Fotos: Sheila Oliveira
A carnaúba é parte inseparável da paisagem do semiárido nordestino e tão arraigada ao modo de vida do sertanejo que se tornou o símbolo de sua sobrevivência
Palhas da carnaúba para serem utilizadas como palha trabalhada para artesanato
Não é de estranhar que o escritor cearense José de Alencar (1829-1877) comece a história de amor de uma índia com um guerreiro branco em Iracema, seu livro mais famoso, aludindo a carnaúba. Afinal, a intenção do autor, nessa metáfora da formação da nação brasileira, era valorizar a terra natal, mostrando o que havia de belo e engrandecedor na natureza virgem que iria se unir à cultura europeia. E a carnaúba, “onde canta a jandaia”, como ele escreveu poeticamente referindo-se à ave, é parte da paisagem e da cultura da terra (veja nos quadros as menções à carnaúba por parte de Alencar e de outros escritores brasileiros). Embora existam outras palmeiras da mesma família na Venezuela, Bolívia e Paraguai, a Copernicia prunifera é exclusiva do Brasil.
Do litoral ao sertão, a carnaúba está sempre presente no cenário do semiárido, distribuindo-se do Maranhão à Bahia ao longo dos rios ou em áreas inundadas e de pouca profundidade. Os índios aproveitavam quase tudo dessa “árvore que arranha”, significado da palavra carnaúba na língua tupi, referindo-se à sua casca áspera. Da palha e da fibra, faziam as vestes tradicionais, o artesanato, as redes e até a coberta das casas. Do tronco, saíam os artefatos; do palmito, a farinha; dos frutos, o alimento; das raízes e amêndoas, remédios capazes de curar as piores dores.
Os sertanejos acrescentaram mais algumas aplicações à árvore de mil e uma utilidades. A palha serve hoje para adubação do solo e a cera, obtida do pó que é extraído e processado das folhas, é um insumo valioso que entra na composição de diversos produtos industriais, como cosméticos, cápsulas de remédios, revestimento de componentes eletrônicos, verniz e produtos de limpeza. A presença da cera nas folhas, aliás, é uma característica apenas da carnaúba brasileira, sendo consequência de sua adaptação às regiões secas. Ela dificulta a perda de água por transpiração e protege a planta contra o ataque de fungos.
A cera chamou a atenção dos europeus para a árvore ainda nos tempos do Brasil Colônia. Usada para fazer as velas que, já no século 18, iluminavam as noites na metrópole, a carnaúba era a origem de um dos principais produtos brasileiros de exportação. Mas foi no século 20 que a cera ganhou status de produto estratégico para a indústria, ao se tornar matéria-prima obrigatória de papel-carbono e graxa para sapatos, impermeabilização de metais e na fabricação dos antigos discos de vinil. Já faz parte da história a viagem épica do empresário Samuel Johnson, dono das Ceras Johnson, que, em 1935, veio ao Brasil a bordo de um hidroavião para conhecer de perto a árvore que era a origem de seus produtos para polimento de assoalhos.
Na década de 1950 começou o período de decadência econômica, pois a palmeira que crescia naturalmente não existia em número suficiente para atender a demanda sempre crescente. Isso fez com que a cera fosse aos poucos sendo substituída por derivados do petróleo que, inclusive, eram mais baratos. Mesmo assim, ela ainda é insuperável, por exemplo, como isolante elétrico nos chips de computadores.Com o tempo, os nordestinos adaptaram a matéria-prima a suas vidas e a sua cultura e aprenderam a utilizar a palha para chapéus e tapetes, que são a principal atração de várias cidades do interior cearense. Em localidades pequenas, habitações inteiras são construídas com o material da árvore: telhados, cordas, sacos, esteiras, balaios, cestos, redes e mantas são confeccionados com suas fibras. Ainda como subproduto, a folha triturada serve como adubo para milhares de pequenas roças e pode ser usada para a alimentação de ovinos e caprinos.
Dependendo tanto da carnaúba para a sua sobrevivência, não é à toa que na região ela tenha sido apelidada de “árvore da vida”. No entanto, vítima da urbanização e de décadas de exploração predatória, a árvore começa a rarear em locais em que antes era abundante.
CARNAÚBA: POPULAR E EXCLUSIVA DO SERTÃO
A restrição da existência ao semiárido nordestino não significa pouca utilização ou baixa popularidade à carnaúba. Muito pelo contrário. De tão arraigada à vida do sertanejo pelos seus inúmeros usos, a Copernicia prunifera foi até eleita como árvore símbolo dos Estados do Piauí e do Ceará.
O nome carnaúba tem origem tupi e significa “árvore que arranha”, mas essa palmeira também é chamada de “árvore da vida” pelos seus variados e inúmeros usos – inclusive medicinais. Países como a Alemanha, Índia, Japão e Estados Unidos já tentaram sem cultivar a espécie e não obtiveram sucesso. Suas florestas em planícies aluviais do sertão nordestino são essenciais na manutenção do equilíbrio ecológico, pois contribuem na conservação dos solos, fauna e mananciais hídricos.
Palmeira que atinge entre sete metros e 10 metros de altura, podendo excepcionalmente atingir 15, a carnaúba tem uma copa com forma de esfera. Essa característica foi o elemento determinante que levou os cientistas a nomear seu gênero como Copernicia, uma homenagem ao astrônomo italiano Nicolau Copérnico (1473-1543).
Revista Horizonte Geográfico
Um comentário:
Oi Eduardo!
Sempre ouvi falar em cera de carnaúba! E era só o que sabia!
Jamais imaginei uma árvore com tantos frutos e experiências medicinais.
Muito construtiva a postagem!
Parabens!
Abração
Mirse
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