NASA/Trent Schindler and Matt Rodell
Depleção de águas subterrâneas
Os satélites que compõem o Gravity Recovery and Climate Experiment (GRACE) podem ver a diminuição dos reservatórios de águas subeterrâneas de grandes aquíferos como consequência das secas e da atividade humana. Através dos dados de GRACE, os cientistas descobriram que os níveis de águas subterâneas na Índia caiu 33 centrímetros na região entre os anos de 2002 e 2008. e concluíram que a perda decorre quase exclusivamente da atividade humana.
“A realidade deve ter precedência sobre as relações públicas, porque a natureza não pode ser enganada” – do físico Richard Feynman, no relatório final sobre o desastre daChallenger
Desde o início de sua existência na Terra, a vida tem que lidar com a mudança ambiental, especialmente a mudança climática. Espécies se adaptam ou são extintas, e as duas coisas já aconteceram.
Para formas de vida com nossos tipos de células – eucarióticas, o tipo que tem organelas distintas – a existência média de uma espécie é de aproximadamente um milhão de anos e, em média, uma espécie é extinta a cada ano, pelo menos em se tratando das espécies que batizamos e conhecemos, incluindo as que só conhecemos de registros fósseis.
Organismos se ajustam à mudança ambiental de três maneiras, da mais rápida para a mais lenta: comportamentalmente, fisiologicamente, e geneticamente.
O ecologista Larry Slobodkin costumava demonstrar as duas primeiras fazendo uma brincadeira durante suas palestras ao jogar um pedaço de giz para um de seus alunos. O aluno desviava ou pegava o giz e Larry ensinava que essa era a resposta comportamental, a primeira e mais rápida. Passados 20 segundos, o aluno corava demonstrando o segundo, o fisiológico.
As reações, explicava ele, não eram apenas relativamente rápidas, mas usavam pouca energia em uma população. Se esses ajustes não fossem bem sucedidos, a composição genética de uma população poderia mudar e a transmissão de genes à geração seguinte poderia dar origem indivíduos com características melhor ajustadas ao ambiente modificado, num processo obviamente muito mais lento.
Organismos individuais móveis migram como forma de se ajustar ao clima. Plantas e outras espécies não-móveis se ajustam com sementes ou outros propágulos que se deslocam facilmente. Vento, água e animais fornecem a maior parte do transporte.
Em qualquer população existe uma mistura de tipos genéticos e, como explicou Darwin há muito tempo, aqueles melhores adaptados ao clima do momento deixam uma prole maior do que os menos adaptados, e com o tempo uma população evolui para se adequar ao novo clima.
Mas esse ajuste genético leva tempo, e como o clima está sempre mudando, pode ser que a qualquer momento uma população esteja se ajustando geneticamente a um clima que esteve presente, mas que passou ou estava passando. Isso era, e é, uma dança eterna. Populações nunca estão exatamente em harmonia perfeita com seu ambiente atual.
Se a taxa de mudança ambiental é rápida demais, populações não conseguem se adaptar e são extintas. Lidar com mudanças ambientais sempre foi parte de estar vivo.
O homem primitivo era parte dessa dança entre vida e ambiente. O Homo erectus, o primeiro de nosso tipo a deixar a África, provavelmente teria migrado naturalmente. Eles podem não ter pensado nisso como sendo uma migração em sentido moderno; iam para onde o ambiente, incluindo as fontes de alimento e água, era melhor. A mudança ambiental era simplesmente natural, e mudar com ela também era.
Com o início da civilização e a construção de abrigos que podiam durar muito tempo, e com investimentos de tempo e esforço em campos agrícolas, bem como a descoberta de fontes específicas de minerais e a construção de minas para obtê-los, a vida das pessoas mudou e surgiu o desejo de estabilidade .
O estabelecimento dos direitos de propriedade e fronteiras nacionais (começando com fronteiras territoriais estabelecidas por tribos) aumentaram a necessidade e o desejo pela constância de local e ambiente.
Pode-se argumentar que a nossa espécie é a que mais precisa e mais deseja a constância, e que por isso formou visões de mundo que não apenas requerem a constância ambiental, mas que a transformaram em uma crença fundamental, um modo de vida, uma série de mitos.
Quanto mais tecnológica e legalmente avançada é uma civilização, maior é sua necessidade e desejo por estabilidade ambiental, por um equilíbrio da natureza. Daí nosso dilema moderno frente à mudança climática.
Em vez de alegar que o mundo é constante exceto por nossa pecaminosa interferência nele, precisamos reconhecer e encontrar maneiras de conviver com a mudança ambiental.
Isso pode incluir fazer nosso melhor para deter ou desacelerar essa mudança, como fazemos no curto prazo com a irrigação agrícola, estabilizando a “precipitação”, por assim dizer.
Quanto mais trabalhamos para forçar uma constância ambiental para nossos arredores, mais frágil se torna a constância e maior é o esforço e a energia que elas requerem.
O uso de água do subsolo para a irrigação de plantações ilustra essa fragilidade. Grandes aquíferos que precisaram de muitos milhares de anos para se formar estão sendo depletados pela irrigação de plantações em intervalos de tempo comparativamente curtos – décadas ou séculos.
Um grande exemplo dessa depleção é o aquífero Ogallala (também chamado de aquífero das Planícies Altas), que se estende da Dakota do Sul até o Texas. Ele armazena uma quantidade imensa de água, e é a principal fonte hídrica da área. Seu uso começou nos anos 1940. Hoje a água é retirada até 20 vezes mais rápido do que a reposição naturalmente reposta. No sudoeste do Kansas e em um trecho de terra (panhandle) do Texas ocidental, diz-se que os suprimentos podem durar apenas mais uma década.
Lower Cimarron Springs, famosa no século 19 como fonte de água ao longo do Caminho de Santa Fé, secou décadas atrás devido ao bombeamento de água do solo. Milhões de dólares serão necessários para encontrar fontes alternativas.
Atingir a estabilidade de curto prazo ao custo da fragilidade de longo prazo é uma troca tem um preço. Faz mais sentido que as primeiras civilizações, como Egito e Pérsia, estivessem mais estabelecidas a jusante de um sistema de rios com um fluxo que variava anualmente, mas era relativamente constante comparado a grande parte das terras circundantes.
Quando dou palestras sobre as harmonias discordantes da natureza e sobre minhas opiniões mutantes sobre o aquecimento global, uma resposta comum é “Por que se importar em apontar isso? Todo mundo acredita no aquecimento global, e fazer alguma coisa sobre isso não estraga nada e só pode trazer benefícios”.
Em nosso mundo real, a opção por uma ação significa que outras ações não serão tomadas. Estamos bem conscientes, nesses dias de limites mundiais de capital e financiamento que devemos escolher cuidadosamente o que fazer. Esse é o problema.
Falta aos debates sobre o aquecimento global situá-lo dentro do conjunto de grandes problemas ambientais e estabelecer prioridades com base no que pode ser feito, no que precisa de ações mais imediatas, e no que é mais importante.
Além dos possíveis efeitos sobre o clima, atividade humana está reduzindo a diversidade biológica geral através de atitudes que incluem (não em ordem de prioridade) a destruição de habitat; a super-exploração de recursos renováveis vivos; a poluição química; a remoção de água do subsolo; a depleção de recursos minerais necessários à vida, especialmente fontes de fosfato; e a introdução de espécies exóticas que prejudicam outras espécies e são indesejáveis de nosso ponto de vista, e simplesmente fazem com que outras espécies fiquem ameaçadas de extinção.
Esses são problemas do tipo “aqui, agora”. Além disso, às vezes ações que supostamente ajudarão a mitigar ou a reduzir o aquecimento global criam ou pioram outros problemas ambientais.
Por exemplo, na Indonésia, 44 milhões de acres (18 milhões de hectares) de florestas tropicais foram cortados para plantar palmeiras para produzir óleo de palma que será usado como biocombustível. Isso é justificado como sendo bom para o ambiente porque deve reduzir emissões de gases estufa e, portanto, deve reduzir a taxa de aquecimento global. Mas essa destruição de habitat põe orangotangos e tigres da Sumatra, já ameaçados de extinção, ainda maisem perigo.
Enquanto poucas, se é que alguma, organizações ambientais serão enganadas pela alegação de que isso será benéfico para o ambiente, a União Europeia e o governo da Malásia estão considerando o que fazer com o biocombustível dessas plantações, levando a sério a possibilidade de que usar esse combustível em carros e caminhões na Europa contrabalanceará parte da produção de gás estufa desses veículos e que por isso é justificada e, em geral, ambientalmente segura.
Isolar o aquecimento global de outros problemas ambientais é uma abordagem que privilegia um fator, o que tem sido muito comum nas decisões de política ambiental.
A Clean Water America Alliance, por exemplo, lembra que o uso de recursos hídricos requer energia considerável, mas o uso de água e de energia são tratados como problemas separados na maior parte das análises de políticas ambientais.
Como o aquecimento global recebe tanta atenção e tanto financiamento, abordar um único fator é um aspecto particularmente importante da análise política desse problema.
Em muitos casos, ações que ajudam a resolver outro problema ambiental também podem ser benéficas para reduzir efeitos indesejáveis da mudança climática.
Discuto em Powering the Future: A Scientist’s Guide to Energy Independence (Energizando o Futuro: O guia de um cientista para a independência energética, literalmente), por exemplo, que o abandono de combustíveis fósseis em direção à energia solar e eólica reduz a contribuição humana de gases estufa para a atmosfera enquanto também reduz a destruição de habitat (da mineração de combustíveis fósseis) e a poluição do ar, da água, e dos oceanos (da mineração, processamento e queima desses combustíveis), beneficiando a biodiversidade e a saúde e bem-estar humanos.
O mesmo pode ser dito de um afastamento de usinas nucleares baseadas em fissão, cujas substâncias tóxicas duram até milhões de anos (o governo dos Estados Unidos está procurando um sinal de alerta que mantenha as pessoas longe de depósitos de resíduos nucleares por 10 mil anos).
A politização e as crenças movidas por ideologias sobre o aquecimento global dos dois lados do problema evitam um exame ponderado e racional de onde ações para mitigar o aquecimento global poderiam se encaixar em um conjunto de prioridades.
De fato, simplesmente alegar que essa priorização é possível já leva a uma mudança em pontos de vista e provavelmente frustrará muitos que acreditam que o aquecimento global já é uma realidade presente e futura com efeitos desastrosos.
Precisamos ser capazes de colocar a discussão em um contexto racional. Entre outros aspectos desse contexto, nós precisamos, como escreveu Thomas Friedman em 14 de setembro de 2011 no New York Times, “começar a dar passos, como incitam nossos cientistas, ‘para controlar o inevitável e evitar o incontrolável”. Não apenas na mudança climática, mas para estabelecer uma abordagem integrada e multifatorial para nossos maiores problemas ambientais.
Excerto de The Moon in the Nautilus Shell: Discordant Harmonies Reconsidered, por Daniel B. Botkin. Oxford University Press, 2012. Copyright © 2012. Reimpresso com permissão.
Scientific American Brasil
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