segunda-feira, 5 de março de 2012

Energia Geotérmica - Do fundo da terra

Os reservatórios subterrâneos de água têm grande potencial para produzir calor e eletricidade. Entenda como funciona a geração de energia geotérmica e conheça uma iniciativa experimental para o desenvolvimento dessa fonte renovável na Alemanha.

Bernardo Esteves


Operário trabalha na planta experimental de Gross Schönebeck, nos arredores de Berlim. O local deve abrigar em breve uma usina para geração de eletricidade a partir da energia geotérmica (foto: Volker Lannert / DAAD).
Se alguém fala em energias renováveis, que imagens vêm à sua mente? Provavelmente turbinas eólicas, painéis solares ou bombas de biocombustíveis. No Brasil, poucos se lembrarão da energia geotérmica, que aproveita as altas temperaturas de reservatórios subterrâneos naturais de água para a geração de calor e eletricidade.

Menos explorada que suas primas mais conhecidas, a energia geotérmica tem no entanto grande potencial para aumentar sua participação na matriz energética mundial nas próximas décadas, à medida que os países buscam diminuir suas emissões de gases do efeito-estufa. A Alemanha, por exemplo, trabalha com a meta de gerar cerca de 100 terawatts-hora por ano até 2050, segundo projeções do Conselho Consultivo Alemão para o Meio Ambiente (SRU).

Há um longo caminho pela frente até que se possa cumprir essa meta – atualmente, o país conta com poucas plantas de pequeno porte, usadas sobrtetudo para a produção de calor. Nesse caso, a água subterrânea é bombeada para a superfície e aproveitada para o aquecimento de residências e instalações industriais.

Para cada cem metros que se desce, a temperatura da água aumenta cerca de 3ºCEssa modalidade tem a vantagem de não requerer água em altas temperaturas. Na planta pioneira de Neustadt Glewe – a primeira da Alemanha, criada na região de Mecklenburg em 1995 –, a água é retirada de uma profundidade de 2.300 metros à temperatura de 98ºC.

Para que seja viável a produção de eletricidade, no entanto, é fundamental que a água subterrânea esteja em temperaturas mais altas, da ordem de 150ºC. Isso significa que é preciso atingir profundidades ainda maiores – para cada cem metros que se desce, a temperatura da água aumenta cerca de 3ºC.

O calor da água dos reservatórios é transformado em eletricidade na superfície. A água subterrânea é posta em contato com um líquido com um menor ponto de ebulição. A pressão do gás obtido a partir da evaporação desse líquido move uma turbina que gera energia elétrica.


Visão de conjunto da planta de Gross Schönebeck. No primeiro plano, vê-se o poço pelo qual a água é reinjetada no subsolo. Ao fundo, o poço de produção, pelo qual a água quente é trazida à superfície (foto: Bernardo Esteves).Planta experimental
A produção de eletricidade a partir da energia geotérmica ainda é incipiente na Alemanha, mas o país tem uma planta experimental na qual estão sendo feitos testes para a instalação de uma usina pioneira dessa área. A planta piloto é situada no sítio de Gross Schönebeck [PDF], nos arredores da capital Berlim.

A planta foi estabelecida ali para reaproveitar um antigo poço usado para a exploração de gás natural, com 4.300 m de profundidade. Em 2007, foi perfurado um segundo poço de profundidade similar, na qual a temperatura da água subterrânea chega a 150ºC.

A existência de um segundo poço é fundamental para a exploração da energia geotérmica. Um deles funciona como o poço de produção, do qual a água é bombeada para a superfície. No segundo, a água é reinjetada no subsolo sob alta pressão após transferir seu calor – procedimento fundamental para aumentar a produtividade do reservatório e para minimizar riscos de exploração.

A planta alemã para geração de energia elétrica poderá abastecer mil residênciasOs dois poços experimentais de Gross Schönebeck estão sendo usados como laboratório para testes de perfuração, fraturação hidráulica, teste de poços e monitoramento por cientistas do Centro Alemão de Pesquisas em Geociências (GFZ, na sigla em alemão).

Métodos testados e aprovados poderão ser implantados em outras regiões com as mesmas características geológicas.

“Estamos atualmente conduzindo testes para demonstrar a sustentabilidade e a confiabilidade do reservatório”, afirma o físico e engenheiro Ernst Hünges, diretor do Centro Internacional para Pesquisa Geotérmica, unidade do GFZ. Se confirmada sua viabilidade, a planta para geração de energia elétrica instalada no local terá potência de 1 MW, suficiente para abastecer mil residências.


O mapa mostra a capacidade instalada de energia geotérmica no mundo (10.715 MW no total). Estados Unidos, Filipinas e Indonésia são os países com maior produção. As áreas com maior potencial para uso dessa energia, representadas em diferentes tons de vermelho, coincidem grosso modo com as áreas de transição entre as placas tectônicas. Por ter seu território situado no interior de uma dessas placas, o Brasil não apresenta grande potencial de exploração da energia geotérmica (fonte: reprodução / GFZ).Desafios, riscos, benefícios
Um dos desafios atuais dos cientistas que estão trabalhando na planta experimental é tornar as características geológicas do reservatório natural mais adequadas para a produção continuada de energia. Para tornar essas rochas mais porosas e permeáveis – condições fundamentais para tanto –, a equipe está promovendo a criação de fissuras artificiais.

Todo o cuidado é necessário nessa etapa, para evitar acidentes. O fantasma de um acidente sísmico é um dos principais riscos associados à exploração da energia geotérmica. “Esse risco existe, mas é menor do que o risco de abalos sísmicos naturais ou associados à mineração de carvão, sal ou cobre, por exemplo”, compara Ernst Hünges.

Acidentes sísmicos estão entre os principais riscos associados à exploração da energia geotérmicaNa sua avaliação, os altos custos de investimento, decorrentes do estágio ainda incipiente da tecnologia de exploração dessa fonte de energia, são os maiores obstáculos para a expansão dessa fonte de energia.

“No estágio atual de desenvolvimento, a energia geotérmica é bem mais cara que a eólica, mas é bem mais barata que a solar e tem custos comparáveis com a biomassa”, compara.

Os pesquisadores que trabalham no desenvolvimento dessa tecnologia, no entanto, minimizam esses obstáculos e preferem destacar suas vantagens. “A disponibilidade da energia geotérmica independe da hora, do clima ou da estação”, defende Hünges. “E, ainda por cima, é uma forma descentralizada e local de gerar energia.”

O maior trunfo da energia geotérmica, no entanto, é seu caráter renovável e ambientalmente correto. A produção de energia geotérmica praticamente não gera gases do efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global. Quando estiver pronta, a planta de Gross Schönebeck evitará a emissão de 3 mil toneladas de CO2 por ano.
Bernardo Esteves (*)
Revista Ciência Hoje


(*) O jornalista viajou para a Alemanha a convite do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD)

Um comentário:

Rafael Gomes disse...

otima materia com qualidade e conhecimentos muito apurados, parabens e ajudou muito no entendimento dessa materia.

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