CARLA ARANHA
Painel fotovoltaico /
Foto: Marcos Santos/USP Imagens
A intensidade do verão no hemisfério norte pegou de surpresa europeus e americanos. Em Paris, a fonte Trocadéro, em frente à Torre Eiffel, tornou-se uma piscina a céu aberto. Em Munique e Berlim, na Alemanha, a população procurou rios e parques para se refrescar. Cenas parecidas se repetiram na Inglaterra, em Portugal e na Espanha. Nos Estados Unidos, incêndios, queimadas e uma forte estiagem não só tiraram o sossego de muita gente como também afetaram a economia. Na agricultura, houve perda de 100 milhões de toneladas de milho e 20 milhões de toneladas de soja, com prejuízos financeiros da ordem de US$ 18 bilhões. De acordo com dados da National Oceanic and Atmospheric Administration (Noaa) – agência americana com foco nas condições dos oceanos e da atmosfera –, a porção norte do globo viveu em 2012 o verão mais quente desde pelo menos 1880, quando as medições de temperatura começaram a ser registradas. A tendência, segundo pesquisadores, é que o calor continue a bater recordes na Europa e nos Estados Unidos – com invernos igualmente extremos. Para o pesquisador James Hansen, da Nasa, as ondas de calor têm acontecido em grande parte como consequência do aquecimento global. “Estações muito frias ou muito quentes estão se tornando mais frequentes por causa das mudanças no clima causadas por ações do homem. Portanto, é emergencial a redução dos gases que causam o efeito estufa para estabilizarmos o clima”, ele diz.
Embora o consumo de combustíveis fósseis e poluentes, com destaque para o petróleo, continue aumentando no mundo, principalmente nos países emergentes, nem todas as nações estão de braços cruzados na luta contra a emissão de gases prejudiciais à atmosfera. Na Alemanha, por exemplo, matrizes mais tradicionais estão sendo substituídas pelas renováveis, com destaque para a solar, a eólica e a de biomassa. Depois do desastre nuclear de Fukushima, no Japão, em 2011, o governo alemão decidiu abrir mão da energia nuclear. Das 22 usinas que até então estavam em funcionamento no país, oito já foram fechadas. As demais deverão ter o mesmo fim até 2022. A Alemanha pôde fazer essa opção com alguma tranquilidade porque já há algum tempo o país vem incentivando alternativas de consumo e geração. Atualmente, os alemães são líderes mundiais em energia limpa. “É uma questão de sobrevivência da espécie humana e de bem-estar das pessoas. O ar menos poluído significa uma vida melhor, aqui e agora”, diz Norbert Allnoch, diretor do Instituto da Indústria de Energia Renovável (IWR), sediado em Münster. “Simplesmente não temos opção. O planeta está a caminho do colapso e as mudanças climáticas são um fato. Portanto, é preciso fazer algo com urgência”, complementa. O país já obtém 20% de toda a eletricidade que consome a partir da energia solar, eólica e de biomassa. Até 2020, a Alemanha pretende reduzir em 40% a emissão de gases de efeito estufa, segundo o governo alemão.
Em maio do ano passado, o país de Angela Merkel bateu o recorde mundial de geração de energia solar. Foram produzidos 22 gigawatts de eletricidade por hora, o equivalente a 20 usinas nucleares operando em capacidade total. “Realmente, é um número espantoso, resultado de anos de investimento na área”, diz Allnoch. Hoje, a Alemanha gera cerca de 55% de toda a eletricidade obtida com a radiação do sol no mundo. O ramo fotovoltaico tem crescido no país como resultado de uma política estatal. No ano 2000, foi aprovada a Lei de Energias Renováveis, estabelecendo um compromisso do governo de subsidiar a instalação de painéis solares em residências e em propriedades rurais. A legislação também determina que o Estado compre, por um preço acima do valor de mercado, a totalidade da energia solar gerada pelos cidadãos. Para não sobrecarregar as contas públicas, o gasto é dividido entre todos os contribuintes, que pagam um pequeno adicional no imposto de renda em nome da geração de energia solar. “Essa política tem levado cada vez mais alemães a colocar painéis solares em suas casas”, diz o diretor da IWR.
Mudança de matriz
Nos últimos anos, todavia, com a crise econômica que tomou conta da Europa, alguns críticos passaram a vociferar contra o custo que tudo isso tem representado. Segundo dizem, as contas do próprio governo em algum momento podem não fechar. Atualmente, devido aos incentivos à produção fotovoltaica, os alemães arcam com uma das tarifas de energia elétrica mais elevadas da Europa. “Trata-se de um compromisso feito às custas do povo, e muitos não estão de acordo”, condena Holger Krawinkel, da Federação das Organizações de Consumidores Alemães. Outro argumento ainda é mencionado pelos que são contrários ao programa energético: como nos meses de inverno há poucas horas de sol – e mesmo no restante do ano não existe garantia de boa luminosidade diária –, todos os anos é necessário importar energia nuclear de países como a República Tcheca e a França. Saliente-se que, entre os franceses, também tem havido um considerável movimento na direção dos recursos renováveis.
Depois da crise nuclear no Japão, a França também começou a reestudar sua matriz energética. O país se firmou, ao longo dos anos, como grande fornecedor de eletricidade gerada em usinas nucleares. Cerca de 75% da energia consumida no país é obtida dessa forma. Com 58 reatores e uma capacidade de geração de 63 gigawatts, a França é um dos maiores exportadores mundiais de eletricidade – na maior parte, vendida para nações vizinhas, como Alemanha, Itália e Suíça. Sem deixar de lado as usinas nucleares, pelo menos por enquanto, a França deverá investir mais em outras fontes energéticas no médio e longo prazo. Não é à toa que uma das principais bandeiras da campanha eleitoral do presidente François Hollande foi justamente uma guinada em direção à economia verde. Enquanto o conservador Nicolas Sarkozy defendia a continuidade na forma como a nação vem conduzindo seu programa de geração de eletricidade, Hollande já anunciou que a utilização de energia nuclear deverá ser reduzida pela metade até 2025. O país prepara investimentos principalmente na matriz eólica. Pelo menos três grandes geradoras de energia produzida pelo vento deverão ser construídas no país até 2015.
Subsídios governamentais já convenceram seis empresas a instalar turbinas eólicas na região do Canal da Mancha e em outras regiões da costa francesa. A regulamentação sobre investimentos e o sistema de preços da energia eólica serão votados no primeiro semestre de 2013, em Paris. “Temos de estabelecer regras claras e capazes de incentivar as empresas do setor a construir indústrias de geração alternativa de eletricidade. É primordial recuperar o tempo perdido e dar início a esse programa o quanto antes”, diz Marie-Hélène Aubert, especialista em ecologia, membro do Partido Socialista e fundadora da Associação Internacional por uma Agricultura Ecologicamente Intensiva (AEI).
Nos países nórdicos, a utilização de recursos renováveis ganhou força já há algum tempo. Na Noruega, por exemplo, hoje 99% da eletricidade é gerada por hidrelétricas. Pouco antes da crise do petróleo, em 1973, o governo norueguês começou a fazer grandes investimentos no represamento da água para gerar energia. Repleto de rios e cachoeiras, o país era um candidato óbvio a sair na frente em termos de hidrelétricas. Nos anos 1970, o planejamento estratégico feito pela Noruega antevia que, até 1985, essa nação dependeria apenas da água para ter eletricidade. Essa previsão se confirmou. Em 15 anos, de 1970 a 1985, a produção nas hidrelétricas naquele país aumentou cerca de 4% ao ano. Atualmente, quase mil empreendimentos do gênero estão em operação, muitos deles de pequeno porte. “A intenção era proteger o meio ambiente, mas sem desalojar moradores locais. Por isso optamos pela construção, preferencialmente, de usinas menores e capazes de atender sub-regiões”, explica Einar Ove Andersen, diretor da empresa Agder Energi Group. Nos últimos dois anos, no entanto, o sistema enfrentou desafios. A combinação de invernos mais frios que o usual – quando parte da água que abastece os reservatórios congela – e a escassez de chuvas fizeram com que as hidrelétricas trabalhassem apenas com metade de sua capacidade naqueles meses. Houve falhas no fornecimento de energia, e isso afetou, inclusive, a indústria local. “Qualquer anormalidade no abastecimento de água para as usinas é bastante prejudicial porque dependemos apenas das hidrelétricas para gerar energia”, explica Andersen. Hoje, depois de alguns ajustes que incluíram a reforma de reservatórios mais antigos, a produção está normalizada. “É claro, porém, como tudo no mundo, que não estamos imunes às variações climáticas abruptas e é impossível afirmar que falhas não voltarão a ocorrer”, ele diz.
Fabricantes europeus
Segundo o relatório “Who is Winning the Clean Energy Race” (“Quem está Ganhando a Corrida por Energia Limpa”), da Pew Charitable Trusts e da Bloomberg New Energy Finance, o Brasil foi o décimo país do mundo que mais investiu em energia limpa em 2011. Nações como Estados Unidos e China, grandes poluidoras mundiais, fizeram esforços naquele ano para atrair recursos para o setor e aparecem nos primeiros lugares da listagem. No Brasil, as fontes renováveis representaram 88,8% da eletricidade gerada em 2011, segundo o Ministério de Minas e Energia, com destaque para as hidrelétricas, responsáveis por quase a totalidade desse montante. A participação da energia eólica, no entanto, vem crescendo – de 2010 para 2011, houve um acréscimo de cerca de 24% na produção. A expectativa é que nos próximos anos essa matriz ganhe maior expressão. De qualquer modo, a geração de energia como um todo deverá continuar aumentando. Estima-se que o consumo mantenha a progressão de no mínimo 2% ao ano, a exemplo do que já vem acontecendo. Por outro lado, a oferta de energia vem crescendo, hoje, a um ritmo de cerca de 1% ao ano, tomando como base o período 2010-2011. A necessidade de resolver esse descompasso entre geração e demanda tem sido mais um motivo para estimular as discussões sobre novas fontes de energia.
Na visão dos especialistas, o país finalmente começou a olhar com mais atenção para a energia fotovoltaica e eólica. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) lançou recentemente um projeto que procura incentivar a contribuição entre o meio acadêmico e as concessionárias para a obtenção de energia limpa. Um desses programas já está sendo colocado em prática pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pela CPFL Energia, que trabalham em parceria com outras 19 empresas coligadas e empreendimentos que nasceram no campus daquela escola pelas mãos de alguns de seus graduandos, como as firmas Hytron, Eudora Solar e Instituto Aqua Genesis. Essa força-tarefa está sendo encarregada do desenvolvimento tecnológico de usinas de energia solar e eólica que deverão ser instaladas em Campinas até 2014. Pesquisadores e empreendedores têm a missão de, entre outras atribuições, criar tecnologia que permita a conexão de painéis solares à rede elétrica. “Além disso, vamos aprimorar o controle de conversores eletrônicos de potência”, afirma Ernesto Ruppert Filho, pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Unicamp e um dos responsáveis pelo projeto.
Serão testados também aerogeradores, que obtêm energia elétrica através do vento, em simulações de capacidade de produção de eletricidade com projeções anuais. O estudo deve subsidiar projetos com vistas a ampliar o aproveitamento do vento como matriz energética. Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério de Minas e Energia, até 2014 deverão ser construídos 281 parques eólicos.
Um dos motivos para a ascensão dessa matriz, que hoje responde por 1,5% do total de energia gerado no país, é seu baixo custo, hoje em torno de R$ 100 por megawatt-hora, três vezes menos que há uma década. O preço vem caindo por conta de melhorias tecnológicas, que permitem um aproveitamento maior da capacidade das torres eólicas, assim como da chegada ao Brasil de fabricantes europeus dispostos a cobrar menos para ganhar mercado. De todo modo, essa forma de energia vem conquistando espaço no país desde 2004, quando foi regulamentado o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), como peça fundamental da reestruturação do setor elétrico nacional. Para Ruppert Filho, a intenção era aumentar o uso de fontes de energia limpa e afastar de vez o fantasma de um apagão como o de 2001. “É evidente, porém, que ainda há desafios a enfrentar”, ressalva ele.
Talvez um dos principais entraves ao desenvolvimento dessas novas matrizes seja a necessidade de melhorar a tecnologia existente. Hoje, a maior parte dos sistemas e peças utilizados para a construção de parques eólicos, por exemplo, é importada, principalmente da Europa. Apropriados para as condições climáticas europeias, esses equipamentos apresentam muitas vezes rendimento diferente no Brasil. Por isso, estão sendo realizados esforços para aprimorar a tecnologia local, como no caso da parceria entre a Unicamp e empresas nacionais. Pesquisadores e membros da indústria defendem também a importância de estudar a criação de empreendimentos capazes de gerar boa quantidade de energia a partir da utilização concomitante de aerogeradores e painéis solares.
De acordo com Maurício Tolmasquim, presidente da EPE, o futuro da energia eólica e das demais fontes alternativas é promissor no país. A região nordeste é a que mais deve concentrar investimentos nesse tipo de geração nos próximos anos, aposta o mercado. Segundo a EPE, por suas características naturais e ventos fortes, o nordeste tem um potencial eólico de pelo menos 143 GW, equivalentes à capacidade de dez usinas semelhantes a Itaipu, e estados como a Bahia, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte vêm atraindo investimentos no setor. A expectativa é que até 2016 sejam instalados 18 parques eólicos na região. “Esse total atenderia as necessidades locais de abastecimento e abriria novas portas para a geração de energia limpa no país”, diz Tolmasquim.
A luta pelo fim da poluição
Ao mesmo tempo em que investem em energia limpa, os europeus vêm, desde os anos 1970, adotando políticas públicas para incentivar as caminhadas e o uso de bicicleta como forma de colaborar para a despoluição do meio ambiente e promover estilos de vida mais saudáveis. Amsterdam, na Holanda, Copenhague, na Dinamarca, e Munique, na Alemanha, são consideradas modelos nesse tipo de iniciativa. Há 40 anos, a municipalidade fechou diversas ruas do centro de Munique para a circulação de carros, mesmo sob protesto dos comerciantes, preocupados com a queda em suas vendas, que afinal não aconteceu. E mais vias na região central deverão se tornar exclusivas para pedestres nos próximos anos.
Para incentivar as caminhadas e o transporte em duas rodas, as autoridades providenciaram a construção de calçadas mais largas, passagens subterrâneas para as ciclovias em cruzamentos mais movimentados e lombadas nas principais ruas, para forçar os veículos a trafegar em menor velocidade – uma medida que tem o propósito de proteger pedestres e ciclistas.
Hoje, Munique é uma das cidades mais convidativas do mundo no que respeita a andar de bicicleta, com mais de 600 quilômetros de ciclovias e 35 mil vagas de estacionamento só para ciclistas. O conjunto de políticas implementado pelo governo local vem dando resultado. Hoje, de todos os deslocamentos diários na cidade, 24% são feitos de bicicleta. Além disso, cerca de 47% do trajeto que as pessoas fazem de casa para o trabalho acontece a pé ou sobre duas rodas. Praticamente todo o restante é realizado de metrô ou ônibus. O carro é mais utilizado fora da cidade, para viajar nos fins de semana.
Copenhague, onde 35% da população vai para o trabalho ou para a escola de bicicleta, também se destaca no quesito de incentivo aos meios de transporte não poluentes. A cidade está a caminho de se tornar a capital verde da Europa. Até 2015, deverão ser instaladas novas pontes para pedestres e ciclistas entre o centro e o porto, região bastante frequentada. Também está em pauta a construção de mais ciclovias. Nos próximos anos, o governo local espera que pelo menos metade da população utilize apenas a bicicleta para seus deslocamentos, contribuindo para uma redução de 80 mil toneladas por ano na emissão de gases causadores de efeito estufa.
Revista Problemas Brasileiros
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