Conferência do clima pode sepultar extensão do Protocolo de Kyoto
GIULIANA MIRANDA
ENVIADA ESPECIAL A DOHA (QATAR)
A COP-18, décima-oitava conferência do clima da ONU, que acontece até o fim da semana em Doha, no Qatar, entra nesta segunda-feira (3) em sua fase decisiva ainda cercada de incertezas quanto ao principal objetivo do encontro: estabelecer uma extensão do Protocolo de Kyoto, hoje o único acordo internacional de proteção climática em vigor.
O panorama geral das negociações foi resumido pela secretária-executiva do evento, Christiana Figueres. Apesar de iniciar seu balanço da primeira semana da convenção de maneira otimista, ela admitiu que muita coisa inevitavelmente ficará de fora.
Karim Jaafar/AFP
Manifestantes pedem ação climática em Doha, no Qatar
"O que vier de Doha não será no nível de ambição que precisamos", resumiu Figueres sobre as negociações, que envolvem quase 200 países.
Diferentemente da COP-15, que aconteceu em Copenhague em 2009 e foi cercada de muita expectativa sobre um grande acordo global, a atual cúpula já nasceu um tanto morna.
No encontro do ano passado, em Durban, na África do Sul, os países "concordaram em concordar" com a criação de um pacto global de redução de emissões, que englobaria países ricos e pobres. O acordo, porém, ficou para começar a ser definido em 2015, para entrar em vigor até 2020.
Para não deixar o mundo sem nenhuma meta de redução de emissões de gases do efeito estufa, as partes optaram pelo prolongamento do Protocolo de Kyoto, que oficialmente deixa de valer no próximo dia 31.
Além de decidir até quando esse "puxadinho" do acordo valerá -- se até 2017 ou até 2020--, ficou para o encontro de agora a definição do quanto será reduzido nas emissões.
De qualquer maneira, o acordo já nasce com um alcance limitado. Só a União Europeia e a Austrália, responsáveis por cerca de 15% das emissões globais de carbono, concordaram em participar com ações concretas de redução de emissões do que já está sendo chamado, nos bastidores da COP-18, de "Kyotinho".
Em sua criação, em 1997, o protocolo comprometeu as nações desenvolvidas a reduzir suas emissões de gases-estufa em 5,2%, entre 2008 e 2012, em comparação aos níveis de 1990.
O acordo, porém, já foi criado com ausências importantes. Os EUA não ratificaram o pacto, e nações em desenvolvimento como China, Índia e Brasil, que hoje respondem por boa parte das emissões mundiais, não tinham metas imediatas.
Hoje, o maior impasse para a extensão é puxado por Rússia, Polônia e Ucrânia. Esses países emitiram menos do que poderiam na primeira fase de Kyoto e agora querem levar essas "sobras" no potencial de emissões, o chamado "hot air", para a segunda fase do acordo, o que desagrada boa parte dos negociadores.
Editoria de Arte/Folhapress
Canadá e Japão, que participaram da primeira etapa, já avisaram que não vão aderir ao novo período.
EFEITO DOMINÓ
Embora vá ter um alcance limitado, a extensão das metas de Kyoto é importante na construção do futuro pacto global para redução de emissões.
Especialistas temem que um fracasso nessa negociação influencie negativamente o futuro acordo, que ainda nem foi rascunhado, mas é ameaçado pela prioridade dada à crise econômica mundial.
Mesmo nesse cenário, a delegação brasileira chegou em clima de otimismo a Doha.
O negociador-chefe do Brasil, o embaixador Luiz Figueiredo Machado, disse que não há risco de a reunião terminar esvaziada.
"Impasses são comuns em negociações longas, com mais de duas semanas, como essa", afirmou.
"Nós acreditamos que a conferência de Doha vai abrir uma nova etapa nas negociações do clima. Essa vai ser uma COP importante, complexa. Há muita coisa importante sobre a mesa, inclusive as bases para o futuro protocolo que foi negociado em Durban", completou.
Na opinião de Carlos Klink, secretário de mudanças climáticas do Ministério do Meio Ambiente, o Brasil chegará à convenção com o "dever de casa" feito, apresentando "a menor taxa de desmatamento da história na Amazônia", divulgada na semana passada.
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Enquanto o acordo não vem, a COP está sendo marcada pela divulgação de vários estudos pouco animadores sobre as condições gerais do planeta.
Dados preliminares da Organização Meteorológica Mundial indicam que 2012 deve se tornar o nono mais quente desde que as medições foram iniciadas, em 1850. E isso mesmo com a presença do La Niña, fenômeno que contribui para o resfriamento das temperaturas.
O documento destacou ainda o degelo recorde no Ártico e eventos extremos de seca e enchentes espalhados por todo o planeta. A temporada intensa de tempestades tropicais e furacões, incluindo o Sandy, que atingiu o Caribe e os EUA, também foi ressaltada.
Já o relatório "Climate Action Tracker", que analisou a eficácia das medidas para combater o aquecimento global, foi ainda mais pessimista. Praticamente todas as grandes nações emissoras, como China, EUA e Índia, tiveram suas medidas consideradas ineficientes. Desse grupo, apenas Coreia do Sul e Japão tiveram medidas classificadas como satisfatórias.
O desempenho do Brasil foi avaliado como "na média"
FOLHA DE SÃO PAULO
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