sábado, 17 de novembro de 2018

Marte poderia abrigar água líquida rica em oxigênio


Salmouras contendo o gás podem oferecer esperança de existência de micróbios no passado do Planeta Vermelho, ou mesmo no presente, sugere novo estudo

NASA, JPL-Caltech e Universidade do Arizona


Salmouras correntes são uma possível causa das faixas escuras sazonalmente observadas nas encostas de Marte, como estas vistas na Cratera Hale. Um novo estudo sugere que algumas salmouras da superfície marciana, ou perto dela, podem ser enriquecidas com oxigênio. Essa imagem foi produzida usando observações estéreo e informações topográficas do instrumento HiRISE, que está a bordo do orbitador Mars Reconnaissance da NASA.

A possibilidade de vida em Marte não pode ser restringida ao passado distante. Novas pesquisas sugerem que nosso mundo vizinho poderia esconder, perto de sua superfície, oxigênio suficiente em água líquida salobra para sustentar vida microbiana, ocasionando uma grande quantidade de regiões potencialmente habitáveis em todo o planeta. Embora as descobertas não meçam diretamente o teor de oxigênio das salmouras conhecidas do Planeta Vermelho, elas constituem um passo importante para determinar onde a vida poderia existir hoje.

A respiração aeróbica, que depende do oxigênio para ocorrer, é um componente chave da vida atual na Terra. Nesse processo, as células absorvem o oxigênio e o decompõem, obtendo energia para impulsionar o metabolismo. Os níveis muito baixos de oxigênio atmosférico de Marte levaram muitos cientistas a descartar a possibilidade de respiração aeróbica lá atualmente, mas a nova pesquisa traz essa possibilidade de volta ao jogo. O estudo aparece na edição de 22 de outubro da revista Nature Geoscience.

"Nosso trabalho pede uma revisão completa das ideias sobre o potencial para vida em Marte e a função do oxigênio, sugerindo que, se a vida existisse em Marte, ela poderia estar respirando oxigênio", diz o principal autor do estudo, Vlada Stamenkovic, do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA na Califórnia. "Temos a possibilidade agora de entender a atual habitabilidade do planeta."

Embora Marte seja hoje um deserto liofilizado, o planeta possui reservas abundantes de gelo de água no subsolo e também alguma quantidade de água líquida na forma de salmouras. O alto teor de sal das salmouras reduz a temperatura de congelamento, o que lhes permite permanecerem líquidas mesmo na superfície gelada de Marte. Em seu novo estudo, Stamenkovic e seus colegas combinaram um modelo da dissolução do oxigênio nas salmouras com um modelo do clima marciano. Seus resultados revelaram que poças de líquido salgado na superfície, ou logo abaixo da superfície, poderiam capturar as parcas quantidades de oxigênio que existem da atmosfera do Planeta Vermelho, constituindo reservatórios que micróbios poderiam utilizar para seu metabolismo. De acordo com a pesquisa, Marte hoje pode conter concentrações mais altas de oxigênio do que as existiram no passado da Terra, que há cerca de 2,4 bilhões de anos possuía apenas vestígios do gás em seu ar.

O estudo analisou como as mudanças lentas na inclinação de Marte em relação ao Sol (um fenômeno ainda em curso que está sendo bastante estudado) mudariam a temperatura média do planeta, examinando um período de tempo que vai de 20 milhões de anos no passado a 10 milhões de anos no futuro. Essa análise mostrou que mudanças de temperatura ao longo desses longos períodos poderiam permitir que as salmouras absorvessem e retivessem oxigênio do fino ar de Marte.

Embora resultados baseados em modelos possam parecer bastante especulativos, eles se alinham a descobertas misteriosas feitas no próprio planeta. O rover Curiosity da NASA identificou rochas ricas no elemento manganês, que provavelmente necessitaram de uma quantidade significativa de oxigênio para se formar. "A deposição de manganês na Terra está intimamente associada à vida, tanto indireta quanto diretamente", diz Nina Lanza, geóloga planetária do Laboratório Nacional de Pesquisa de Los Alamos, no Novo México. No entanto, isso não significa que a vida marciana criou as reservas de manganês; em vez disso, Marte simplesmente poderia possuir muito mais oxigênio atmosférico no passado do que hoje, algo apoiado por várias outras linhas independentes de evidências.

Um Marte antigo e rico em oxigênio necessitaria, por sua vez, de uma atmosfera mais espessa - possivelmente espessa o suficiente para permitir que oceanos de água se acumulassem na superfície. Essa é a história marciana que a maioria dos pesquisadores atualmente adota e que é baseada na riqueza das observações de múltiplas missões.

Mas Stamenkovic diz que um oceano, uma atmosfera rica em oxigênio ou um clima mais quente podem não ser necessários para criar os depósitos. Também é possível que as salmouras, interagindo com as rochas ao longo de milhões de anos, possam ter formado rochas ricas em manganês e ainda possam criá-las hoje, eliminando a necessidade de Marte alguma vez ter tido oceanos e atmosfera parecidos com os da Terra. Lanza concorda que as rochas ricas em manganês podem ter se formado em um planeta livre de oceanos, mas observa que são necessários mais estudos.

Steve Clifford, especialista em hidrologia marciana do Instituto de Ciência Planetária, no Arizona, que não fez parte do estudo, não está pronto para excluir o papel dos oceanos na formação das salmouras de Marte. "É necessária a presença de água para que existam essas salmouras", diz ele. Clifford ressalta que a presença de água em Marte hoje, qualquer que seja o seu volume total - e alguns pesquisadores acreditam haver água o suficiente para cobrir toda a superfície do planeta com pelo menos meio quilômetro, se não um quilômetro de profundidade - implica na existência de quantidades ainda maiores no passado, o que essencialmente assegura para o Planeta Vermelho um passado abundante em água.

Independentemente de como as salmouras de Marte vieram a surgir, sua existência e possível oxigenação sugerem um nicho planetário potente, até então negligenciado para a vida passada ou até atual. "A questão da existência de vida é algo que se poderia definir se tivéssemos as ferramentas certas em Marte", diz Stamenkovic. “Procurar água líquida e salmoura no subsolo de Marte seria o primeiro passo; a perfuração seria outro passo crítico.”

Mas só porque as salmouras concentram o oxigênio não significa, necessariamente, que elas constituam um refúgio para qualquer micróbio marciano em qualquer parte do planeta. Por um lado, Stamenkovic e seus colegas ainda não modelaram a atual formação ou estabilidade dos mares ao longo do tempo; em vez disso, eles simplesmente procuraram regiões nas quais o líquido salgado poderia existir, com base nas pressões atmosféricas marcianas medidas e em uma faixa de temperaturas anuais médias estimadas. As salmouras exigiriam condições mais salgadas no equador, o que faria com que elas absorvessem menos oxigênio e se tornassem habitats menos adequados. Porém, nos polos as salmouras seriam capazes de absorver oxigênio suficiente para potencialmente suportar uma variedade maior de formas de vida, segundo o estudo.

No entanto, de acordo com Edgard Rivera-Valentin, seria difícil, em primeiro lugar, que os sais situados perto da superfície absorvessem vapor d’água da atmosfera de Marte, o que permitiria a formação da salmoura - um processo conhecido como deliquescência. Rivera-Valentin, um cientista planetário do Instituto Lunar e Planetário do Texas, que não fez parte do estudo, diz que a deliquescência é um desafio até nos polos do planeta. Lá há vapor de água mais abundante do que no Equador, graças à presença das calotas polares, mas ainda é escasso na atmosfera devido às temperaturas congelantes.

Em vez disso, Rivera-Valentin diz que as salmouras equatoriais são mais propensas a se formar quando a água subterrânea entra em contato com minerais ricos em sal, ao invés de sais interagindo com o vapor da água atmosférica. De acordo com Clifford, é mais provável que ocorram interações entre água e rochas por todo o planeta nas profundezas, onde as águas subterrâneas podem dissolver as rochas ao redor, permanecendo isoladas da atmosfera por bilhões de anos. "Na superfície próxima, é um pouco mais difícil prever qual seria a composição das salmouras ou quão saturadas elas estariam", disse Clifford. Rivera-Valentin também expressou preocupação de que as salmouras sejam salgadas demais para a vida. "Os tipos de salmoura que se formariam em Marte poderiam matá-la", diz ele. "A vida como a conhecemos na Terra não seria capaz de sobreviver nessas salinas muito salgadas e frias."

Woodward Fischer, geobiólogo do Instituto de Tecnologia da Califórnia e um dos autores do artigo, diz que para encontrar o limite salino da vida é preciso saber algo sobre os gastos energéticos de uma célula. “Nós mal conhecemos como isso ocorre em certos casos muito específicos de micróbios em laboratórios na Terra, e não temos idéia de como seria em qualquer outro planeta”, diz ele. Fischer acredita que os cientistas devem evitar restrições excessivamente rígidas quando se trata de imaginar como a vida alienígena e sobrenatural pode emergir e evoluir.

Se de fato os oásis salgados e biologicamente amigáveis se espalham pelo Planeta Vermelho, eles paradoxalmente poderiam ser más notícias para futuras missões de caça à vida lá, tornando vastas faixas do planeta potencialmente habitáveis - e, portanto, fora do alcance para exploração in situ, segundo as interpretações atuais do direito internacional. Os protocolos de proteção planetária exigem métodos rigorosos de descontaminação de espaçonaves que pousam perto de “regiões especiais” onde há a possibilidade de condições necessárias à vida - por exemplo, a presença de uma fonte de energia utilizável e de água líquida. Esses protocolos buscam evitar a extinção acidental ou a contaminação da possível vida marciana por microorganismos invasores da Terra, e também deve manter nosso próprio planeta a salvo de quaisquer organismos marcianos que possam um dia pegar carona para a Terra em futuras missões de retorno de amostras. Presumivelmente, se a maior parte da superfície marciana e da região subsuperficial fosse subitamente vista como uma “região especial”, a exploração ainda poderia ocorrer por meio de robôs que seriam, de algum modo, completamente expurgados de todos os vestígios potencialmente contaminantes da biologia terrena.

Tais exigências rígidas elevariam o já alto custo da exploração marciana, mas Stamenkovic continua otimista. "Eu acho que há um ponto de equilíbrio onde podemos ser curiosos e exploradores sem bagunçar as coisas", diz ele. "Nós temos que ir atrás dessas descobertas."

Nola Taylor Redd
Scientific American Brasil

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