Modelos teóricos chegaram a prever um aumento de 4 metros no nível do mar, o que poderia engolir países inteiros, até 2100, em um cenário de políticas de mitigação conservador.
Paloma Oliveto
Glaciar Renegar, no leste da Antártida: risco de o continente contribuir para a elevação do mar em mais de 39cm é de 5%(foto: Nick Golledge/Divulgação)
Um dos efeitos mais estudados das mudanças climáticas é o derretimento do gelo no Ártico e na Antártida. Modelos teóricos chegaram a prever um aumento de 4 metros no nível do mar, o que poderia engolir países inteiros, até 2100, em um cenário de políticas de mitigação conservador. Esse número pode estar superestimado, diz um grupo de pesquisadores de vários países, em um estudo publicado na Nature. Não se trata, porém, de uma boa notícia. Outro artigo dos mesmos cientistas divulgado também na revista britânica afirma que o degelo na extremidade sul do planeta terá potencial mais devastador do que se imagina, com alterações na temperatura atmosférica que, por sua vez, aumentarão mais o derretimento.
No primeiro artigo, liderado por Tamsin Edwards, do King’s College de Londres, os pesquisadores sugerem que o colapso das falésias de gelo da Antártida no oceano — fenômeno provocado pelo aumento das temperaturas globais, que causa o derretimento das plataformas congeladas — não impactará significativamente no aumento do nível do mar. Para chegar a essa conclusão, os cientistas analisaram taxas simuladas de degelo ocorrido há 3 milhões de anos, 125 mil anos e 25 anos — nesse último caso, eles avaliaram os dados reais.
O novo modelo climático aplicado prevê que há apenas 5% de risco de o continente contribuir com uma elevação do nível do mar acima de 39 centímetros até 2100. “A instabilidade das falésias de gelo não parece ser um mecanismo essencial para o aumento do volume oceânico. Mesmo com um cenário de concentrações muito altas de gases de efeito estufa, a contribuição desse fenômeno seria de menos da metade do que foi proposto anteriormente (um metro)”, aponta Edwards.
Isso, porém, não significa que o degelo na Antártida e no Ártico não terá consequências extremas para o planeta, aponta o segundo estudo publicado na Nature. “Sob as atuais políticas governamentais globais, estamos caminhando para um aumento de temperatura entre 3 ou 4 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais, fazendo com que uma quantidade significativa de gelo derretido da Groenlândia e da Antártida deságue nos oceanos da Terra. De acordo com nossos modelos, essa água causará interrupções significativas nas correntes oceânicas e aumento no aquecimento em todo o mundo”, disse, em nota, Nick Golledge, do Centro de Pesquisa Antártica da Universidade Victoria, em Wellington, na Nova Zelândia.
A equipe de pesquisadores liderada por ele combinou simulações detalhadas dos efeitos climáticos complexos associados ao derretimento com observações por satélite de mudanças recentes nas camadas de gelo. Como resultado, os cientistas conseguiram criar previsões mais confiáveis e precisas do que ocorrerá considerando as atuais políticas climáticas, segundo Golledge.
Impactos generalizados
As simulações sugerem que o aumento mais rápido na elevação do nível do mar provavelmente ocorrerá entre 2065 e 2075. O derretimento das camadas geladas afetará a temperatura da água e os padrões de circulação nos oceanos, com consequência direta na temperatura do ar. Esses efeitos não serão sentidos de maneira uniforme. “Os níveis de água não se elevam como em uma banheira”, explica Natalya Gomez, pesquisadora do Departamento de Ciências da Terra e Planetárias da Universidade de McGill, no Canadá, que participou do estudo. “Algumas áreas do mundo, como as nações insulares do Pacífico, sofrerão um grande aumento no nível do mar, enquanto que nas regiões próximas aos polos o nível do mar cairá”, diz.
No entanto, os efeitos do derretimento das placas de gelo são muito mais generalizados do que simplesmente elevar ou reduzir o nível do mar, afirmam os pesquisadores. Os modelos indicam que as principais correntes oceânicas, como a do Golfo, ficarão enfraquecidas. Como consequência, a temperatura atmosférica ficará mais alta no Ártico, no leste do Canadá e na América Central, e as temperaturas mais baixas atingirão o noroeste da Europa, do outro lado do Atlântico.
De acordo com os pesquisadores, esse fenômeno não foi considerado quando se estabeleceram as metas do Acordo de Paris. No estudo, eles destacam que, mesmo que os países cumpram com o prometido no documento, que pretende reduzir as emissões de gases efeito estufa, isso não será suficiente para evitar as alterações nas correntes oceânicas.
Segue padrão de aquecimento
A Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) anunciou na quarta-feira (6/2) que a temperatura média da superfície do planeta registrada em 2018 foi a mais alta dos últimos 140 anos, quando se iniciaram os registros do tipo. O ano passado só foi superado por 2016, 2017 e 2015, por ordem decrescente de temperatura, o que significa um padrão de aquecimento ano a ano. “Já não estamos falando de uma situação em que o aquecimento global é algo futuro. Está ocorrendo aqui, agora”, disse Gavin A. Schmidt, diretor do Instituto Goddar de Estudos Espaciais da Nasa, responsável pela análise. Em 2018, o termômetro marcou 0,83 grau Celsius acima do documentado entre 1951 e 1980, mostrou o trabalho. Desde 1880, o planeta ficou 1ºC mais quente, devido às emissões de dióxido de carbono, explicou Schmidt.
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