domingo, 12 de junho de 2022

JOGOS DE ESTRATÉGIA DO MUNDO REAL E GEOPOLÍTICA

O conflito no leste europeu pode ser observado a partir de múltiplos pontos de vista, para cada um deles, a geografia pode fornecer elementos importantes de análise

CRÉDITO: FOTO ADOBE STOCK




A invasão da Ucrânia pela Rússia fez com que o mundo olhasse para as relações entre Estados-nação. Neste contexto, aprendemos mais sobre separatismos, identidade e a importância deles para a formação territorial de um país. Ao fundo, todos os noticiários passaram a falar da geopolítica, ou seja, da relação entre Estados soberanos.

O título da obra do geógrafo francês Yves Lacoste, A geografia, isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra, publicada em 1988, introduz a ideia de que a geografia, principalmente a geopolítica, é fundamental para entendermos conflitos armados de diferentes ordens.

Cabe então diferenciar a geografia política da geopolítica. De forma geral, podemos identificar a primeira como o campo de estudo das relações entre a política e o território, enquanto a geopolítica está preocupada com a relação entre Estados maiores, como definiu o cientista político sueco Johan Rudolf Kjellén (1864-1922).

Na realidade, a institucionalização da geografia política acompanhou a própria formação dos Estados e fronteiras como conhecemos atualmente. Para o geógrafo brasileiro Wanderley Messias da Costa (1950), este processo decorreu do contexto europeu na virada do século 19 para o século 20, com a emergência de grandes potências imperialistas. Assim, o campo passava a estudar a relação entre espaço e poder, através dos territórios.

Logo, para compreendermos a importância da geopolítica, remontamos ao expansionismo característico do imperialismo, que levou à partilha da África e à reorganização do poder entre nações, culminando no período de grandes guerras. O alemão Friedrich Ratzel (1844-1904), considerado o pai da geografia política e da geopolítica, foi um dos pensadores de maior influência no processo expansionista da Alemanha. Por isso, a geopolítica, e a própria geografia política, ficaram marcadas pelos horrores dos conflitos e, de certa forma, perderam o papel central nos debates geográficos.

Se por um lado o pós-Segunda Guerra Mundial marcou a geopolítica enquanto campo de estudos, a intensificação da globalização e dos aparatos técnicos jogou, nos últimos anos, o Estado-nação para o centro dos conflitos mundiais. Assim, contrariando a tese do cientista político estadunidense Francis Fukuyama sobre o fim da história e do próprio Estado, novos conflitos identitários, econômicos e até sanitários reavivam os debates sobre fronteiras, nações e nacionalismos.

Neste caso, é possível observar como o pertencimento dos diferentes grupos em relação ao território permeiam os interesses expansionistas de grandes potências até os dias atuais. Por isso, ao olhar o conflito entre Rússia e Ucrânia, podemos observar a importância da geopolítica enquanto campo de estudo centrado no Estado-nação.

Ao fundo, a relação entre o povo soberano e seu território, assim como a autonomia do Estado ucraniano fazem parte da lógica espacial que rodeia o conflito. Da mesma forma, a reação de outras potências e dos países vizinhos mostram como, no mundo globalizado, as relações geopolíticas se expandem para além dos conflitos bélicos, envolvendo relações econômicas e estratégicas, como no caso dos recursos naturais.

Os conflitos e as mudanças nas relações entre Estados que observamos com perplexidade reafirmam que a Geopolítica, focada no Estado-nação, ainda é central para compreendermos nosso mundo.



Tatiana Lemos dos S. Borges (convidada)
Departamento de Geografia
Instituto de Geociências
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Revista Ciência Hoje

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