domingo, 15 de maio de 2022

O aprofundamento da fome no Brasil




José Dias Campos

Devido a vários aspectos originados pela pandemia e ao desgoverno, voltamos a presenciar a triste realidade da fome

As muitas crises vivenciadas tem levado grande parte da população brasileira a um maior estado de vulnerabilidade social, o tão conhecido estado de miséria.

É evidente que precisamos entender a fome não só a partir da escassez de alimentos sólidos, mas, também da água como alimento e tantas outras necessidades ao bem estar da vida que, ao aprofundar-se constituem-se espécies de fome. Por exemplo, fome de paz, fome de cultura, fome de tolerância, fome de bem estar, fome de amor ao próximo. São muitos os estados de fome por que passa a humanidade e particularmente o Brasil.

Talvez só os incessíveis, se é que eles existem, não conseguem vivenciar algum estado de fome ocasionada pela ausência de alguma necessidade fundamental para a vida.

Atualmente no Brasil vivenciamos um grande estado de fome, originado a partir dos impactos da pandemia e, agravado pelo aprofundamento do processo inflacionário e de desgoverno, que tem se refletido na ausência de políticas públicas eficazes de distribuição de renda, principalmente, para as camadas mais frágeis da população.

No passado foram vivenciados estados de miserabilidade muitos graves, nos quais famílias procuravam no lixo restos de alimentos. Infelizmente, essas cenas têm voltado ao cenário. É algo muito triste!

Só quem vivenciou períodos tristes de fome pode ter a dimensão do sofrimento por que passa grande parte da população brasileira, em estado de profunda fome.

No ano de 1970, ainda criança, pude experimentar o que é ter fome. Saia com minha irmã mais nova até os pés de umbu para comer as folhas, pois já não havia mais frutos.

Lembro-me que naquela época eu ia com meu pai para a feira e ele tinha o hábito de experimentar a farinha, seca, de mandioca, a venda a granel em caixotes no mercado central de Teixeira. Ele pegava um punhado com a mão e levava até a boca e, eu o acompanhava nesse ato porque tinha fome e não dispunha de dinheiro sequer para comprar um pão.

Os poucos recursos que meu pai reunia para a feira eram escassos, frutos da ação de cooperação dos meus irmãos mais velhos que trabalhavam alugado ou no sisal, uma vez que ele era doente e não podia trabalhar. Foi algo muito triste que ficou marcado na minha vida.


(Foto: Leonardo Henrique/ MST)

Naquela época, praticamente não se conseguia compra mistura, ou seja, proteínas para compor a dieta alimentar e nutricional. Então lembro que íamos nas sextas-feiras, véspera da feira livre até o matadouro para pedir o sangue de boi, algo que não era comercializado, para cozinha e servir de mistura.

Esse tempo passou, graças aos frutos da luta de muitos e muitas por melhores condições de vida e da sensibilidade de governantes ao apelo dos mais fragilizados, embora tenha ficado muito marcado na minha memória.

Hoje, infelizmente vejo voltar essa triste cena através da realidade de muitas famílias que passam fome e outras que não conseguem comprar nada de proteína e vão para filas em busca de ossos ou a procura de restos de alimentos no lixo. A que estado de fome chegamos e até aonde vamos! Precisarmos reagir!

O Centro de Educação Popular e Formação Social (CEPFS), organização social com mais de 35 anos de ação em busca da convivência com as adversidades do clima, no semiárido da Paraíba, por meio de sua equipe já vivenciou diversas realidades: os saques as feiras livres e supermercados na década de 1990 e o desenvolvimento das denominadas frentes de emergências, forma utilizada pelos governantes para combater a seca na época.

Posteriormente vivenciou e executou políticas publicas de convivência com as adversidades do clima semiárido, por meio da construção de reservatórios descentralizados de captação e armazenamento de água para o consumo humano e para a produção de alimentos saudáveis, a partir de parceria com governos mais sensíveis a causa dos camponeses(as).

Agora, devido a vários aspectos originados pela pandemia e o desgoverno volta a vivenciar essa triste realidade, na qual há agricultores e agricultoras que passam fome. Por isso lançou um apelo solidário através da campanha de arrecadação de alimentos e recursos para cesta básicas, buscando amenizar a situação daqueles que estão em estado de fome, em sua região de atuação: o remédio para a fome é dar de comer!



José Dias Campos é coordenador executivo do Centro de Educação Popular e Formação Social.
Le Monde Diplomatique

Nenhum comentário:

Geografia e a Arte

Geografia e a Arte
Currais Novos