quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Impacto (nem tão) profundo

Apesar de pequeno, impacto de meteorito na Rússia foi o mais importante desde 1908. Astrônomos brasileiros comentam dificuldade de prever choques de pequenas rochas com a Terra.

 Marcelo Garcia


O rastro luminoso e o barulho provocados pela queda do meteorito geraram pânico na região. Impacto causou muitos danos e deixou cerca de mil feridos. (imagem: Youtube)


Para os moradores da região de Tcheliabinsk, na Rússia, a ficção dos filmes-catástrofe pareceu mais real nesta sexta-feira (15/02). Desde as primeiras horas do dia, a imprensa mundial noticiava a cena, tantas vezes veiculada pelo cinema: a queda de um meteorito naquela longínqua terra. O acidente deixou cerca de mil feridos, muitos deles pelos estilhaços de vidros despedaçados no impacto, mas foram poucos casos graves. Segundo astrônomos, o incidente não teve relação com a passagem do asteroide 2012 DA14 nas proximidades do nosso planeta na tarde de hoje. 

O meteorito russo, que, segundo estimativas da Academia Russa de Ciências, tinha cerca de 10 toneladas e 15m de comprimento, entrou na atmosfera terrestre a uma velocidade de 54 mil km/h e provavelmente se fragmentou ao atingir uma distância de 50 a 30 km da superfície. Além disso, como explica o astrônomo argentino Fernando Roig, do Observatório Nacional, ao quebrar a barreira do som, o deslocamento do corpo empurrou o ar à sua frente e gerou uma onda de choque que atingiu os prédios da cidade – fenômeno parecido com os provocados por aviões supersônicos militares, mas muito mais intenso.

"Pelas imagens registradas no momento da queda e pelas notícias que têm chegado da Rússia, também parece que houve uma explosão e fragmentação do corpo antes de ele atingir o solo, o que deve ter produzido outras ondas de choque", afirma. "Essa explosão deve ter sido a principal responsável pelos estragos causados."

Além de quebrar janelas, o impacto também danificou prédios, derrubou o teto de uma fábrica e espalhou pânico na população – mas, por sorte, não afetou as diversas usinas nucleares da região, segundo as autoridades russas. O incidente também provocou reações políticas e boatos dos mais diversos. O presidente Vladimir Putin criticou o sistema de alerta da Rússia contra meteoritos e uma agência de notícias afirmou que o governo russo teria interceptado a rocha, que se desintegrou e caiu em três cidades – nada confirmado oficialmente. Num démodé arroubo de Guerra Fria, o líder do partido liberal-democrata russo, Vladimir Zhirinovsky, teria chegado a cogitar se o episódio não se trataria de um teste de novas armas norte-americanas.

Coincidência?

Além de impressionante, o evento é um prato cheio para os alarmistas de plantão. Isso porque nesta sexta-feira outro asteroide, o 2012 DA14, passou bem perto do nosso planeta – a apenas 22 mil quilômetros da Terra, a menor distância já registrada para um objeto do tipo. Mas calma: segundo a Nasa, o episódio ocorrido na Rússia nada tem a ver com a passagem dessa pequena rocha de 50 metros de diâmetro nas cercanias de nosso planeta.

O astrônomo brasileiro Enos Picazzio, da Universidade de São Paulo (USP), reforça a independência dos eventos e explica que a queda de rochas vindas do espaço na Terra não é algo raro – pelo contrário, acontece todos os dias. “Corpos do tamanho de grãos de areia ou mesmo com algumas dezenas de centímetros de diâmetro caem diariamente em nosso planeta, mas produzem apenas fugazes traços luminosos”, afirma. “E é bom lembrar que boa parte da superfície da Terra é formada por água ou regiões desabitadas, então não há ninguém lá para registrar.”


Em 1908, ocorreu a mais poderosa explosão da história recente da Terra, que os cientistas acreditam ter sido provocada pelo choque de um grande bloco rochoso vindo do espaço na Sibéria. O evento, no entanto, ainda é cercado de mistério e polêmica. O incidente de hoje provavelmente é o mais importante registrado desde então. (imagem: Leonid Kulik Expedition)

Segundo o astrônomo, no entanto, apesar de já conhecermos praticamente todos os grandes asteroides com quilômetros de extensão capazes de cruzar com a Terra, ainda há muito o que aprender sobre os asteroides menores, com dezenas de metros ou menos de comprimento. “A identificação dessas rochas depende da observação da luz do Sol refletida em sua superfície, que varia de acordo com seu tamanho e composição, com maior ou menor presença de materiais escuros, como o carbono, ou brilhantes, como o silício”, explica. “Conseguimos identificar e prever a trajetória de algumas rochas do tamanho do 2012 DA14, mas corpos ainda menores, como o que se chocou com a Rússia, são difíceis de observar mesmo dias antes de um impacto.” 

Mas ele pondera que incidentes como o de hoje são raros e podem ser separados por décadas ou séculos. Talvez o último registro importante de um grande choque com a Terra seja de 1908, o chamado evento Tunguska. O incidente, cuja origem ainda provoca polêmica, teria gerado uma energia equivalente a 300 bombas atômicas e levado à devastação de uma enorme área da Sibéria, na Rússia. O Brasil também pode ter tido seu próprio Tunguska, em tamanho reduzido: há indícios de um forte impacto na região do rio Curuçá, no Amazonas, ocorrido em 1930, e expedições na área já encontraram uma enorme cratera no local, escondido pela floresta.
Revista Ciência Hoje

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