Nairóbi, Quênia, 16/05/2012
Lançado pelo PNUD, Relatório de Desenvolvimento Humano da África aponta que
a segurança alimentar deve estar no centro da agenda de desenvolvimento do
continente
PNUD
A África Subsaariana não poderá
sustentar o seu atual renascimento econômico sem antes eliminar a fome que
afeta cerca de um quarto de sua população. A constatação está no relatório Africa Human Development Report 2012:
Towards a Food Secure Future (Relatório de
Desenvolvimento Humano para a África 2012: Rumo a um Futuro de Segurança
Alimentar), lançado esta semana pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD).
“Impressionantes taxas de crescimento do PIB na África não
se traduziram na eliminação da fome e da desnutrição. São necessárias
abordagens inclusivas de crescimento que sejam centradas nas pessoas para o
alcance da segurança alimentar”, disse a Administradora do PNUD, Helen Clark.
Argumentando que o foco exclusivo na agricultura não é
solução para a o problema, o Relatório clama por uma nova abordagem
multissetorial: da infraestrutura rural a serviços de saúde, de novas formas de
proteção social ao empoderamento de comunidades locais. Garantir que os pobres
e vulneráveis tenham mais voz através do fortalecimento de governos locais e da
sociedade civil também é necessário à segurança alimentar. O ritmo cada vez
mais rápido da mudança e da nova vitalidade econômica do continente faz deste o
momento mais oportuno para ação, diz o Relatório.
“É um grande paradoxo o fato de que, em um mundo de
excedentes de alimentos, a fome e a mal nutrição permaneçam quase universais
num continente com tanta capacidade para a agricultura”, diz Tegegnework Gettu,
Diretor do Escritório do PNUD para a África. Em mais um paradoxo, os altos
índices de crescimento econômico na África Subsaariana – alguns entre os mais
rápidos do mundo – e melhorias na expectativa de vida e nos índices de
escolaridade não levaram a melhorias consideráveis na segurança alimentar.
Com mais de um em quatro de seus 856 milhões de habitantes
subnutridos, a África Subsaariana continua como a região de maior insegurança
alimentar no mundo. Atualmente, mais de 15 milhões de pessoas estão em risco
apenas na região do Sahel – em toda a faixa semi-árida do Senegal ao Chade.
Além disso, um número equivalente no Chifre da África continua vulnerável após
a crise alimentar do ano passado no Djibouti, na Etiópia, no Quênia e na
Somália.
A fome e períodos extensos de desnutrição não apenas
devastam famílias e comunidades no curto prazo, mas também deixam um legado às
futuras gerações que prejudica a subsistência e o desenvolvimento humano.
Segurança alimentar, segundo definição da Cúpula Mundial da
Alimentação, é a ideia de que as pessoas possuem acesso a comida nutritiva e
suficiente para atender suas necessidades nutricionais para manter uma vida
ativa e saudável, e a um preço que elas possam custear.
Livres do flagelo da fome, as pessoas são mais produtivas e
atingem seu pleno potencial. Ao mesmo tempo, índices mais altos de
desenvolvimento humano podem melhorar o acesso à comida, criando um círculo
virtuoso.
Políticas para construção da segurança alimentar
“Construir um futuro de segurança alimentar para todos os
africanos só pode ser possível se os esforços forem realizados dentro de uma
agenda completa de desenvolvimento”, disse Helen Clark. Embora reconhecendo que
não há soluções rápidas, o Relatório argumenta que a segurança alimentar pode
ser atingida através de ação imediata em quatro áreas críticas:
Aumento da produtividade da agricultura: Com
uma projeção de crescimento da população prevista para exceder dois bilhões por
volta de 2050, a África Subsaariana precisará produzir substancialmente mais
comida, enquanto minimiza os conflitos entre agricultura e meio ambiente.
Acabando com décadas de preconceitos contra a agricultura e
contra as mulheres, os países devem colocar em prática políticas que garantam
insumos, infraestrutura e incentivos aos agricultores para que aumentem a
produtividade. É particularmente importante encorajar o espírito inovador e
empreendedor à crescente população jovem africana para estimular as economias
rurais.
Com dois terços de trabalhadores africanos vivendo da terra,
as políticas promotoras da produtividade da agricultura estimulariam o
crescimento econômico, retirando populações inteiras da pobreza através da
geração de renda e de empregos e aumentando as capacidades de poupança e
investimento no futuro. Isto também irá possibilitar um uso mais sustentável da
terra e da água.
Tais ações podem fazer a diferença. Gana tornou-se o
primeiro país da África Subsaariana a atingir o 1º Objetivo de Desenvolvimento
do Milênio de erradicar a fome até 2015, parcialmente através de políticas que
encorajaram o aumento da produção de cacau. O Malawi transformou seu déficit
alimentar de 1,3 milhão de toneladas num excedente em apenas dois anos, graças
a um programa massivo de subsídio de sementes e de fertilizantes.
Nutrição mais efetiva: Os países devem
desenvolver intervenções coordenadas que melhorem a nutrição enquanto expandem
o acesso a saúde, educação, saneamento e água potável. O relatório cita
pesquisas que mostram que a educação das mães é mais importante na explicação
de taxas mais baixas de desnutrição em crianças do que a renda familiar.
No Senegal, ações coordenadas desenvolvidas através de
diversos ministérios, apoiadas por um aumento no orçamento nacional destinado à
nutrição, ajudaram a diminuir a incidência da desnutrição em crianças de 34%
para 20% entre 1990 e 2005. Na Tanzânia, por meio de esforços similares, as crianças
cujas mães receberam suplementos alimentares nos três primeiros meses de sua
gravidez completaram períodos escolares mais longos.
Construção da resiliência: Trazer a
comida do campo para a mesa, na África Subsaariana, é uma tarefa repleta de
riscos. Os países devem tomar medidas para diminuir a vulnerabilidade de
pessoas e comunidades a desastres naturais, conflitos civis, alterações
sazonais ou voláteis nos preços dos alimentos e às mudanças climáticas.
O relatório recomenda a implementação de programas de
proteção social como seguros sobre colheitas, programas de garantia de emprego
e transferências de renda – políticas que podem proteger as pessoas destes
riscos e aumentar a renda.
O Quênia, por exemplo, desenvolveu um plano de seguros
contra secas que pagava a pequenos agricultores de acordo com os níveis de
precipitação apontados por estações de monitoramento climático. Outro exemplo
são as feiras comerciais de insumos (input trade fairs) no Moçambique, que
repõem estoques de sementes de famílias afetadas pela seca.
Empoderamento e justiça social: Alcançar
a segurança alimentar na África Subsaariana continuará um objetivo inatingível
enquanto os pobres das áreas rurais, em especial as mulheres, que têm um papel
majoritário na produção alimentar, não tiverem maior controle sobre suas vidas,
diz o Relatório.
Garantir acesso a terra, a mercados e a informações é um
passo importante para o empoderamento. Diminuir a lacuna entre os gêneros é
particularmente importante: quando as mulheres conseguem acesso aos mesmos
insumos que os homens, as safras podem aumentar mais de 20%.
O acesso à tecnologia pode ter um papel importante para
desequilibrar a balança de poder em favor dos pequenos agricultores, reduzindo
os custos de transação e aumentando o poder de barganha. A Bolsa de Valores de
Commodities da Etiópia (Ethiopia Commodity Exchange), por exemplo, usa
mensagens de texto via celular para disseminar informações de preços aos
agricultores, recebendo mais de 20 mil ligações diárias em uma linha direta destinada
às respostas de suas perguntas.
O acesso deve ser conectado à maior participação no debate
público. Esta maior participação, por sua vez, deve ser conectada à maior
responsabilidade de governos e organizações.
Por muito tempo, a imagem da África foi desumanizada pela
fome. O tempo de mudanças já passou em muito, argumenta o relatório. “A África
tem o conhecimento, a tecnologia e os meios para acabar com a fome e com a
insegurança alimentar”, diz Tegegnework Gettu. O desafio é grande, o espaço de
tempo é curto e os investimentos necessários são significantes, mas os ganhos
potenciais para o desenvolvimento humano da região são imensos, conclui o
Relatório.
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