sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

O ouro do século 21


Grupo de 17 metais pouco conhecido da maioria das pessoas, as terras-raras são hoje utilizadas em um número cada vez maior de aplicações, de telas de TVs e computadores a turbinas eólicas


Monitores de TV: um dos produtos modernos feitos com terras-raras (Foto: iStock)

Cério, gadolínio, lutécio, promé­cio e érbio; sa­mário,­ térbio e dis­prósio; hólmio, túlio e itérbio. Essa lista de nomes esquisitos e pouco conhecidos pode parecer a escalação de um time de futebol de várzea, que ainda teria no banco de reservas lantânio, neodímio, praseodímio, európio, escândio e ítrio. Mas esses 17 metais, chamados de terras-raras, fazem parte da vida de quase todos os humanos do planeta. Chamados por muitos de “ouro do século 21”, “elementos do futuro” ou “vitaminas da indústria”, eles estão nos materiais usados na fabricação de lâmpadas, telas de computadores, tablets e celulares, motores de carros elétricos, baterias e até turbinas eólicas. Apesar de tantas aplicações, o Brasil, dono da segunda maior reserva do mundo desses metais, parou de extraí-los e usá-los em 2002. Agora, volta a pensar em retomar sua exploração.

O primeiro metal das terras-raras descoberto foi o itérbio, encontrado em Ytterby, a 30 km de Estocolmo (Suécia), em 1787. O último foi identificado em 1947: o promécio, encontrado em produtos resultantes da fissão do urânio, em bombas atômicas. Na tabela periódica, que classifica os elementos químicos conhecidos, eles são enquadrados como lantanídeos, entre os números atômicos 57 e 71 (que vai do lantânio ao lutécio), mais o escândio, de número atômico 21, e o ítrio, 39. “Esses elementos apresentam propriedades físico-químicas muito semelhantes e são encontrados nos mesmos minérios”, diz o químico Rodrigo Fernando Costa Marques, do Instituto de Química do campus de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Ímãs feitos com neodímio (a partir da esquerda: gadolínio, praseomídio, cério, samário, lantânio e neodímio) (Foto: iStock)

As terras-raras não são terras nem tão raras assim. Quando começaram a ser extraídos dos minerais que os contêm (sobretudo monazita, bastnasita e xenotima), esses metais surgiam na forma de uma mistura de óxidos que tem aspecto terroso. A segunda parte do nome foi um engano. Como no início eles eram conhecidos apenas na Escandinávia e a separação em óxidos individuais era difícil, foram considerados “raros”. Mas hoje se sabe que o cério, por exemplo, é tão abundante quanto o zinco; já o túlio e o lutécio, os mais raros do grupo, são mais abundantes do que a prata, o ouro e a platina.
Inúmeras utilidades

É bem difícil extrair as terras-raras do ambiente e separar os metais uns dos outros. Isso não impediu, porém, que suas características e propriedades fossem conhecidas e rendessem um número cada vez maior de aplicações. Em suas formas elementares, as terras-raras são metais macios, maleáveis e dúcteis (que não se partem mesmo se batidos, comprimidos ou estirados), em geral reativos, sobretudo a temperaturas elevadas, e extremamente magnetizáveis. Os óxidos de cério (Ce), lantânio (La), itérbio (Y), neodímio (Nd), praseodímio (Pr), samário (Sm) e gadolínio (Gd), por exemplo, são os mais usados em alta tecnologia. Já o ítrio (Y), o neodímio (Nd) e o promécio (Pr) são considerados elementos críticos por terem demanda maior que a oferta.

Pós de terras-raras usadas para detectar erosão em bacias de rios (Foto: Divulgação)

As terras-raras estão presentes em várias aplicações tecnológicas. São exemplos disso catalisadores (automotivos, refino de petróleo, aditivo para combustível, controle de poluição do ar e filtragem de água), ímãs permanentes e cerâmicos (carros e motores elétricos, sistemas de som e imagens médicas), fósforos (monitores e televisões LCD, telas de celulares, luz fluorescente eficiente, LED e lâmpadas de vapor de mercúrio). Elas também podem ser empregadas na fabricação de pós para polimento de lentes de precisão ótica, de componentes eletrônicos, de telas de televisão e computador. Na metalurgia, ajudam a criar superligas resistentes a altas temperaturas e à corrosão, além de aumentar a ductibilidade do ferro e a qualidade do aço. Na área de saúde, elas são úteis em equipamentos de ressonância magnética, imagens de raio X, ferramentas, perfuratrizes e lasers cirúrgicos e tomografia computadorizada.



Segundo o químico Osvaldo Antonio Serra, do Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), uma das aplicações mais comuns das terras-raras é a catálise, que consome cerca de 20% do volume total produzido no mundo, sobretudo no cra­queamento (fracionamento de hidrocarbonetos) do petróleo e na elaboração de redutores da emissão de poluentes por motores automotivos. “Mas por empregar principalmente cério e lantânio, os mais abundantes e baratos, a catálise corresponde a apenas 5% do valor agregado a esses elementos, embora contribua com um consumo bem elevado”, diz. “A produção de magnetos também corresponde a cerca de 20% do volume total consumido de terras-raras, mas, ao contrário da catálise, essa é a atividade que mais agrega valor, 37%.”
Retorno lento

A ideia de voltar a produzir e consumir terras-raras no Brasil começou a tomar forma em 2010, quando o Ministério de Minas e Energia (MME) e o então Ministério da Ciência e Tecnologia (hoje da Ciência, Tecnologia Inovações e Comunicações – MCTIC) criaram um grupo dedicado a elaborar propostas de integração, coordenação e aprimoramento das políticas, diretrizes e ações voltadas para minerais estratégicos. A iniciativa rendeu o projeto “Avaliação do potencial dos minerais estratégicos do Brasil”, realizado pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM). Em 2011, foi elaborado o Plano Nacional de Mineração 2030 (PNM2030), no qual os 17 metais são considerados estratégicos.

Mina de terras-raras de Mountain Pass, na Califórnia: reativada por causa da alta demanda (Foto: V. Paul Williams)

Em 2013, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), vinculado ao MCTIC, fez o trabalho prospectivo “Estudo de usos e aplicações de terras-raras”, dedicado a subsidiar políticas de pesquisa, desenvolvimento e inovação fundamentais para o desenvolvimento sustentável da cadeia produtiva desses elementos no país. Pela variedade de seus depósitos minerais, o Brasil tem boas perspectivas para extração e aproveitamento de terras-raras, afirmam os autores. A demanda exterior por tais produtos justificaria sua produção e exportação.

Em 7 de junho, a canadense instalada no Brasil MBAC Fertilizantes apresentou um projeto de exploração de terras-raras em Araxá (MG). Embora a iniciativa possa ser o início da retomada da exploração desses metais no Brasil, Rodrigo Marques recomenda cautela. “Devemos estar atentos para não ficarmos reféns de tecnologias produzidas fora do Brasil com elementos extraídos de nossos solos”, alerta. “É crucial o investimento na cadeia de lavra, produção e extração de terras-raras pelas indústrias brasileiras. O país domina muito pouco dessa tecnologia.”


Domínio chinês

Até meados do século 20, o Brasil era um dos maiores produtores do mundo de monazita, um dos principais minérios de terras-raras. A partir daí, caiu até dar lugar aos Estados Unidos nos anos 1980. Em 1984, a China começou a explorar suas reservas desses elementos – as maiores do mundo, estimadas em 55 milhões de toneladas – e a história do mercado de terras-raras mudou radicalmente. Nos anos 1990, com a desativação das principais minas americanas, os chineses saltaram para o primeiro lugar no ranking e hoje respondem por mais de 95% do comércio global desses elementos (que movimenta US$ 5 bilhões por ano) e por 67% do consumo. O Brasil, dono da segunda maior reserva do planeta, com 22 milhões de toneladas, parou de explorá-la em 2002.

A situação dos países consumidores de terras-raras, principalmente Japão, EUA e Alemanha, começou a piorar nos anos 2000, quando a China passou a implantar cotas de exportação. O controle levou à redução da oferta desses metais no mercado mundial e, consequentemente, a um grande aumento dos preços, em especial a partir de 2011. O quilo de lantânio, por exemplo, passou de US$ 4 para US$ 150. Não é de se estranhar, portanto, que muitos países estejam investindo na exploração e produção de terras-raras. Os EUA, por exemplo, reativaram sua maior mina, a de Mountain Pass, na Califórnia. O Japão descobriu um grande depósito na sua costa, e até a Jamaica está extraindo esses metais da lama de rejeito de bauxita.
Revista Planeta

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