o Estado.

Essas corporações notabilizam-se pela grande capacidade produtiva instalada, pela complexidade das operações, pelo volume de matéria-prima que processam, pela diversidade de suas atividades econômicas, pelo poder de impor suas demandas ao Estado (logística, incentivos fiscais), pela atuação em diferentes escalas geográficas e pelo controle de grandes áreas de terra, às vezes não só no campo, mas também em cidades (Santos, M., 1979; Corrêa, 2002; Oliveira, 2016; Dowbor, 2017).

Isso já evidencia que o agronegócio não se realiza apenas no campo, mas integrado ao espaço e à economia de diferentes extratos na rede urbana. Além disso, requer relações complexas e permanentes com cidades, de diversos tipos e tamanhos, extrapolando a escala do lugar, da região ou do país (Elias, 2003, 2017a, 2017b, 2020b). O agronegócio envolve desde áreas de produção agropecuária propriamente ditas, até os fixos e fluxos (Santos, M., 1988), sistemas de objetos e sistemas de ação (Santos, M., 1996) associados, distribuídos por muitos países em várias partes do planeta. Assim, além de intersetoriais, os estudos sobre o tema devem ser também multiescalares.

Ricardo Antunes (2016) destacou que, em sua fase atual, o capitalismo ancora-se num tripé destrutivo baseado na reestruturação produtiva e no neoliberalismo, sob o comando do capital financeiro (informação verbal).7 Consideramos que é nesse mesmo tripé que estão ancoradas as metamorfoses da atividade agropecuária brasileira das últimas décadas, as quais culminam no que hoje se convencionou chamar de agronegócio globalizado (Elias, 2017a). Assim, as transformações neoliberais na agricultura e no espaço agrário brasileiros têm resultado em muitas ressignificações e conflitos.

De maneira geral, o agronegócio brasileiro se caracteriza por ser espacialmente seletivo, socialmente excludente, economicamente concentrador e ambientalmente e culturalmente devastador. Da mesma forma, sua difusão tem aumentado os níveis de riqueza, cada vez mais concentrados, e os níveis de pobreza, cada vez mais generalizados, além de criar muitas novas e complexas desigualdades socioespaciais, com o aumento dos conflitos e da violência no campo e nas cidades (Elias, 2002, 2006; Elias; Pequeno, 2007, 2015).8

São vários os processos que ilustram o que citamos como síntese, e parece-nos importante mostrar alguns que são estruturais. Procuramos abordá-los no que chamamos de nós do agronegócio.
Mitos do agronegócio

Alguns dos pilares estruturais do modo de produção dominante são a expropriação dos meios de produção e a alienação. Para manter o status quo, é necessária uma ideologia dominante e, como ensina a filósofa Marilena Chauí (1981), a ideologia é um mascaramento da realidade social que permite legitimar a exploração e a dominação e por meio da qual tomamos o falso por verdadeiro, o injusto por justo. Assim, a expansão do agronegócio e a perpetuação das desigualdades social, econômica e espacial dele resultantes exigem uma ideologia que as sustente.

É nesse sentido que afirmamos que o agronegócio é cercado de mitos que fabricam um imaginário social favorável a ele. Entre os muitos mitos criados e mais difundidos associados ao agronegócio, há o de que ele é a redenção do Brasil, a locomotiva do país, promove distribuição de renda e desenvolvimento regional, é ambientalmente sustentável e responsável pela segurança alimentar e pela soberania nacional, o mito de que é independente do Estado, de que os agrotóxicos não prejudicam a saúde do homem ou do meio ambiente, o de que o modelo do agronegócio é o único possível no Brasil e o de que as empresas do agronegócio estão entre as mais sustentáveis do país, entre tantos outros.

Corporações e entidades de classe do agronegócio capitaneiam a construção e difusão desses mitos. Para isso, contam com um amplo amparo das empresas da indústria cultural, assim como com a aquiescência do Estado, seja ativa ou passivamente, quando, por exemplo, não cumpre seu papel de regular e fiscalizar em prol do bem comum. Discutindo a sociedade do espetáculo, Debord (2003) nos ajuda a compreender alguns dos mitos sobre o agronegócio na sociedade brasileira, porque, para a produção, difusão e hegemonia do agronegócio, é preciso construir-lhe uma imagem favorável. Assim, para a expansão do capitalismo no campo e a multiplicação da produção de mercadorias que o sustenta, não basta expulsar e expropriar os camponeses, as quebradeiras de coco, os ribeirinhos, os geraiseiros... é também basilar a alienação associada ao agronegócio, a construção de uma psicosfera do agronegócio (Santos, M., 1996).

Vários agentes da indústria cultural brasileira concorrem para tal objetivo, e há muitos exemplos da construção desse caminho nas últimas décadas. Mas, indubitavelmente, poucos tiveram o alcance e lograram tanto êxito como a gigantesca operação publicitária empreendida pela Rede Globo de Televisão, principal canal aberto de televisão do Brasil, pertencente ao Grupo Globo, a maior corporação de mídia e comunicação da América Latina e uma das maiores do mundo, que ocupava a 19° posição no ranking dos maiores conglomerados de mídia do mundo (Grupo Globo, [s.d.]). Intitulada o “Agro é Tech, Agro é Pop, Agro é tudo”, a campanha foi lançada em meados de 2016 e vigora até o momento. É muito dinâmica, pois está no ar ininterruptamente e desde então lança novos temas periodicamente, cada qual tratando de um conjunto de atividades associadas a um produto específico - frango, cana-de-açúcar, café, milho, laranja, melão, abacate, maçã etc.

A sociedade do espetáculo e a criação de mitos do agronegócio estão mais presentes do que nunca, desde a criação dessa campanha, com seu slogan repetido exaustivamente, inúmeras vezes ao dia, a milhões de brasileiros nos intervalos comerciais da emissora, notadamente em seus horários considerados nobres, ou seja, os de maior audiência. É importante lembrar ainda que no Brasil poucos grupos concentram a maior parte da audiência nacional da televisão aberta, o meio de comunicação mais comum no país (A hegemonia..., [s.d.]), o que atesta o alcance da campanha.

Sem dúvida nenhuma, essa campanha da Rede Globo é um marco estruturante para qualquer periodização, elemento fundamental do método científico (Santos, M., 1985, 1988, 1996), que se queira fazer da relação entre o agronegócio e a mídia brasileira visando construir uma imagem positiva do primeiro. Isso tornou mais sólido o papel da Rede Globo de Televisão como uma das responsáveis pela difusão de vários dos mitos do agronegócio brasileiro, muitos dos quais foram intensamente fortalecidos, tais como o de que o agronegócio é um modelo de negócio de êxito e o melhor para o campo brasileiro.

Vale mencionar que, de acordo com dados levantados pela ONG Repórteres Sem Fronteira e pelo Coletivo Intervozes sobre a concentração midiática no Brasil, a própria emissora pertence a uma corporação que atua em segmentos do agronegócio, assim como é uma importante proprietária de terras, o que reforça a compreensão da citada campanha publicitária, pois a ela própria interessa difundir uma imagem positiva do agronegócio.9 Então, para o caso, não é só uma questão de dizer que o Grupo Globo atua de mãos dadas com os agentes do agronegócio, visto que ele próprio pode ser classificado como um deles.10

Dessa forma, para superar a ideologia que cerca o agronegócio, é crucial desvendar esses mitos associados a ele, pois só assim será possível ultrapassar uma série de entraves que o sustentam e refletir sobre as possibilidades de superação de sua economia e de sua sociedade.

Inspirados no conteúdo e no título do artigo de Ermínia Maricato (2008) - “O nó da terra” -, adotamos a metáfora: os mitos associados ao agronegócio brasileiro são verdadeiros nós que devem ser desatados para podermos seguir um caminho de construção de uma sociedade mais democrática no país. Em seguida, apresentamos o nó da relação orgânica entre o Estado e agentes do agronegócio e o nó da criminalização dos movimentos sociais.
O nó da relação orgânica entre o Estado e agentes do agronegócio

Um dos nós mais apertados a sustentar o agronegócio brasileiro é o da relação orgânica entre o Estado e agentes do agronegócio. O Estado é um dos principais pilares das transformações da atividade agropecuária e do espaço rural brasileiro, que culminaram no modelo de produção denominado agronegócio. Isso desde o Estado intervencionista do período da ditadura militar (1964-1985) até o modelo neoliberal a partir dos anos 1990 ou da inflexão ultraliberal (Ribeiro, 2020) hoje dominante. Em todo esse longo período, o Estado é submisso aos agentes hegemônicos do agronegócio, e isso reforçou o patrimonialismo que historicamente caracteriza a sociedade brasileira e, no caso presente, a relação intrínseca entre poder econômico do agronegócio e poder político.

Um dos signos dessa realidade é a força da FPA, a principal face institucional da BR, uma das maiores e mais organizadas do Congresso Nacional do Brasil, que contabiliza cerca de 250 componentes, entre deputados e senadores.11 É também uma das mais conservadoras, poderosas e estruturadas em termos de financiamento entre as existentes.12 Para citar um exemplo recente, lembramos seu importante papel como base de sustentação do governo ilegítimo de Michel Temer, uma vez que compôs cerca de 50% dos votos para o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff (01/01/2011-31/08/2016), assim como para rejeitar as denúncias que tramitavam contra Temer, em meados de 2017.13

O poder da FPA vem crescendo e, em parte, isso se deve ao apoio dado aos governos desde o golpe. Por esse motivo, seus membros vêm ocupando postos-chave no legislativo, como comissões parlamentares de peso para o agronegócio, e no executivo (secretarias e ministérios). A estratégia vem sendo utilizada para aprovar leis que anulam direitos sociais e trabalhistas, promovem destruição ambiental, acobertam o trabalho escravo, retardam ou impedem a demarcação de terras indígenas e quilombolas, entre tantas outras usurpações, impondo vários retrocessos.

Entre as maiores evidências do poder da FPA, está a indicação de seus representantes para o cargo máximo atinente ao setor, qual seja, o de ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Para ficar apenas nos dois últimos ministros desde a posse de Michel Temer, citamos Blairo Maggi, indicado pelo ex-presidente e que permaneceu durante a maior parte de seu mandato, e Tereza Cristina Correa da Costa Dias, ministra nomeada pelo presidente Jair Bolsonaro. Vale uma breve apresentação dos respectivos currículos, para não deixar nenhuma dúvida sobre o patrimonialismo que rege o Brasil, aqui caracterizado pela FPA.

Blairo Maggi é um dos maiores produtores de soja do mundo e representantes do agronegócio brasileiro. É o braço político de uma importante corporação, o grupo André Maggi (Amaggi), com sede em Cuiabá (MT) e que, de acordo com informações do próprio site da corporação, controla quatro divisões de empresas ligadas ao agronegócio. Atua no plantio, no processamento e no comércio de grãos, na produção de sementes, na pecuária, na venda de fertilizantes, na geração de energia elétrica, na administração portuária, no transporte fluvial e na exportação e importação, entre outros.14

O primeiro mandato de Blairo Maggi foi em 1994, como primeiro suplente do senador Jonas Pinheiro (PFL/MT). Foi eleito governador do Mato Grosso em 2002 e reeleito em 2006. Em 2011, elege-se senador, tendo deixado o cargo em maio de 2016 para assumir o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) (05/2016-31/12/2018) (Craide, 2016). É hoje uma das principais fortunas do Brasil, tendo em 2015 integrado a lista dos bilionários da revista Forbes (Petroli, 2015).15

Também conhecido como “rei da soja”, a trajetória de Blairo Maggi é um bom exemplo de como o sincretismo entre o público e o privado pode ser bastante lucrativo, uma vez que em poucas décadas teve seu patrimônio multiplicado algumas vezes e hoje é proprietário de uma das principais corporações do agronegócio. Isso não se deu sem custos, por exemplo, para o meio ambiente, uma vez que seus negócios levaram ao desmatamento em larga escala na Amazônia Legal, acabaram com a demarcação de terras indígenas e propiciaram projetos de infraestrutura potencialmente nocivos à biodiversidade. Por essas e por outras razões, já foi apontado por ONG atuantes em questões ambientais, como “inimigo número 1 do meio ambiente”. Em 2005, foi agraciado com o nada honroso troféu “motosserra de ouro” do Greenpeace, por sua significativa participação na devastação da floresta amazônica.16

Tereza Cristina, por sua vez, não é detentora de fortuna ou corporação comparável à de Blairo Maggi, mas tem extensa ficha de serviços prestados ao agronegócio brasileiro como deputada federal, eleita pela primeira vez em 2015, membro da FPA e agora ministra da Agricultura. Era presidenta da FPA e líder da bancada na Câmara dos Deputados do Brasil quando foi indicada para o cargo de ministra. De família de pecuaristas com atuação na política no Mato Grosso do Sul (neta e bisneta de ex-governadores do estado), ela própria já tinha atuado como secretária estadual de Desenvolvimento Agrário (Sampaio, 2018), além de já ter ocupado o cargo de gerente-executiva em quatro secretarias: Planejamento, Agricultura, Indústria, Comércio e Turismo. Também exerceu os cargos de diretora-presidente da Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e diretora-presidente da Empresa de Gestão de Recursos Minerais (Pedrozo, 2020).

Mais conhecida como “musa do veneno”, por sua posição favorável à aprovação do Projeto de Lei n. 6.299/2002 (PL do veneno), que flexibiliza as regras de utilização de agrotóxicos, assumiu o ministério defendendo essa e outras bandeiras correlatas.17 Além da regulamentação para o uso de novos venenos, está prevista até mesmo a mudança do termo agrotóxico, presente na legislação desde 1989, para defensivos fitossanitários ou pesticidas. Várias instituições se manifestaram contrárias às mudanças, como o Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), o Ministério Público Federal, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Instituto Nacional do Câncer (Inca), além de inúmeras organizações da sociedade civil (Quem é Tereza Cristina..., 2018).

Ademais da bandeira pela liberação geral dos agrotóxicos, a atuação de Tereza Cristina à frente do Mapa vem contribuindo direta ou indiretamente para vários outros retrocessos, alguns promovidos pelo próprio Ministério do Meio Ambiente, como a flexibilização das normas para licenciamento ambiental, a diminuição da fiscalização de instituições atuantes na proteção do meio ambiente, como o Ibama, e a suspensão da demarcação de terras indígenas, entre outros, comprometendo imediatamente alguns processos positivos que vinham em curso na última década, como a demarcação de terras de povos originários. Por outro lado, impactando gravemente o alarmante desmatamento no país, que vem batendo todos os recordes desde 2019.

Vale destacar que, após as declarações nefastas do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles para “passar a boiada”, enquanto organizações ambientalistas de todo o país se manifestavam pedindo a saída do ministro,18 financiadores da FPA publicaram anúncio pago de página inteira em jornais impressos de grande circulação - como a Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo e O Globo - em apoio às políticas do ministro, mas sem citá-lo nominalmente (Entidades empresariais..., 2020; “No meio ambiente..., 2020). Com o título de No meio ambiente, a burocracia também devasta, o manifesto defende a desburocratização como aliada à preservação ambiental. Entre os signatários do manifesto, estão alguns dos principais financiadores do Instituto Pensar Agro (IPA), que sustenta a FPA. A lista era longa, com 88 apoiadores, e, além de entidades diretamente relacionadas com o agronegócio, continha também representantes de empreiteiras e do mercado imobiliário, entre outros.19

Para completar as evidências do nó da relação orgânica entre o Estado e agentes do agronegócio, apresentamos dois mapas bastante didáticos e esclarecedores. Um apresenta a produção de soja no Brasil no ano de 2015 (Figura 1), produzido pelo IBGE (2015), e o outro, os dados da votação para presidente, produzido pelo Observatório das Eleições, logo após o final do primeiro turno (Figura 2) (Veja o mapa..., 2018). Os mapas revelam a estarrecedora relação espacial entre as duas principais variáveis utilizadas, quais sejam, a área plantada com soja e o número de votos para o então candidato a presidente Jair Bolsonaro. O resultado é um indicador da força que o agronegócio representou para a eleição do atual presidente, caso alguém ainda tivesse dúvidas. Foi nas áreas onde predomina a produção de soja no Brasil, um dos signos maiores do agronegócio no país, que o hoje presidente Jair Bolsonaro obteve a maioria dos votos.




Figura 1
Brasil: produção de soja nos dez municípios que mais produzem - 2015







Figura 2
Brasil: votação para presidente com 98,3% das urnas apuradas - 2018



O nó da criminalização dos movimentos sociais

A criminalização dos movimentos sociais é outro nó que ficou mais apertado desde o golpe parlamentar de 2016. Vivemos um momento de extrema ofensiva conservadora da direita e da extrema direita, empenhadas em criminalizar e intimidar todos aqueles que lutam por um Brasil justo e soberano. Atos de violência e ódio vêm sendo propagados intensamente nas redes sociais e reverberam fortemente em várias instâncias. É mais uma demonstração da violência dos setores da elite econômica e política brasileira dispostos a promover uma onda de abuso e ódio à população mais pobre.

A cada dia temos notícias que demonstram intolerância contra movimentos populares, migrantes, população negra, LGBTQI+ etc., cenário no qual a ilegalidade e a falta de ética são mais regra do que exceção, por parte do judiciário, da polícia e da mídia. Parte da mídia criminaliza os movimentos populares (do campo, indígenas etc.), criando um clima que legitima a repressão policial e das milícias armadas no campo e na cidade.

Alguns expoentes deste momento de retrocesso político se sentem à vontade para destilar sua verborragia criminosa para atacar as comunidades indígenas, quilombolas, trabalhadores agrícolas sem-terra e pessoas trans. Defendem em público, sem nenhum constrangimento, acabar com reservas indígenas e quilombos. Em parte, usam a normatização oficial, sobretudo ao tentar aprovar projetos de lei como o que visa enquadrar os movimentos sociais na Lei Antiterrorismo, aprovada em 2016, por ocasião das Olimpíadas no Rio de Janeiro. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 5.065/2016, que tipifica atos de terrorismo por motivação ideológica, política, social e criminal. Quase uma permissão para o enquadramento de movimentos sociais e manifestantes de modo geral, que poderiam ser tachados como terroristas.20

Infelizmente, esse PL é apenas um dos que estão em tramitação no Congresso Nacional e que têm como mote o “combate ao terrorismo”. Efetivamente, há um conjunto de projetos de mesma natureza tramitando, liderados por aliados do governo Jair Bolsonaro e que visam cercear direitos da população não alinhada a ele. Entre as propostas, há inclusive a legalização da infiltração de agentes do Estado e o monitoramento telefônico e digital de grupos considerados suspeitos de “atos terroristas”. Ainda mais preocupante é o fato de que alguns PL podem ser aprovados diretamente em comissões das casas legislativas, sem passar por votação em plenário.21

Não podemos deixar de fazer o paralelo da tramitação desses PL com as declarações no mínimo desastrosas do atual ministro da Economia Paulo Guedes (01/01/2018-) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP, 2015-), no segundo semestre de 2019, por ocasião de manifestações populares de rua no Brasil, sobre a possibilidade de recriar um “novo Ato Institucional número 5”. Essas declarações foram amplamente divulgadas pela grande mídia em geral. Aos mais jovens e àqueles que estão inebriados com o governo à frente do executivo federal, lembramos que o AI-5 foi um dos mais perversos do período da ditadura militar brasileira.

Promulgado em 1968, vigorou por dez anos e foi responsável por uma gama de ações arbitrárias. Revogou direitos fundamentais, possibilitando a tortura, a censura a meios de comunicação, a intervenção do governo federal em estados e municípios, a cassação de mandatos de parlamentares e o fim do habeas corpus, entre outros. Em outras palavras, dava aos militares poder de exceção para perseguir e punir os que eram considerados inimigos do regime.22

Essa situação é muito preocupante, e a aprovação de um ou de alguns desses PL representará um enorme retrocesso no direito de livre manifestação do cidadão brasileiro. A título de exemplo, considerando o teor de tais PL, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), por exemplo, poderiam ser classificados como grupos terroristas. Por isso incluímos o nó da criminalização dos movimentos sociais como um dos imprescindíveis a ser desatado para a construção de uma sociedade mais plural.
Considerações finais

Diante do exposto, é fato que vivemos uma democracia rasurada no Brasil desde o golpe de 2016, que se agravou ainda mais com as eleições de 2018, processos que contaram com o apoio dos agentes do agronegócio.

O resultado de cinco décadas de privilégios concedidos aos setores do agronegócio no Brasil são o agravamento da concentração fundiária, a expulsão e expropriação de vários povos originários, com a eliminação de muitos saberes e fazeres historicamente construídos, a expansão de monoculturas, com a devastação ambiental e a diminuição da biodiversidade, com um avassalador processo de erosão genética, a difusão de especializações territoriais produtivas, com incremento da urbanização corporativa e reorganização urbano-regional, formação de regiões produtivas compostas por campo e cidades extremamente funcionais para o agronegócio, que revelam novas faces da pobreza estrutural.

Por outro lado, durante a pandemia de Covid-19, ainda em vigência, enquanto o agronegócio e suas mídias ostentam novos recordes de produção, produtividade e volume de exportação de commodities brasileiras, cresceu sensivelmente o número de pessoas sem acesso a alimentação, recolocando o Brasil no Mapa da Fome, do qual havia saído em 2014. Isso desmente outro mito associado ao agronegócio, qual seja, o de que acabaria com a fome no país.

Assim, as formas-conteúdo (Santos, M., 1996) do agronegócio não só podem como devem ser rejeitadas e substituídas por outras. Em caso contrário, não será possível construir um país mais democrático e menos desigual.

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1
Como os que ocorrem no CNPq, a maior agência de fomento à pesquisa do Brasil, que há décadas tem um papel primordial na formulação e na condução de políticas de ciência, tecnologia e inovação no país, comprometendo o desenvolvimento da ciência brasileira e, por fim, da própria soberania do Brasil. Mais informações sobre o tema podem ser vistos em Elias (2020a).
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No momento em que terminamos este artigo, em 9 de fevereiro de 2021, o mundo já contabilizou mais de 2,3 milhões de mortes pela Covid-19, somando o Brasil o segundo maior contingente, com 231.534 vidas perdidas, número superado apenas pelos 464.921 mortos nos EUA (Google, [s.d.]).
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O blogue Outras Mídias publicou matéria sobre o impacto da gestão atual na Funai (Souza, 2019).
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A declaração do ministro do Meio Ambiente tinha como objetivo alertar os participantes da reunião ministerial do que considerava uma oportunidade ensejada pela pandemia da Covid-19, qual seja, mudar leis ambientais que poderiam ser questionadas na Justiça, enquanto a sociedade e a mídia estavam voltadas para a pandemia (Ministro do Meio Ambiente..., 2020). A divulgação foi autorizada pelo então ministro do Supremo Tribunal Federal (Ministro Celso de Mello..., 2020).
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Entre as quais destacamos De Olho nos Ruralistas, Brasil de Fato, Outras Mídias, Carta Capital, Repórter Brasil, Diário do Centro do Mundo, Outras Palavras, Nexo Jornal, Le Monde Diplomatique Brasil, Mídia Ninja e A Terra é Redonda e o ranking de grandes empresas publicados por revistas e jornais de circulação nacional como Exame Melhores e Maiores, Valor 1000 Maiores Empresas, Globo Rural, Dinheiro Rural e Forbes.
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Esse debate se iniciou nos EUA na década de 1950, com John Davis e Ray Goldberg, que passaram a adotar e discutir a noção de agribusiness, que envolveria, além da própria atividade agropecuária, todos os setores associados a montante e a jusante dessa atividade. Com desdobramentos em vários outros países, no Brasil, o debate foi intenso, especialmente nas décadas de 1980-90, com vários autores discutindo o que chamavam de complexos agroindustriais (CAI) (Sorj, 1980; Muller, 1989; Silva, J., 1996; Mazzali, 2000) e outros de sistemas agroindustriais (SAG) (Farina; Zylbersztain, 1998).
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Informação fornecida por Ricardo Antunes durante um pequeno evento científico ocorrido na PUC-Rio, em outubro de 2016.
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Na subárea do conhecimento da Geografia Agrária brasileira, há um número grande de pesquisadores, laboratórios, grupos e redes de pesquisa que desenvolvem importantes estudos que trabalham diretamente com esses temas e muito ajudam a compreender aspectos diversos de tal realidade.
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De acordo com pesquisa conduzida pela ONG Repórteres Sem Fronteiras e pelo Coletivo Intervozes sobre a concentração midiática no Brasil, os membros da família Marinho que controlam o grupo Globo são donos de fazendas e empresas de produção agrícola. Têm ainda negócios no mercado imobiliário, no setor de finanças e de vendas. Isso faz com que a família esteja entre as que detêm as maiores fortunas do país (Vilela, 2018).
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Sobre o tema do agronegócio e da indústria cultural ver Chã (2018), Nobrega e Bandeira (2019) e Santos, A., Silva, D. e Maciel (2019).
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Após as eleições de 2018, uma reconfiguração da FPA tornou-a mais poderosa e também mais fisiológica, somando 225 deputados federais e 32 senadores em sua base. A lista completa de seus componentes com os partidos aos quais pertencem está disponível em Bassi (2019).
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Os recursos financeiros para a manutenção da FPA vêm do Instituto Pensar Agro (IPA), criado em 2011. Estes, por sua vez, vêm de um conjunto de grandes empresas e associações diretamente ligadas ao agronegócio, nacionais e multinacionais, assim como de outros setores como bancos, entre as quais estão a Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), a União da Indústria de Cana de Açúcar (Única) e empresas como Bayer, Basf, BRF, JBS, Bunge, Syngenta, Cargill, entre outras (Arroio, 2019).
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Eram várias as denúncias de envolvimento de Michel Temer em esquemas de corrupção. Entre os inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), podemos citar os mais divulgados na grande mídia, especialmente os associados à cobrança de propina de empresas atuantes no porto de Santos (SP) e à JBS, uma das principais corporações do agronegócio. Uma matéria publicada no site da UOL em 2019 cita que, ao todo, o emedebista era alvo de 10 inquéritos espalhados por Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo e já havia sido denunciado três vezes pelo Ministério Público Federal (MPF) (Shalders, 2019).
14
Para informações mais detalhadas sobre a corporação, ver Amaggi ([s.d.]). Para uma leitura geográfica, ver Silva, C. (2011).
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Dados do Jornal Contábil incluem Blairo Maggi entre as oito maiores fortunas entre os políticos brasileiros (Spigariol, 2018).
16
Para saber mais sobre a trajetória de Blairo Maggi, a formação da corporação controlada por ele e pela família, assim como sobre sua estreita relação com o Estado, ver Gonzáles (2018).
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Matéria do Repórter Brasil mostra a relação de empresários ligados aos agrotóxicos no financiamento da campanha de Tereza Cristina para deputada federal (Camargos, 2018).
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Tais como o Greenpeace e o Observatório do Clima, entre outros.
19
A título de exemplo, citamos a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), a Associação das Empresas Cerealistas do Brasil (Acebra), a Federação dos Plantadores de Cana do Brasil (Feplana), a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), a Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC), a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), o Sindicato da Indústria da Construção do Estado de Alagoas (Sinduscon-AL), a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e a Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop) (Castilho, 2020).
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A autoria do PL é do deputado Delegado Edson Moreira (PR-MG). Uma consulta ao site da Câmara dos Deputados em novembro de 2020 mostrou que o projeto de lei estava aguardando parecer do relator na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO) (Brasil, 2016).
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O informativo Independente fez um levantamento desses PL e somou 20 iniciativas de aliados bolsonaristas com objetivos próximos e complementares. A matéria também indica cada um deles segundo seu autor, além do principal objetivo, assim como o número do PL, o que permite aos interessados acessarem a página da Câmara dos Deputados e saber mais detalhes, incluindo sobre a situação da tramitação (Bruza, 2019).
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As falas do ministro da Economia e do deputado federal suscitaram um conjunto de publicações nas mídias oficiais e alternativas sobre do AI-5. Entre elas, citamos a webstorie da Folha de S.Paulo (2020) e as reportagens do Brasil de Fato (Sudré, 2019) e do El País (Betim, 2019).
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