Segundo o mais recente e amplo relatório sobre a situação dos oceanos, o aumento de temperatura das águas está afetando profundamente esse ecossistema, com graves consequências para seus habitantes e os seres humanos
A absorção de gases-estufa torna os oceanos mais quentes e leva à perda de espécies, reduzindo, por exemplo, as áreas de pesca, como na costa do Vietnã (foto abaixo)
A cada nova pesquisa, cresce a preocupação sobre o estado dos oceanos da Terra, responsáveis pela maior parte da absorção dos gases de efeito estufa lançados na atmosfera pelas atividades humanas. O mais novo e abrangente deles – um calhamaço de 456 páginas preparado por 80 cientistas de 12 países, publicado em setembro pela respeitada União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) – reforça ainda mais esse quadro sombrio.
Para os autores, o crescimento da temperatura nos oceanos representa “o maior desafio oculto da nossa geração”, pela capacidade demonstrada de alterar a composição de espécies marinhas, reduzir áreas de pesca (em um período em que a necessidade de alimento está crescendo) e começar a espalhar doenças para os seres humanos. “Em um planeta oceânico, estamos arruinando o oceano”, sintetiza o ambientalista americano Bill McKibben com base no relatório.
Essas mudanças já podem ser sentidas pelas pessoas, segundo o trabalho. “Devido a um efeito dominó, setores humanos fundamentais estão em risco, especialmente pesca, aquicultura, gestão de riscos costeiros, saúde e turismo costeiro”, dizem os autores. De acordo com o relatório, os oceanos, que recobrem cerca de 70% da superfície terrestre, têm absorvido mais de 90% do calor extra produzido pelos seres humanos.
Se uma quantidade de calor semelhante à que está armazenada nos primeiros dois mil metros de profundidade tivesse ido para a atmosfera, a temperatura na superfície do planeta estaria nada menos que 36 graus centígrados mais alta ao longo do século 20. Como os oceanos a capturaram, essa elevação foi de apenas 1° C – cerca de 0,13° C desde o início do século passado. Até 2100, estima-se que esse aumento possa chegar a 4° C, com máximas maiores no hemisfério sul.
Cardume de sardinhas, peixe que, no Atlântico Norte, já está migrando rumo ao polo em média 30 km por década
As diferenças de temperaturas deverão ser ainda maiores nos polos – elas têm crescido duas vezes mais ali do que a média global. O desarranjo afeta inúmeros aspectos do ecossistema marinho, e o relatório aponta os principais entre eles. Um é o impacto destrutivo causado no início da cadeia alimentar dos mares, em seres como o fitoplâncton, o zooplâncton e o krill (pequeno crustáceo). A redução na disponibilidade desses alimentos afeta a reprodução.
Com tudo isso somado, muitos seres ligados ao ambiente oceânico (como peixes, aves marinhas, tartarugas marinhas e águas-vivas) podem ser deslocados de seus habitats, enquanto outros ficam sujeitos a espécies invasoras. No Atlântico Norte, já foram detectados deslocamentos de 30 quilômetros por década, rumo ao polo, de sardinhas, anchovas, arenques e cavalas. Como mais de 550 tipos de peixes e invertebrados marinhos já são considerados ameaçados, o aquecimento dos oceanos deverá incrementar o declínio de algumas espécies.
Perda de cor
O texto se debruça sobre o caso dos recifes de coral, que dão suporte a cerca de 25% das espécies marinhas. Vários deles sofreram branqueamento porque a constância de temperaturas mais elevadas leva o coral a expelir as algas que lhe dão cor, clareando-se e, por fim, morrendo. Nos últimos 30 anos, os casos de branqueamento registrados nos corais triplicaram, com destaque para o ocorrido na Grande Barreira de Coral, no litoral australiano. Além disso, a acidificação dos oceanos (o aumento da acidez da água causado pela maior absorção de gás carbônico) está deixando cada vez mais difícil, para animais como caranguejos, camarões e mariscos, a tarefa de formar suas conchas de carbonato de cálcio.
Coral branqueado por causa do aquecimento do oceano
A pesca, que representa o sustento básico de cerca de 4,3 bilhões de pessoas, será duramente afetada pelas mudanças nos mares caso as emissões de gases-estufa não caiam radicalmente. No Sudeste da Ásia, por exemplo, o volume pescado poderá cair cerca de 33% até 2050. O assunto preocupa bastante, já que até 2050 se espera que a população mundial passe dos atuais 7 bilhões de pessoas para 9 bilhões. Outro perigo citado no texto é a propagação de doenças que o aquecimento oceânico vai facilitar. Os pesquisadores apontam uma relação entre a proliferação de espécies de algas nocivas, que podem causar intoxicação alimentar, e o vibrião do cólera.
As águas mais quentes poderiam ainda liberar bilhões de toneladas de metano (o mais danoso dos gases-estufa) congelado no fundo do mar, o que elevaria fortemente as temperaturas. O desastre poderá ocorrer mesmo se houver um corte drástico de emissões de gases-estufa, já que essa redução demoraria a produzir consequências perceptíveis.
O relatório recomenda a expansão das áreas protegidas dos oceanos e, sobretudo, a redução do volume de gases-estufa emitido pela atividade humana. “O aquecimento dos oceanos é um dos maiores desafios ocultos desta geração – e um para o qual estamos totalmente despreparados”, diz Inger Andersen, diretora-geral da IUCN. “A única forma de preservar a rica diversidade de vida marinha e salvaguardar a proteção e os recursos que o oceano nos oferece é cortar as emissões de gases de efeito estufa rápida e substancialmente.”
Revista Planeta
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