Texto: Sérgio Adeodato
Pequenas vilas rurais com moradias de barro abrigam quem trabalha nas plantações de arroz
Existe um país tropical – e não é o Brasil – em que a fala mansa e “arrastada” da população denota um estado de espírito. “A nossa cultura é baseada na calma; o mundo pode estar acabando, mas para nós está tudo ótimo”, afirma o guia Barry Amadou. Estamos na República do Mali, um dos países mais pobres do mundo, ocupado em sua faixa norte pelo deserto do Saara, o maior do mundo. Chegar lá é uma aventura perigosa, não só pelas tempestades de areia, mas pela pilhagem de terroristas do Al Qaeda refugiados naquela aridez desabitada. São ao todo 9 milhões de km² de deserto, quase a área de toda a Europa, dos quais um boa parte está em território maliano. Mas algo mais ameaçador acontece naquela paisagem inóspita, e a causa está nas ações do homem em todo o planeta. O deserto está aumentando. Nos últimos 40 anos, o lendário Saara já cresceu 200 km para o sul – e continua expandindo-se, tornando regiões produtivas estéreis, com impactos no aumento da fome e da miséria. A causa provável, de acordo com cientistas da Organização Meteorológica Mundial, vem do homem: o aquecimento global.
Na região de Mopti, na parte mais ao sul do deserto em território maliano, a temperatura média atual é 1º C mais quente que 50 anos atrás, afirmam os cientistas. A desertificação atinge em cheio o rio Níger, um dos maiores e mais importantes da África. Suas águas nascem nas montanhas da fronteira da Guiné com Serra Leoa e percorrem 4.180 km até atingir o Atlântico, sendo fonte de abastecimento público e irrigação de cultivos. Ao seguir o caminho do rio, constatamos impactos que colocam em risco o sustento da população – e percebemos os limites da pobreza para enfrentar as mudanças climáticas. Desde a década de 1970, as chuvas diminuíram 20%, reduzindo o volume dos rios pela metade. O Níger perde por ano 30 bilhões de metros cúbicos de água e, minguado, entope com os sedimentos que escorrem das plantações, agravando os efeitos da desertificação. A região do delta, a mais importante planície alagável do oeste africano, encolheu 50%. O impacto não atinge só os crocodilos. Com menos água e mais calor, o rio sofre a invasão de plantas exóticas, que prejudicam a navegação e a geração de energia hidrelétrica. O problema também rebaixou os lençóis de água subterrânea, obrigando a perfuração de poços cada vez mais profundos para abastecer a população. As mudanças no ambiente espalham doenças endêmicas, como a malária, para regiões antes imunes.
Revista Horizonte Geográfico
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