terça-feira, 22 de maio de 2012

Por que respeito os céticos do aquecimento global


Tenho grande respeito pelas pessoas que questionam o aquecimento global. As vozes críticas são fundamentais, em um ambiente democrático, para manter os debates equilibrados. O ceticismo diante das mudanças climáticas é natural e saudável. Afinal estamos diante de novidades que desafiam o que sabemos, envolvem conhecimentos complexos, uma parcela de dúvida e podem envolver decisões com custos e sacrifícios.
Essas vozes críticas não são homogêneas. Expressam diferentes visões. O meteorologista Luiz Carlos Molion, da Universidade Federal de Alagoas, diz que a Terra está esfriando, e que os grandes centros de pesquisa combinaram de deturpar ou esconder os dados corretos que mostrariam isso. O meteorologista Ricardo Augusto Felício, da USP, diz que a Terra está esquentando, mas que é um fenômeno natural. Obiólogo alemão Joseph Reichholf, do Zoológico de Munique, diz que a Terra está esquentando, que pode ser por efeito da ação humana, mas que será bom para nós.
Um dos céticos mais famosos, o dinamarquês Bjorn Lomborg, já passeou por vários pontos de vista. Nos anos 90, dizia que não havia evidências de que a Terra estava esquentando. Em meados dos anos 2000, passou a dizer que a Terra estava esquentando, mas não era um problema dos mais sérios. A partir de 2010, começou a afirmar que a Terra está esquentando, que é um problema sério, mas que a estratégia não deve ser cortar as emissões poluentes, mas apenas investir mais em tecnologias limpas.
Também há grupos de céticos financiados por indústrias poluidoras, como empresas de petróleo. Mas vou deixar esses pra lá porque, embora provoquem ruído na mídia, não participam do debate científico.
Os cientistas que estudam o clima também não têm opinião homogênea. Também discordam entre si. Se você visitar um blog como o Real Climate, acompanhará um pouco dos debates atuais dos climatologistas. Eles estudam e discutem como estimar com precisão o clima da Terra há 200 milhões de anos ou como entender o efeito das nuvens na atmosfera. Uma das maiores dificuldades de hoje é montar modelos de computador capazes de prever como os regimes de chuva mudarão. Alguns apontam para uma Amazônia mais seca, outros mais úmida.
Apesar das discordâncias, alguns conhecimentos adquiridos sobre o clima nos últimos 50 anos, desde que esses estudos começaram a ser feitos com mais intensidade, podem ser considerados relativamente consensuais na comunidade científica. Isso acontece quando os pesquisadores consideram que as teses já se apoiam em um volume suficiente de dados coletados por fontes independentes e já sobreviveram um número suficiente de testes capazes de refutá-las. Um bom resumo desse consenso foi elaborado pelaRoyal Society, a academia britânica de ciências. Outro bom resumo do conhecimento atual aceito pela ciência foi feito pela academia americana. Ambos são de 2010.
Esse conhecimento foi adquirido por vários centros de pesquisa do mundo, inclusive brasileiros, como o Inpe, a Embrapa, a Coppe da UFRJ, a USP e a Fiocruz. Há esforços para reunir tudo que se sabe, descartar as incertezas, e tentar chegar aos consensos. A maior empreitada desse tipo é o IPCC, o painel de clima organizado pela ONU desde 1990. Seus últimos relatórios, publicados em 2007, envolveram centenas de pesquisadores que reuniram milhares de estudos científicos publicados em revistas com revisão independente, como a americana Science e a britânica Nature. Um dos relatórios afirma que o aquecimento é provocado pelo homem. O outro detalha seus possíveis impactos.
Dos milhares de estudos que amparam o último relatório do IPCC, apenas um se mostrou errado: a famosa estimativa para o derretimento do Himalaia. Os outros milhares de estudos estão, até prova em contrário, corretos.
O que geralmente confunde as pessoas é que a ciência não trabalha com certezas absolutas. O ramo do conhecimento que fornece certezas inquestionáveis é a religião. O método do conhecimento científico é outro. Ele progride em cima de hipóteses, teses e teorias com algumas propriedades. Primeiro, elas ajudam a explicar algum mistério do mundo. Segundo, elas sempre podem ser refutadas por alguma evidência. A teoria da gravitação ajuda a explicar por que a Terra gira em torno do Sol. E vem se mantendo incólume desde 1687. Mas se você fizer uma caneta levitar agora, a teoria cai. A teoria da evolução das espécies, de Darwin, resiste há mais de um século. Mas se alguém desenterrar um fóssil de um bicho contemporâneo como um coelho numa camada geológica de 200 milhões de anos, junto com osso de dinossauro, a teoria da evolução será extinta. A teoria do aquecimento global é assim. É imperfeita. Mas é a melhor explicação para as mudanças em curso, como encolhimento das calotas polares, recordes detemperatura e mudanças nas chuvas. E a teoria vem sendo aprimorada graças aos saudáveis questionamentos das vozes céticas.
(Alexandre Mansur)
Revista Época

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