domingo, 23 de novembro de 2008

O fast food e a mundialização do gosto - parte 3



O Domínio das Marcas e a Normatização do Consumo

Atualmente, o Brasil tem despertado um grande interesse nos franqueadores estrangeiros, principalmente os norte-americanos. Embora nosso país tenha mais da metade de sua população classificada como miserável e pobre, as outras pessoas que não se enquadram nessa massa de pobreza significam muitos consumidores ativos, que poderão ser conquistados pelas empresas comerciais. Outro fator que colabora para que este interesse se dê é o "charme" criado pela mídia mundial, despertando a preferência pelas franquias internacionais junto ao consumidor brasileiro. Esse “gosto global” faz com que muitos investidores nacionais se interessem por franquias estrangeiras. Nos logotipos também constatamos que, mesmo as empresas sendo nacionais, existe uma forte tendência em se "vestirem" de internacionais, para conquistarem o mercado interno. Entretanto, isso não ocorre só no Brasil; hoje assiste-se a uma mundialização da cultura, já que o consumidor deixa de ser nacional e torna-se mundial. Concordamos com CORBISIER (apud ORTIZ, 1994, p.183) quando afirma que: “Importar o produto acabado é importar o Ser, a forma que encarna e reflete a cosmovisão daqueles que a produziram. Ao importar o cadillac, o chicletes, a Coca-Cola e o cinema, não importamos apenas objetos e mercadorias, mas também todo um complexo de valores e de condutas que se acham implicados nesses produtos”. A globalização dos gostos favorece significativamente ao sistema de franquia, pois nesse sistema o global se faz presente em todas as suas fases de desenvolvimento. Ele próprio é um sistema importado, melhor, tem origem num centro - os EUA, e isto também encerra um significado, como já foi dito anteriormente. Atualmente, torna-se cada vez mais evidente e generalizado o dinamismo das forças que operam no mercado mundial: intensificam-se as lutas por novos espaços, os negócios ganham velocidade. A busca pela liderança do setor torna-se objetivo prioritário dentro das empresas. Como essa velocidade é decisiva, os negócios ganham agilidade e alguns produtos proliferam nesse mercado, agora global, gerando mudanças nos hábitos de consumo. Tudo isso faz com que a homogeneização dos gostos se concretize mais rapidamente. Para que esta velocidade se dê, o espaço necessita de fluidez. É neste sentido que: “a distância-tempo vai sendo abolida pelos diversos meios de comunicação e telecomunicação, e a arquitetura urbana passa então a relacionar-se com a abertura de um espaço-tempo tecnológico” (VIRILIO, 1993, p.10). Assiste-se atualmente a uma intensificação das relações sociais em escala global. A tecnologia propicia novas relações espaço-tempo, o local e o global se confundem, inibindo o nacional, e fica-nos cada vez mais difícil identificá-los. No sistema de franquia essas relações mundiais são nítidas, já que a homogeneização dos gostos está sendo concretizada a largos passos e as ligações íntimas com o nacional estão sendo abolidas.
No Brasil, o gosto global vem se estabelecendo progressivamente e o sistema de franquia muito tem lucrado com isso, pois vem demonstrando nos últimos anos alto nível de crescimento. O fast food é homogeneizante, mas inclui diferenças de estratos sociais e culturais. Há uma preocupação no mercado de alimentação em agradar as pessoas, que de alguma forma resistem aos costumes locais ou mundiais: é o mercado dos migrantes. Para satisfazer esse “público”, tem ocorrido a criação sistemática de fast food chinês, japonês e outros, com opções mais regionalizadas e menos mundializadas; mesmo assim, se mantém, e é preciso reafirmar o espírito “americano” do fast food. A lógica econômica mundial invade mentes, corações e privacidades, e através do dinamismo e da força tecnológica derruba fronteiras e nacionalismos. A mídia internacional, neste contexto, não permite somente o consumo dos objetos, faz também o consumo das ideologias, se fazendo consumir. Como afirma BAUDRILLARD (1989, p.206): “O consumo não é nem uma prática material, nem uma fenomenologia da “abundância”, não se define nem pelo alimento que se digere, nem pelo vestuário que se veste, nem pelo carro que se usa, nem pela substância significante; é ele a totalidade virtual de todos os objetos e mensagens constituídos de agora então em um discurso cada vez mais coerente. O consumo, pelo fato de possuir um sentido, é uma atividade de manipulação sistemática de signos.” Para discutir essa “manipulação” via consumo, nos deteremos no sistema de franquia como forma comercial, e não no comércio de forma geral. Para isso, daremos destaque à “marca”, enquanto linguagem do consumo, pois é através dela que esse sistema exerce seu poder. Atreladas a uma “marca” específica e conceituada, as redes de franquias divulgam sua mensagem, elaborando signos distintos e despertando novas formas de consumo. Os produtos oferecidos têm um código mundial, decifrável e identificável por grupos. Embora haja “liberdade” de escolha, esse tipo de comércio seleciona seu público pela sua própria “imagem”.
Com base na descrição do público-alvo das empresas, percebe-se que, embora muitas empresas não delimitem rigorosamente esse público, elas o selecionam pela sua própria imagem. A sociedade atual se divide em grupos, que se revelam verdadeiras “tribos”. Esses grupos se formam, tendo um elo de ligação forte, uma espécie de identidade entre os indivíduos que os compõem, seja pela idade, sexo, ou preferências materiais, morais e sociais. Isto acaba criando, nos lugares, ambientes diferenciados e identificados por grupos. Os teens, atualmente, formam um enorme grupo mundial, segundo uma recente pesquisa desenvolvida em 41 países e publicada pela FOLHA DE SÃO PAULO (28/07/96, 30 caderno, pp.1): “Alimentados pelas informações trazidas pelas TV, inclusive pelas televisões a cabo, pelo computador e pela Internet, os teens estão cada vez mais parecidos. Apesar das dramáticas diferenças entre Hong Kong, Brasil e Polônia, por exemplo, adolecentes ao redor do mundo formam hoje a primeira geração com a mesma cabeça, um exército vestido com as mesmas marcas de jeans e camiseta, que consome os mesmos refrigerantes, fast food e aparelhos eletrônicos”. Embora tenhamos, a todo momento, nos referido à globalização dos gostos, gostaríamos de complementar, dizendo que: a globalização se realiza também através da diferenciação, pois a globalização é, ao mesmo tempo, a fragmentação; a padronização e a diferença; o local e o global não se contrapõem, pelo contrário, são faces de um mesmo processo. Afinal “um mundo nivelado não é um mundo homogêneo”, afirma ORTIZ (1994, p. 181). Esse autor acredita que a idéia de nivelamento cultural parece ser mais adequada do que a de homogeneização. “Ela nos permite apreender o processo de convergência dos hábitos culturais, mas preservando as diferenças entre os diversos níveis de vida. A padronização não é neste caso negada, mas se vincula apenas a alguns segmentos sociais”. A idéia que agora colocamos é a de que o modelo de reprodução do mundo capitalista atual tem nos levado a uma nova perspectiva do tempo e do espaço, governada pelo tempo produtivista. Acreditamos que, com o avanço desse processo, as velhas funções das cidades

ficarão ainda mais subordinadas e serão sistematicamente redefinidas. A citação que segue, complementa o que estamos dizendo: “A cidade transforma-se em simulacro, preenchida por signos e imagens. Os sinais emitem ordem: Beba Coca Cola, Fume Marlboro, Compre um Mazda, Use Nike, More em Alphaville, Ande (farol verde), Pare (Vermelho), Diminua o passo (amarelo). Proibido estacionar, Proibido virar à esquerda... Os objetos se dispõem numa ordem hierarquizada, reduzidos ao signo, criando um modelo cômodo para manipular pessoas e consciências na medida em que o signo separa-se do significado e do significante, tornando o objeto mágico que entra no sonho das pessoas. Transforma-se numa ordem que regulariza comportamentos e determina ações. Ao sentido do uso prático se superpõe o consumo do signo. A mercadoria passa a ser produtora de uma realidade, pois transforma em objeto valorizado e desejado. A mídia se instala na vida cotidiana como programação da duração do tempo da jornada de trabalho - não-trabalho através da publicidade” (CARLOS, 1993, p. 94). Ao percorrermos esse caminho de análise, entendemos que a normatização dos gostos passa a ser fundamental, para que esse modelo de produção continue a se reproduzir. No sistema de franquia a produção e a troca, o administrável e o tecnológico passam a fazer parte de um mesmo processo; essas transformações no processo produtivo conduzem o mercado, o gosto, a necessidade e passam a requerer um novo tempo e um novo espaço.

Artigo publicado no Vol. V / 1997 da Revista Cadernos de Debate, uma publicação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da UNICAMP, páginas 21-45.
Silvia Aparecida Guarnieri Ortigoza

enviado por alvarenganj@yahoo.com.br

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