Por Alessandro Galli e Philippe Pypaert
A ilha de Capri , na fértil costa italiana.
Cálculo da Global Footprint Network contabiliza o impacto do consumo de recursos fl orestais, fontes de energia, pastagens, agricultura, emissão de gases urbanos e pesca.
Praias da Córsega francesa mantêm biocapacidade elevada.
Em cinquenta anos, os moradores da Bacia do Mediterrâneo quase triplicaram sua demanda por recursos naturais e serviços ambientais. Com isso, os 24 países da região se tornaram devedores ecológicos. Essas são as constatações do Mediterranean Ecological Footprint Trends, relatório lançado pela organização canadense Global Footprint Network na conferência “Assegurar a Competitividade para o Mediterrâneo”, realizada com o Escritório Regional da Unesco para Ciência e Cultura na Europa, no fim do ano.
Representantes dos governos e universidades de 15 países mediterrâneos foram a Veneza, na Itália, para debater as implicações das conclusões do relatório, em termos de prosperidade econômica e manutenção da estabilidade política da região.
Diz-se que não se pode gerenciar o que não se pode medir. Precisamente por isso, o conceito de “pegada ecológica” elaborado pela Global Footprint Network visa a ajudar os governos a medir o estado de seus ativos ecológicos e serviços ambientais, a fim de gerenciá-los melhor no longo prazo. Para avaliar o balanço ecológico de um país, compara-se a oferta (biocapacidade) com a demanda (pegada ecológica). Quando esta supera aquela, o país incorre em déficit ecológico.
A Global Footprint Network calcula que, entre 1961 e 2008, a pegada ecológica mundial subiu de 2,4 hectares globais (gha, na sigla em inglês) para apenas 2,7 gha por pessoa. Mesmo assim, a Terra entrou em déficit ecológico, pois sua biocapacidade per capita (determinada pelo conjunto dos ativos de florestas, terras agrícolas, solo urbano, pastagens, etc.) caiu de 3,2 gha, em 1961, para 1,8 gha em 2008, quase 50% a menos.
A situação se deteriorou mais rapidamente no Mediterrâneo do que na média global. Enquanto a pegada ecológica da região subiu de 2,1 gha per capita para 3,1 gha, a biocapacidade caiu de 1,5 gha per capita para 1,3 gha. O pequeno déficit ecológico regional registrado em 1961 tornou-se um enorme déficit de 150% em 2008, e o cenário natural foi transformado.
O que deu errado? Em 1961, 18 dos 24 países do entorno do Mediterrâneo já viviam em déficit ecológico, compensado por importações de produtos cultivados fora da região. Entre 1961 e 2008, a população saltou de 242 milhões para 478 milhões de pessoas, superando os ganhos de produtividade na agricultura. Outro agravante surgiu depois de 1971, quando o mundo entrou em um período de consumo excessivo. Esse aumento de demanda por fontes finitas de commodities empurrou para cima os preços dos mercados internacionais.
De credores a devedores
Seis países mediterrâneos tinham crédito ecológico em 1961: Argélia, Marrocos, Líbia, Síria, Tunísia e Turquia. Todos, entretanto, se tornaram devedores em 2008 (ver mapa), enquanto as demais nações da região viram seu déficit ecológico subir. Em 2008, os déficits mais elevados foram de Itália, Espanha, Grécia e Egito. Três desses países, porém, forneceram quase 50% da biocapacidade da região: França (31%), Turquia (15%) e Itália (11%). O estudo da Unesco concluiu que quanto maior a renda de um país, maior sua demanda por recursos e serviços ambientais.
As nações criam déficit ecológico pela balança negativa entre o comércio e a exploração dos ecossistemas. A pegada ecológica associada ao consumo nacional é calculada somando-se o impacto das importações ao da produção e subtraindo-se as exportações. Isso significa que o uso de recursos e o impacto das emissões de gases derivadas da produção de um carro fabricado na China, mas vendido e usado na Itália, contribuiu para a pegada ecológica do consumo da Itália, e não para a da China.
Entre 1977 e 2008, a pegada ecológica embutida nas importações para o Mediterrâneo dos dez principais parceiros comerciais da região (entre os quais, Alemanha, China, Rússia, Bélgica e Holanda) aumentou quase cinco vezes, de 30 milhões de gha para 142 milhões de gha, especialmente pelas emissões de carbono relacionada ao consumo de energia elétrica e combustíveis fósseis, de commodities consumidoras de energia intensiva e do transporte de mercadorias. Por volta de 2008, a pegada de carbono respondeu por 52% das importações da Bacia do Mediterrâneo, seguida por importações de recursos de ativos como terras agrícolas e pesqueiros (24% cada).
Assim como o impacto na região cresceu pesadamente com as importações, os parceiros comerciais das nações mediterrâneas desenvolveram déficits ecológicos maiores. Entre 1977 e 2008, em alguns casos a parceria comercial também transformou os países detentores de reservas ecológicas (Canadá e Argentina) em países com déficits ecológicos (Alemanha, Bélgica, Holanda e China). Isso expõe a Bacia do Mediterrâneo ao risco de uma crescente dependência de países exportadores que produzem déficits ecológicos cada vez maiores, situação que poderá causar escassez de recursos na região no futuro.
Contudo, a mesma situação também oferece oportunidades. A maioria das exportações de recursos e serviços ambientais da região atualmente dirige-se a países que enfrentam déficits ecológicos. Em uma época de austeridade, os países mediterrâneos que conseguirem melhorar sua eficiência em recursos e manter uma balança comercial ecológica positiva certamente se beneficiarão com preços mais altos de commodities.
Mudar o modelo
A região em torno do Mediterrâneo vive um grave déficit ecológico, que irá piorar a menos que uma gestão eficaz dos recursos naturais se torne central na formulação de políticas. Muitas das medidas tomadas recentemente pela Grécia, Itália e por outros países para restaurar as finanças públicas podem acabar prejudicando a saúde do seu patrimônio ecológico e hipotecar sua segurança a longo prazo.
Por exemplo, em carta enviada ao Fundo Monetário Internacional em 6 de janeiro de 2012, o World Wildlife Fund (WWF) citou oito duras medidas impostas à Grécia por seus credores, em maio de 2010, consideradas pouco mais do que “emplastros”, que, “longe de curar feridas, estão exacerbando-as enquanto acumulam a longo prazo custos crescentes de recuperação ambiental”.
São elas: a demolição do “Fundo Verde” da Grécia, absorvido no orçamento do Estado; o corte de regulações ambientais pelo governo; a ênfase em grandes investimentos com controle ambiental questionável; a legalização de empreendimentos ilegais em áreas protegidas; a venda desordenada de terras públicas; a redução das equipes ambientais empregadas pelas autoridades públicas; o desmantelamento de instituições de governança ambiental; e o apoio questionável a fontes de energia sujas, como o carvão.
“É forte a crença do WWF” – afirma o documento –, “de que o desdobramento da crise na Grécia e nos países da zona do euro, além de ser baseado na má gestão das finanças nacionais, reflete um modelo de desenvolvimento deficiente, construído sobre o consumo excessivo e o aumento constante do déficit ecológico pela superexploração irresponsável dos recursos naturais.”
A Europa não está sozinha na busca de um novo modelo de desenvolvimento. Trata-se de um imperativo global. A Global Footprint Network chegou a calcular, ao longo do ano fiscal de 2012, o dia em que o estoque de recursos renováveis e serviços ecológicos do planeta teria se esgotado na atual voracide de consumo: 22 de agosto. Ou seja; em sete meses do ano a humanidade esgota seu crédito.
Segundo a organização, se continuarmos na rota business-as-usual, em 2030 precisaremos do dobro dos ativos ecológicos anuais da biosfera para atender à demanda, um nível de teto de consumo fisicamente impossível no longo prazo. Temos, então, uma janela de apenas 15 a 20 anos para mudar o modelo de desenvolvimento.
Os países presos na armadilha do consumo intensivo de energia e recursos se tornarão perigosamente frágeis, pois não conseguirão adaptar-se a tempo às crescentes restrições na disponibilidade dos recursos. Por outro lado, os que transitam para economias que trabalham a favor do bom orçamento da natureza – e não contra – poderão garantir uma prosperidade duradoura para seus cidadãos.
Revista Planeta
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