por Carlos Federico Domínguez Avila
Em 28 de junho de 2009, os hondurenhos estavam convidados a participar em uma consulta popular não-vinculante que possibilitaria (ou não) a realização de um plebiscito conjunta e simultaneamente com as eleições gerais programadas para 27 de novembro deste ano. Na hipótese de ter massivo apóio popular o plebiscito demandaria reformas constitucionais no governo a ser empossado em janeiro de 2010. É importante ressaltar que, diferentemente do que normalmente aparece na imprensa, o presidente José Manuel Zelaya Rosales (2006-2010) não é – e nunca foi – candidato a um novo período de governo – isto é, a uma eventual reeleição consecutiva, que de fato não existe história política recente do país.
Ao mesmo tempo, é inegável que o Honduras precisa de amplas e profundas reformas constitucionais, inclusive para – seguindo as recomendações do PNUD e seu consagrado relatório sobre A Democracia na América Latina (de 2004) – conseguir uma transformação da democracia eleitoral existente no país em uma democracia de cidadania.
Observe-se que durante todo seu governo o presidente Zelaya – sem ser necessariamente de orientação esquerdista – conquistou evidente apóio popular pelo firme compromisso com a justiça social, com crescimento econômico, com a luta contra a corrupção e o privilegio, e com o projeto democrático. Igualmente foi marcante seu compromisso com a diversificação das opções em política internacional.Lamentavelmente a alternativa popular causou irritação na fechada e obscurantista elite dominante do país.
Foi precisamente para evitar eventuais reformas constitucionais que, na madrugada de 28 de junho, um comando militar invadiu a residência do presidente da República, seqüestrou-o e finalmente expulsou-o do país. Poucas horas depois foi apresentada uma – patética e falsa – carta de renuncia do Zelaya. E eventualmente a oligarquia local, os militares e seus agentes e simpatizantes (inclusive aqueles tradicionalmente presentes no Parlamento e na Corte Suprema) anunciaram candidamente uma “sucessão constitucional.” Na verdade inaugurou-se um regime despótico e usurpador que se sustenta nas armas, na repressão e em uma ultrapassada concepção elitista das relações entre a sociedade e o Estado.
Contudo, e em contraste com golpes palacianos do passado, nesta oportunidade uma parcela significativa, consciente e conseqüente do povo hondurenho, encabeçado pelo denominado Frente Nacional de Resistência contra o Golpe, não aceitou a autoritária, veleidosa e traiçoeira ação golpista. Desde então, milhares de operários, camponeses, mulheres, jovens, moradores, indígenas, afro-descendentes, minorias sociais e docentes, dentre outros setores populares, têm realizado todo tipo de ações pacíficas para remover os usurpadores. Na práxis, eles representam e expressam a noção de soberania popular. Certamentea Resistência e a reserva moral, democrática e cidadã da nação em um momento decisivo da história. Acontece que em Honduras está em jogo não somente a dignidade de todo um povo, como também a natureza profética e libertadora do projeto democrático latino-americano.
Nesse contexto geral, o governo e o povo brasileiro condenaram desde o primeiro momento o golpe. Essencialmente Brasília acredita – junto com (quase) toda a comunidade hemisférica e mundial – que a resolução da crise hondurenha passa necessariamente pela via negociada entre as partes em conflito. Nessa linha, o presidente Lula e o chanceler Celso Amorim concordam com a plataforma política, filosófica e metodológica do denominado “acordo de São José” impulsionado pelo presidente da Costa Rica Oscar Arias Sanchez. Resumidamente o acordo de São José propugna por um pacto político que deverá necessariamente incluir os seguintes aspectos: (i) a restituição do presidente Zelaya para concluir pacificamente seu período de governo, (ii) a realização de eleições livres em 27 de novembro, (iii) a toma de posse de um novo e legítimo governo em janeiro de 2010, e (iv) a concessão de anistia política. Observe-se que o acordo de São José foi aceito imediatamente pelo presidente Zelaya, porém rejeitado pelo grupo golpista – que procura ganhar tempo com táticas dilatórias procurando emplacar, nas eleições de novembro, um novo governo conservador no país.
Daí a altíssima relevância da concessão de apoio, proteção e hospitalidade na sede da representação diplomática brasileira em Tegucigalpa a um presidente legítimo – e indiretamente a um povo em luta direta, democrática e pacífica contra o autoritarismo, a reação e o obscurantismo. “Obrigado Brasil!” diziam recentemente as faixas dos protestos populares em toda a geografia do país centro-americano, em contraste com as mentiras, a repressão e o radicalismo dos usurpadores e seus simpatizantes.
Em síntese, e ainda que possa parecer um tanto maniqueísta, a crise hondurenha deve continuar sendo abordada sob a óptica da histórica contradição entre autoritarismo e democracia – ou entre golpistas e democratas.E, salvo melhor juízo, aqueles que realmente acreditam na vigência do projeto democrático latino-americano não podem deixar de identificar-se com os homens e mulheres que, após 90 dias de luta constante e crescente, continuam firmes na linha de frente contra o autoritarismo e um eventual “dominó reacionário” em nosso continente e no mundo.
Carlos Federico Domínguez Avila é Doutor em História pela Universidade de Brasília. Docente e pesquisador do Mestrado em Ciência Política do UNIEURO (cdominguez_unieuro@yahoo.com.br).
Meridiano 47
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