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Bem-vindo à Irlanda do Norte', diz placa na fronteira, que hoje é mantida aberta por conta do histórico acordo de entre as Irlandas
"Este é o melhor acordo possível."
A premiê britânica, Theresa May, tem repetido há semanas essa frase na tentativa de convencer o Parlamento de seu país a aprovar o acordo que ela negociou com a União Europeia, estabelecendo os termos do Brexit - o processo de saída do Reino Unido do bloco.
Mas, na segunda-feira, a premiê adiou indefinidamente a votação do acordo no Parlamento, reconhecendo que ele seria rejeitado pela maioria dos parlamentares britânicos. Na quarta-feira, ainda enfrentou um voto de desconfiança de seus pares - ela sobreviveu por 200 votos a seu favor e 117 contra, mas prometeu renunciar à liderança do partido antes das próximas eleições e agora permanece em uma posição enfraquecida para convencê-los a aprovar os termos negociados com a UE.
"Há um amplo apoio a muitos aspectos do tratado. Mas também há oposição", afirmou May, que voltou a se reunir com líderes europeus para transmitir a eles as preocupações dos parlamentares britânicos, em especial aquela ligada ao tema mais espinhoso do acordo: a fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte.
Saiba, a seguir, por que esse se tornou o ponto mais controverso da saída britânica do bloco europeu:
1. Por que a fronteira é um tema sensível?
O acordo de paz de 1998 que pôs fim a três décadas de sangrentos conflitos entre a República da Irlanda (país independente e membro da UE) e a Irlanda do Norte (parte do Reino Unido) contempla a ausência de barreiras físicas entre os dois lados.
Desde aquele ano, pode-se cruzar a fronteira sem passar por nenhum controle físico. A venda de bens e serviços ocorre com poucas restrições, já que ambos os lados fazem parte do mercado comum europeu e da união aduaneira.
Mas, quando o Brexit se concretizar em 29 de março de 2019 e o Reino Unido deixar de fazer parte da UE, a fronteira entre as duas Irlandas passará a ser, na prática, a fronteira física entre a UE e o Reino Unido.Direito de imagem
PARLAMENTO BRITÂNICO Image caption
Theresa May foi obrigada a adiar votação do Brexit no Parlamento porque não conseguiu obter maioria para aprovar acordo
As duas Irlandas ficarão sob regimes distintos, o que implica que produtos poderiam ser inspecionados na fronteira - algo que os britânicos não querem, justamente por temerem que checagens na divisa tragam à tona antigas tensões entre irlandeses e norte-irlandeses.
O controle tampouco é desejável sob o ponto de vista da UE, mas o bloco vê dificuldades em evitá-lo a partir do momento em que os britânicos abandonarem o mercado comum e a união aduaneira.
No âmbito político, a Comissão Conjunta Norte-Sul da Irlanda advertiu que eventuais controles fronteiriços advindos do Brexit sinalizam que estará sendo rompido o acordo de paz de 1998.
2. E o que diz o acordo Reino Unido-UE a respeito da fronteira irlandesa?
Embora Londres e Bruxelas tenham acordado, desde o princípio, em não fixar uma fronteira "dura" (ou altamente controlada) na divisa irlandesa, o grande obstáculo foi definir os termos para tal.
A opção foi por uma espécie de "escudo", chamado em inglês de "backstop".
O mecanismo prevê que a Irlanda do Norte continue alinhada a algumas regras aduaneiras da UE, para dispensar a necessidade de checagem na fronteira com a Irlanda, mas exigirá que alguns produtos vindos do restante do Reino Unido sejam sujeitados a controles, para averiguar se cumprem com as normas da UE.
O "backstop" também envolverá uma união aduaneira temporária, o que, na prática, mantém a UE e o Reino Unido dentro de um mercado comum - contrariando, para alguns, o princípio básico do Brexit.
Esse mecanismo acabou se convertendo na principal dor de cabeça nas negociações do Brexit, gerando forte oposição ao acordo.
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Cartaz de protesto contra o Brexit e mudanças na fronteira irlandesa; temor é que processo de paz seja colocado em risco
3. Por que o "backstop" gera tanta oposição?
A ideia é de que o "backstop" só entre em vigor em último caso, na hipótese de UE e Reino Unido não conseguirem definir rapidamente como será o controle aduaneiro e a relação comercial bilateral após o Brexit.
O mecanismo prevê, assim, que a Irlanda do Norte siga sob o regimento do mercado único europeu caso nenhuma solução bilateral seja alcançada até dezembro de 2020.
May defende o "backstop" argumentando que ele só será colocado em prática como último recurso. No entanto, críticos afirmam que sua implementação causaria uma fratura na unidade territorial do Reino Unido.
A premiê tem enfrentado dura oposição nesse ponto, sobretudo do Partido Unionista Democrático, o principal aliado de May (que é do Partido Conservador) no governo de coalizão britânico.
Os unionistas rejeitam a ideia de a Irlanda do Norte ficar em um regime diferente do restante do Reino Unido, temendo que isso implique em um distanciamento em relação ao país e um flerte não desejado com uma eventual união entre as duas Irlandas.
Além disso, até mesmo parlamentares do Partido Conservador consideram a proposta do "backstop" inviável, por submeter a Irlanda do Norte a regras europeias (e não britânicas) e pelo temor de que, uma vez que o mecanismo entre em vigor, não possa ser suspenso sem a aprovação da UE.
Sob essa visão, o "backstop" significaria manter o Reino Unido submetido, de alguma forma, à vontade europeia e pode dificultar a assinatura de outros tratados comerciais que pudessem beneficiar o Reino Unido.
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Sinais dados até agora pela UE é de que não há abertura para renegociar acordo do Brexit
4. Há alternativas?
Diante da forte oposição, é grande a possibilidade de a rejeição ao "backstop" implique na não aprovação do acordo do Brexit entre UE e Reino Unido. E o fato é que, caso isso se concretize, não há um "plano B".
Na ausência de um acordo, os parlamentares britânicos terão de decidir entre:
"se divorciar" da UE sem nenhum termo definido, o que pode causar insegurança e fricções em fronteiras, na circulação de bens e pessoas e em acertos comerciais
voltar a negociar com a UE, possibilidade que o bloco descarta no momento
realizar uma votação no Parlamento
voltar a consultar a população, em plebiscito, sobre o tema
Todas as alternativas implicam em dificuldades e, possivelmente, em adiar a implementação do Brexit - o desligamento do Reino Unido do bloco -, prevista para 29 de março de 2019.
Após sobreviver ao voto de desconfiança, May voltou a Bruxelas para buscar mais salvaguardas legais para o "backstop", mas não teve sucesso.
O acordo "não está aberto para renegociação", afirmou nesta sexta-feira Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu.
Mais tarde, ele chamou o "backstop" de uma "apólice de seguros", agregando que a União Europeia se mantém determinada a buscar alternativas que evitem que ele seja implementado.
O premiê da Irlanda, Leo Varadkar, também afirmou que o acordo do Brexit "é o único sobre a mesa" e que "não é possível reabrir um aspecto do acordo sem reabrir todos".
Se a atual proposta em discussão for rejeitada pelo Parlamento, "não haverá um acordo para a saída do Reino Unido nem para um período de transição", destacou o editor de economia e negócios da BBC na Irlanda do Norte, John Campbell.
"Isso significa um Brexit duro, possivelmente caótico", prevê. "Se chegar a esse ponto, a UE e o governo da Irlanda terão de tomar decisões difíceis sobre o que ocorrerá na fronteira."
Ao mesmo tempo, o Tribunal de Justiça da UE acrescentou outra possível cartada ao jogo, ao determinar, na segunda-feira, que o Reino Unido pode revogar o Brexit unilateralmente a qualquer momento, sem acordo unânime com os demais Estados-membros do bloco.
May, por sua vez, afirmou que a data limite para o Parlamento votar a questão é 21 de janeiro de 2019, a depender de como avancem as negociações com a UE.
BBC Brasil
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