Bilhões de embalagens plásticas ameaçam o meio ambiente
HENRIQUE OSTRONOFF
Ao percorrer os corredores de supermercados, o consumidor se depara com os mais variados artigos expostos nas prateleiras. Quase todos embalados em plástico: frutas, verduras e legumes colocados dentro de saquinhos, carnes e frios acomodados em bandejas de isopor recobertas de filme plástico, produtos de todos os tipos em caixas de papelão plastificadas ou com uma embalagem plástica em seu interior, potes, copos, tubos, bisnagas, recipientes de todos os tamanhos totalmente de plástico. Após pagar a conta, o consumidor acomoda suas compras para transportá-las – também em sacolas plásticas.
O mesmo acontece em padarias, farmácias, videolocadoras, açougues, lojas de roupas e calçados, papelarias, bancas de jornais, lojas de móveis – até cadeiras e sofás se encontram envoltos em plástico, assim como geladeiras, fogões, aparelhos eletrônicos etc. É infindável a lista de produtos embalados dessa maneira e dos estabelecimentos que fornecem sacolas plásticas para o consumidor transportar suas compras.
O uso intensivo de sacolas plásticas, de acordo com a Associação Paulista de Supermercados (Apas), começou nos anos 1970: "Elas foram introduzidas como um serviço adicional e acabaram se tornando um hábito incorporado à rotina do consumidor. Passaram a ser adotadas em grande escala porque são o único material capaz de transportar a mais variada gama de produtos – congelados, resfriados, latas, artigos de limpeza e outros".
Os números referentes às sacolas impressionam – são 16 bilhões produzidas por ano no país, o que significa 89 por pessoa em média, informa o Instituto Socioambiental dos Plásticos (Plastivida), entidade que representa institucionalmente a cadeia produtiva do setor. Já a Apas estima que, nos mais de 1,5 mil supermercados de São Paulo, sejam consumidas mensalmente cerca de 66 milhões de sacolas plásticas. A média é de 1,6 unidade ao mês por habitante do estado.
O plástico, de modo geral, tem chamado a atenção dos ambientalistas, que apontam a presença do material nos depósitos de lixo como um dos grandes vilões da poluição. Além de fabricado a partir de derivados de petróleo, uma fonte não renovável, seu tempo de degradação é contado em séculos: dependendo do tipo, especialistas calculam que leve entre 100 e 500 anos para se decompor nas condições médias do ambiente terrestre.
A solução mais aceita, diante desse problema, consiste em coleta seletiva e reciclagem. Em 2005, o país reciclou 767,5 mil toneladas do material. Em 2006, esse total foi de 19,8% do plástico consumido, segundo dados da Plastivida. É um índice bastante expressivo, se levarmos em consideração um levantamento de 2005 sobre a situação da reciclagem na Europa. Naquele ano, os melhores resultados foram da Alemanha, que registrou 32%, e da Suécia, com 25%. A Holanda e a Itália alcançaram 18%, a Noruega 17% e a Finlândia 10%. Segundo ainda a Plastivida, a indústria de reciclagem de plásticos do Brasil tem capacidade ociosa em torno de 40%, ou seja, seria possível reaproveitar 1,28 milhão de toneladas desse material.
Outra alternativa – ainda que discutível aos olhos dos ambientalistas – é a utilização de plástico biodegradável, que há algum tempo vem sendo desenvolvido pela iniciativa privada e centros de pesquisa acadêmicos. No Brasil, a PHB Industrial, controlada por empresas do setor sucroalcooleiro, fabrica, ainda em escala modesta, numa usina localizada no interior de São Paulo, o Biocycle, plástico biodegradável poliidroxibutirato, a partir do bagaço de cana. Em 2003, o pesquisador Leonard Sebio, do Centro de Pesquisa em Tecnologia de Extrusão da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), anunciou o desenvolvimento de um plástico biodegradável à base de amido de milho. Pesquisadores do Laboratório de Engenharia de Alimentos do Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) criaram um filme plástico produzido com amido de mandioca e açúcares. Projetado para servir de embalagem para alimentos, além de biodegradável é comestível.
Há também opções que vêm de fora. A Iraplast, pequena empresa do setor de transformação do plástico, deve distribuir em breve um material importado da americana Cereplast, o plástico polilactídeo (PLA) derivado do milho e com degradação completa calculada entre 2 meses e 3 anos, dependendo da temperatura do ambiente.
Existe ainda uma tecnologia que permite a produção de plástico suscetível à oxidegradação. O processo se baseia na introdução de uma quantidade muito pequena de aditivo pró-degradante durante a fabricação convencional, resultando em uma mudança de comportamento do plástico, segundo informa a RES Brasil, que representa no país o produtor inglês do aditivo que transforma o plástico comum em oxibiodegradável. De acordo com a empresa, o aditivo reduz a estrutura molecular de modo a permitir o acesso de microorganismos ao carbono e ao hidrogênio, e o plástico é então consumido por bactérias e fungos. Por essa razão, o material, que deixa assim de ser plástico e se torna uma fonte de alimento, pode ser considerado "biodegradável". Tal processo continua até que ele tenha se decomposto em CO2, água e húmus, sem que restem fragmentos de petropolímeros no solo.
Vaivém legal
Por conta da onipresença do plástico, diversas propostas vêm surgindo em câmaras municipais e assembléias legislativas, com vistas a diminuir seus efeitos sobre o meio ambiente. Essa movimentação ganhou impulso com o aumento da preocupação com o aquecimento global verificado após a divulgação, em fevereiro de 2007, do quarto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), reforçada pela concessão do Prêmio Nobel da Paz a essa iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Desde então, é notável o crescimento do interesse, sincero ou não, demonstrado por governos e empresas em ajudar a conter a poluição ambiental, pois segundo o documento é de 90% a probabilidade de a atividade humana ser responsável pelo aumento do efeito estufa, causa das mudanças climáticas verificadas na Terra.
Nem sempre, porém, as iniciativas dos parlamentares têm redundado em mudanças legais, uma vez que ainda não há consenso quanto à melhor forma de diminuir o consumo ou os efeitos do material plástico. Na Assembléia Legislativa de São Paulo, por exemplo, foi aprovado no ano passado um projeto de lei do deputado Samuel Moreira (PSDB) que "estabelece a proibição da comercialização e do uso de sacos de lixo e de sacolas plásticas feitos de polietileno de baixa densidade (PEBD), conhecido como plástico-filme" e autoriza a utilização "de sacolas, sacos de lixo e outros, derivados de tecnologia em plástico oxibiodegradável ou biodegradável". Dentre os argumentos apresentados pelo deputado para justificar sua proposta está o de que "o material orgânico contido nas sacolas comuns, quando usadas para lixo, forma gás metano, que é 21 vezes mais prejudicial ao meio ambiente do que o CO2 desprendido quando se usam sacolas oxibiodegradáveis ou biodegradáveis". Segundo ainda o deputado, "cada família brasileira descarta cerca de 40 quilos de plástico por ano, e 80% de todos os plásticos são usados apenas uma vez e jogados fora". Enviada ao Executivo no segundo semestre de 2007, a lei foi no entanto vetada pelo governador José Serra.
Destino similar teve o projeto do vereador Anselmo Tatto (PT) na Câmara Municipal de São Paulo, que previa tornar obrigatória aos estabelecimentos comerciais localizados no município a utilização, para acondicionamento de produtos e mercadorias, de embalagens plásticas oxibiodegradáveis. Apesar de ter recebido votação favorável no plenário, a lei, enviada ao Executivo em 2007, foi vetada pelo prefeito Gilberto Kassab.
No Paraná, embora as redes de supermercados estejam adotando as embalagens biodegradáveis, com o apoio do governo estadual, a Câmara Municipal de Curitiba manteve o veto do prefeito Beto Richa à lei de autoria do vereador Luizão Stellfeld (PC do B), que previa a substituição das sacolas de plástico comum pelas oxibiodegradáveis.
Desde março de 2003, está em funcionamento no estado – onde são utilizadas mensalmente 80 milhões de sacolas plásticas, o equivalente a 20 toneladas do material – o Programa Desperdício Zero, cujo objetivo é reduzir em 30% a quantidade de resíduos lançada nos aterros sanitários locais. No entanto, segundo o secretário do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Rasca Rodrigues, a opção por sacolas biodegradáveis ou de outros materiais, como pano, não é tão importante: "O que realmente interessa é a mudança de atitude. Afinal, o que nos preocupa são as toneladas de plástico, um dos maiores problemas ambientais da atualidade, que são colocadas em aterros sanitários ou lançadas no meio ambiente sem qualquer responsabilidade".
Outros dispositivos legais que tratam da questão encontram-se ainda em apreciação. No Rio de Janeiro, por exemplo, a vereadora Cristiane Brasil (PTB) apresentou, em 2007, projeto de lei que proíbe supermercados e mercados do município de usar sacolas de plástico, obrigando-os a fornecer as produzidas em papel. E o governador do estado, Sérgio Cabral, enviou recentemente à Assembléia Legislativa projeto de lei que determina a substituição de sacolas plásticas de estabelecimentos comerciais pelas reutilizáveis, feitas com materiais como papelão ou pano.
Em Pernambuco, o deputado estadual Izaías Régis (PTB) apresentou proposta de lei que determina a obrigatoriedade aos estabelecimentos comerciais localizados em cidades onde haja coleta seletiva de lixo de imprimir nas sacolas plásticas informações sobre a reciclabilidade dos tipos de resíduo.
Já o deputado Dedé Teixeira (PT), do Ceará, propôs à Assembléia Legislativa local projeto semelhante ao paulista – obriga estabelecimentos comerciais que distribuem sacolas plásticas aos clientes a utilizar embalagens produzidas com plástico biodegradável ou oxibiodegradável.
Biodegradável é bom?
Pergunta-se então por que leis que pregam a substituição das sacolas de plástico comum pelas biodegradáveis têm encontrado dificuldade para ser adotadas. A questão é controversa. Os motivos de desacordo dizem respeito a características de degradação de determinados plásticos, em especial o oxibiodegradável.
Um dos pareceres técnicos que deram suporte à decisão do governador de São Paulo de vetar a lei que obrigava à utilização pelo comércio de sacolas produzidas com esse tipo de material foi preparado, em julho de 2007, pelo Centro de Tecnologia de Embalagem (Cetea), vinculado ao Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. De acordo com o relatório, materiais plásticos degradáveis não constituem solução para o problema do resíduo sólido urbano, pois continuariam a ocupar lugar em aterros, uma vez que a taxa de biodegradação não é tão rápida nesses ambientes. Além disso, esse processo produz gases que colaboram para aumentar o efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4). Embora admita a degradação mais rápida do plástico aditivado, o parecer adverte que o resíduo não desaparece, mas se transforma em pequenas partículas que se dispersam no meio ambiente ou que são metabolizadas por microorganismos em CO2. Nessas partículas, continua o texto, estão, entre outros, aditivos e resíduos de tintas e de pigmentos, cujo impacto ambiental ainda está para ser estabelecido.
O parecer do Cetea diz também que é preciso quebrar o paradigma de que na gestão de resíduo sólido "o que é degradável ou biodegradável é bom para o meio ambiente". Dessa forma, afirma, os programas de educação ambiental deveriam divulgar a idéia do consumo sustentável, incluindo a reciclagem de materiais inertes – plástico, alumínio, aço, vidro – e o reaproveitamento do potencial calorífico daqueles que têm poder energético, em vez de pregar que produtos degradáveis podem ser jogados na natureza.
A melhor opção
A decisão do governador José Serra, assim como a do prefeito Gilberto Kassab, de vetar as leis referentes às sacolas plásticas foi apoiada por supermercados e fabricantes de plásticos. Para a Apas, não houve consenso dos pesquisadores sobre os benefícios do plástico oxibiodegradável para o meio ambiente e, assim, "o setor aguarda o surgimento de uma alternativa ambientalmente adequada, que seja chancelada pelo poder público e pelos estudiosos do assunto". Enquanto isso, a associação "tem apoiado movimentos de conscientização da população para o uso de sacolas de compra reaproveitáveis em vez das descartáveis".
Para a Plastivida, com o veto do projeto de lei, o governador Serra "demonstrou prudência ao exigir maior rigor técnico na adoção de medidas que possam pôr em risco o meio ambiente". Segundo seu presidente, Francisco de Assis Esmeraldo, a entidade propõe uma melhora na qualidade das sacolas: "Com o emprego de material mais resistente, a Plastivida calcula que haverá uma redução de pelo menos 30% no consumo atual dessas embalagens". Além disso, aponta a reciclagem como o melhor destino para elas: "Como qualquer outro produto feito com plástico comum, as sacolas são 100% recicláveis".
Na opinião de Merheg Cachum, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), o problema maior é a educação em relação ao lixo. Segundo ele, está havendo muito "oba-oba" sobre o assunto: "As sacolas plásticas são totalmente recicláveis. O que falta é o governo disciplinar a coleta seletiva e fornecer recursos para que ela possa acontecer".
Já o diretor superintendente da RES Brasil, Eduardo Van Roost, afirma que a atitude do governador de São Paulo "foi uma questão política e não de viabilidade". De acordo com ele, o projeto de lei apresentado na Assembléia "reflete a tendência mundial de banimento das embalagens plásticas e de resolver o problema do plástico como um todo, e não só o das sacolas". Além disso, "o plástico oxibiodegradável é adotado em mais de 50 países e aprovado internacionalmente por laudos que atestam sua eficácia e segurança". Em sua opinião, as críticas ao oxibiodegradável resultam da falta de informação: "Tem muita gente que não se baseia em argumentos técnicos corretos".
O professor Sabetai Calderoni, doutor em ciências pela USP e presidente do Instituto Brasil Ambiente, empresa especializada em consultoria para projetos de licenciamento ambiental e reciclagem, afirma que o uso indiscriminado de sacolas feitas de plástico comum é péssimo para o meio ambiente. No entanto, segundo sua avaliação, o plástico oxibiodegradável é prejudicial da mesma forma, pois, se tem a capacidade de se decompor com maior rapidez, também impregna o solo com materiais poluentes. Calderoni aponta possíveis soluções. Reciclar é uma boa opção, embora não resolva totalmente o problema, na medida em que apenas alguns materiais, como vidro, aço e alumínio, podem ser reaproveitados indefinidamente. O plástico, por sua vez, possui ciclo de vida limitado. O processo continuado causa sua degradação física, tornando-o impróprio para a reciclagem depois de determinada etapa. A partir daí, a melhor alternativa é transformá-lo em combustível para a geração de energia por meio da queima. No entanto, a opção mais correta já é bem conhecida: "A vovó é que tinha razão: usava a mesma sacola várias vezes", afirma ele, referindo-se às reutilizáveis como a solução ideal.
Revista Problemas Brasileiros
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