O Brasil
iniciou a produção de biodiesel em 2005, ano em que gerou cerca de 700 mil
litros do biocombustível. Em 2010, o volume foi ampliado para 2,4 bilhões de
litros, número que catapultou o país à condição de segundo maior produtor
mundial, atrás da Alemanha. Tese de doutorado apresentada recentemente à
Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, desenvolvida por Marcelo
Pereira da Cunha, avaliou e comparou os impactos e indicadores socioeconômicos
e ambientais das principais rotas de produção do biodiesel no país, no referido
período. De acordo com o estudo, orientado pelos professores Arnaldo Cesar da
Silva Walter e Joaquim José Martins Guilhoto, 96% do biocombustível brasileiro
tem como matérias-primas a soja (82%) e o sebo bovino (14%). “Isso demonstra
que o estabelecimento do setor está apoiado nas oportunidades associadas às
cadeias produtivas da soja e do abate de bovinos, que estão consolidadas. A
participação da agricultura familiar no sistema, uma das premissas do PNPB
[Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel] como fator de geração de
emprego e renda, tem sido pouca expressiva”, afirma o autor da pesquisa.
Conforme Cunha, que se graduou em engenharia mecânica, foram
consideradas na tese cinco rotas de produção de biodiesel: soja (duas), sebo
bovino, óleo de algodão e óleo de girassol, sendo este último obtido a partir
de uma experiência relacionada com a agricultura familiar. Para promover a
avaliação, o pesquisador se valeu de uma metodologia denominada Análise de
Insumo-Produto. Assim, ele pôde quantificar os impactos e indicadores relativos
à produção setorial, empregos gerados, valor adicionado (PIB), balanço
energético e emissões de gases de efeito estufa (GEE). O ano base considerado
foi o de 2004, último que antecedeu o início da produção do biocombustível. Em
relação a 2004, observa Cunha, os resultados obtidos indicam a necessidade de
subsídio à produção do biodiesel, exceto na rota a partir do sebo bovino.
De maneira geral, assinala o engenheiro mecânico, produzir o
biocombustível com as matérias-primas atuais custa mais caro do que produzir o
diesel mineral. “Aqui, vale uma observação. Cabe à sociedade decidir se vale a
pena continuar pagando mais pelo combustível renovável, levando em conta as
possíveis vantagens que ele pode proporcionar, como a redução das emissões de
gases de efeito estufa e os eventuais benefícios socioeconômicos gerados”, pontua.
Em relação às rotas da soja, o autor da tese destaca que o aumento da produção
de biodiesel ocorreu sem que houvesse a ampliação da área colhida. Assim, boa
parte do avanço se deu por causa das reduções nas exportações do óleo, que
foram convertidos em biocombustível (veja gráfico nesta página), bem como a um
aumento da produtividade da soja em 2010. Ao aplicar o modelo com base nesses
dados, Cunha apurou que o corte nas exportações de óleo de soja para a produção
de biodiesel não traria vantagens em termos do valor adicionado na economia,
visto que o resultado final seria um impacto negativo no PIB.
O mesmo não ocorreria, por exemplo, tomando como premissa a
redução nas exportações da soja para a mesma finalidade. Considerando também os
coprodutos gerados com o esmagamento do grão para a produção do biodiesel
(principalmente farelo), mesmo com a necessidade de subsídios, haveria um
benefício econômico de R$ 0,78/l do biocombustível, supondo-se uma produção de
biodiesel para substituir toda a importação de óleo diesel mineral em 2004. Já
em relação à rota a partir do girassol, baseado no modelo de produção da
agricultura familiar, o benefício em um cenário B1 (adição de 1% de biodiesel
ao diesel fóssil) seria de R$ 2,22/l. “Neste caso, porém, é preciso considerar
que esse ganho seria à custa de uma remuneração média do fator trabalho 87%
inferior à média do país naquele ano (2004)”, adverte Cunha.
No que toca à criação de empregos, o autor da tese diz que o
impacto proporcionado pelo PNPB ficou muito abaixo do estimado pelo governo
federal na ocasião do lançamento do programa. Principal matéria-prima utilizada
para a fabricação do biodiesel no Brasil, a soja é uma cultura muito
tecnificada, ou seja, por mais que haja expansão na área cultivada (o que não
aconteceu entre 2005 e 2010), a geração de postos de trabalho não é expressiva.
O mesmo ocorreu em relação à agricultura familiar, que tem sido pouco
aproveitada, como já mencionado. “Quando se fala de agricultura familiar, é
preciso separar as coisas. Neste sentido, quando foi lançado, o PNPB focava
principalmente os pequenos produtores do Nordeste, que praticam cultivo de
subsistência e têm baixíssimo uso de tecnologia. Acontece, no entanto, que 90%
da matéria-prima com selo social utilizada na fabricação do biodiesel vêm de
agricultores familiares da região Sul, cuja estrutura produtiva é muito
diferente daquela encontrada nas regiões mais carentes do Brasil”, compara o
engenheiro mecânico.
Evolução da produção e destino
do óleo de soja no Brasil de 2001 a 2010
do óleo de soja no Brasil de 2001 a 2010
Ao analisar a rota de produção a partir do girassol, tendo
por base estudo de outro orientado do professor Arnaldo Walter, que gerenciou
projeto do qual a Petrobras participou em uma cooperativa de agricultores
familiares da região denominada como Território do Mato Grande, no Rio Grande
do Norte, Cunha constatou que o indicador de empregos gerados é 15vezes o da
produção de biodiesel advindo da soja. “Em contrapartida, reforce-se, a renda
associada à atividade é 87% menor do que a média brasileira em 2004. Esses
resultados trazem à tona as reais possibilidades – e os custos a elas
associados – de se fazer com que um programa de produção de biocombustível
contribua, de forma significativa, para tirar um contingente expressivo da
população da condição de miséria”, considera Cunha.
Ainda sobre a questão do emprego, o pesquisador fez uma
comparação acerca de uma hipotética expansão da área cultivada de soja para a
produção de biodiesel. A despeito de o setor ser altamente mecanizado, os
impactos dessa medida sobre o indicador seriam positivos em comparação à
produção do diesel mineral. “Se pensarmos numa produção de 2 bilhões de litros
e levarmos em conta que cada hectare cultivado gera cerca de 500 litros do
bicombustível, nós precisaríamos de mais 4 milhões de hectares de terra para
atingir a marca projetada. Vale lembrar que essa área é próxima da usada para a
plantação de toda a cana utilizada no país para a produção de etanol (em torno
de 28 bilhões de litros ao ano). Ocorre que a cana tem um rendimento muito
superior ao da soja. Cada hectare de cana gera aproximadamente 7 mil litros de
álcool”, compara.
Convertida em números, essa vantagem do biodiesel de soja
sobre o diesel de petróleo, no que toca à geração de empregos, pode ser
expressa da seguinte forma. Cada terajoule (unidade de energia) de diesel
produzido gera 0,25 emprego. Quando considerado o biocombustível a partir da
soja, esse número salta para 1,44. “Ou seja, mesmo altamente tecnificada, a
produção de soja gera seis vezes o número de postos de trabalho do setor de
produção de diesel mineral. Além disso, também contribui de forma mais
expressiva com o PIB. Vale lembrar que cada gigajoule de diesel traz um
acréscimo de R$ 15,10 ao PIB. Já o biodiesel de soja acrescenta R$ 19,12”. Em
contrapartida, enquanto a remuneração média dos trabalhadores na cadeia
associada ao diesel mineral é de R$ 1,7 mil, na do diesel de soja ela cai para
R$ 1,2 mil. “Este segundo número é inferior ao primeiro, mas não é ruim, visto
que é 36% superior à média da economia brasileira em 2004”, lembra o autor da
tese.
A situação menos favorável fica por conta da remuneração
média paga na rota do girassol. Em 2004, ela equivalia a R$ 127, valor inferior
ao salário mínimo da época. “Por outro lado, há que se considerar que esses
agricultores praticam uma atividade de subsistência. Assim, para eles, essa
renda complementar, mesmo que baixa, pode ser importante. Em economia, é
preciso trabalhar também com as questões marginais. De toda forma, é algo para
o governo analisar: é exequível e faz sentido usar um programa de energia
apoiado em um sistema de agricultura familiar com remunerações tão baixas?
Pessoalmente, penso que não. Outro ponto a se pensar é o seguinte: não seria
mais apropriado empregar os subsídios destinados à produção de biodiesel de
soja – nada contra os produtores do grão – para a produção de alimentos, que
geraria mais emprego e renda? Ou, quem sabe ainda, usar parte dos recursos para
qualificar os pequenos agricultores, para que cultivem produtos com maior valor
adicionado?”, indaga.
Na tese, Cunha também analisou dois indicadores ambientais,
relacionados às questões do balanço de energia (produção de energia renovável
em relação à energia não renovável) e da redução de emissões de gases de efeito
estufa. O primeiro refere-se a um indicador para avaliar o esforço de um país
para reduzir a sua dependência de combustíveis derivados de petróleo, visto que
boa parte das reservas está concentrada em regiões complicadas em termos
geopolíticos. “Para o Brasil, a redução de dependência faz algum sentido, dado
que ainda importamos derivados, como o próprio óleo diesel. Em relação à
diminuição da emissão de GEE, não penso que seja um objetivo tão justificável
assim. Embora sejamos o quinto país em emissões anuais de GEE, nossa matriz
energética é fortemente baseada em fontes renováveis. Ademais, nosso calcanhar
de Aquiles não está exatamente na emissão a partir de combustíveis fósseis, mas
sim no desmatamento e nas queimadas. Quem tem que se preocupar em reduzir
drasticamente as emissões de gases de efeito estufa a partir da combustão de
combustíveis fósseis são, principalmente, os países desenvolvidos”, analisa o
engenheiro mecânico.
Publicação
Tese: “Avaliação de impactos e indicadores
socioeconômicos e ambientais de rota de produção de biodiesel no Brasil,
baseada em análise insumo-produto”
Autor: Marcelo Pereira da Cunha
Orientadores: Arnaldo Cesar da Silva Walter e Joaquim José Martins
Guilhoto
Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)
Jornal Unicamp
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