quinta-feira, 14 de novembro de 2013

... E o que comeremos amanhã? Conceitos revolucionários para alimentar o mundo

Carne, legumes e frutos do mar em abundância. Muito bonito de se olhar, mas essa fartura só chega à mesa de uma minoria da população mundial. Se a raça humana quiser continuar satisfeita futuramente, ela terá que mudar radicalmente o modo como produz e consome os alimentos. Nas cozinhas experimentais voltadas para o futuro já fermentam novas ideias: salsichas de biorreator, espetinhos de insetos, peixes de fazendas de piscicultura, alface cultivada em arranha-céus e arroz geneticamente alterado 
Por Fred Langer (texto) e Susanne Krieg (texto) Jean-Paul Bertemes, Florian Hanig , Malte E. Kollenberg und Fabian Kretschmer (colaboração)


Carne, legumes e frutos do mar em abundância. Muito bonito de se olhar, mas essa fartura só chega à mesa de uma minoria da população mundial. Se a raça humana quiser continuar satisfeita futuramente, ela terá que mudar radicalmente o modo como produz e consome os alimentos. Nas cozinhas experimentais voltadas para o futuro já fermentam novas ideias: salsichas de biorreator, espetinhos de insetos, peixes de fazendas de piscicultura, alface cultivada em arranha-céus e arroz geneticamente alterado


Espetada em ganchos, a mercadoria animal flui em uma corrente contínua para ser secionada em porções: estação final dos frangos de engorda, que se tornaram um símbolo do tratamento questionável dispensado a essas criaturas quando elas são criadas em escala industrial – mesmo que as fábricas de aves tenham nomes tão idílicos como “Fazenda dos Prados”


“Comam mais insetos!” Este não é o slogan de campanha dos seguidores de alguma seita bizarra, mas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Com boas razões: gafanhotos e seus congêneres são nutritivos e existem em abundância. Só que... Em nossa cultura, o consumo dessas iguarias crocantes é considerado, no mínimo, um ato de coragem


As instalações na Califórnia, lembram as longas fileiras de casas próprias dos Estados Unidos; mas aqui seus habitantes não são pessoas e sim bezerros. Os animais não crescem livremente, mamando nos úberes de suas mães, mas em “condições controladas”. Na foto maior: cordeiros de abate, na Itália

Maastricht, Holanda. Mark Post está de pé ao lado de incubadoras, microscópios e exaustores ainda embalados, mas promete resolver os problemas mais prementes da humanidade: com um hambúrguer. Seu bolinho de 125g de carne moída deverá pôr fim à fome, às epidemias e ao aquecimento global.

O médico especialista em fisiologia vascular está construindo um laboratório na Universidade de Maastricht, onde seus alunos doutorandos criarão fibras musculares em placas de Petri. As cerca de 3.000 pequenas tiras fibrosas serão transformadas em bolinhos de carne moída e grelhados – diante “das câmeras do mundo”, como espera Post.

O churrasco público deve marcar o início de uma nova era, pois o cientista quer abolir a produção de carne tradicional. Post acredita que a carne do futuro será produzida a partir de células-tronco de animais vivos e “amadurecida” em biorreatores. “Pois não existem outras alternativas!”

A razão por que o mundo muito em breve não poderá mais se dar ao luxo de alimentar seu desejo de carne é óbvia: de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), a produção de carne gera quase 20% dos gases de efeito estufa – mais do que todos os carros, aviões, trens e navios juntos. Além disso, a engorda de animais ocupa cerca de 80% de todas as áreas agrícolas aproveitáveis do mundo e consome quase um décimo de sua água doce.

A FAO prevê que o consumo de carne dobrará até 2050 – o que não é uma consequência da expansão da população mundial. O problema é sua crescente prosperidade. Na China, Índia e em outros países emergentes, cada vez mais famílias chegam à classe média – e querem consumir carne – não só como um ocasional assado de festa.

Ou então elas querem comer frutos do mar, o que está depauperando os mares. Atualmente, os navios pesqueiros do mundo capturam 80 milhões de toneladas de peixes por ano, provocando o colapso de muitas populações e a ruína da indústria pesqueira, que está perdendo 50 bilhões de dólares anualmente, porque o mar produz cada vez menos.

Por essas razões, especialistas estão investigando com urgência conceitos revolucionários para criar uma nova dieta para humanidade. Quais são as ideias mais promissoras? O que está sendo servido nas cozinhas experimentais da ciência? Para descobrir, visitamos visionários, pesquisadores e profissionais que trabalham no desenvolvimento de receitas para o futuro


A CARNE DE LABORATÓRIO
Na realidade, a mesa global é farta. O mundo poderia produzir alimentos para mais de 10 bilhões de pessoas se todas fossem vegetarianas, afirma Mark Post em seu laboratório holandês. Infelizmente, os não-carnívoros constituem a vasta minoria; Post também não faz parte deles. Por isso, ele se propôs a reinventar a carne.

O médico-cientista diz que até poderia “criar um design” para deixar as pessoas mais saudáveis: por exemplo, ao substituir as gorduras prejudiciais da carne por saudáveis ácidos graxos ômega- 3. “Posso imaginar que futuramente os médicos prescreverão hambúrgueres aos seus pacientes em vez de proibi-los”, declara Post. Então é apenas uma questão de tempo até que a carne moída de laboratório possa ser encontrada na seção refrigerada dos supermercados? Além de Post, uma série de pesquisadores, inclusive americanos, conseguiu reproduzir células musculares de animais vivos em placas de Petri – e todos afirmam em uníssono que os desafios básicos já foram resolvidos.

Ironicamente, Post chama o hambúrguer-maravilha que ele e seus colaboradores pretendem grelhar publicamente dentro de cerca de um ano de “quarter-pounder” (em português, “quarteirão”, sendo que 1/4 de libra corresponde a cerca de 125g) – o que não é uma referência ao peso do hambúrguer, mas à soma de 125 milhões de euros (cerca de R$ 294 milhões).

Essa é a quantia de dinheiro necessária para desenvolver o protótipo. “Ele resulta completamente do trabalho manual de cientistas”, diz Post e explica: primeiro, seus doutorandos terão de isolar células-tronco adultas de músculos de suínos ou bovinos saudáveis. Em seguida, essas células serão cultivadas em uma solução nutritiva em placas de Petri até formarem pequenos músculos. Por fim, esses minimúsculos serão esticados entre diminutos “postes” de polímeros de açúcar, que se decompõem com o tempo, para que eles desenvolvam tônus. O resultado do processo é uma faixa gelatinosa branca e translúcida. E isso terá algum sabor? pergunto.

Post confessa que ainda não provou nenhum pedaço: “Afinal, um doutorando trabalhou durante semanas nele, então não posso simplesmente comê-lo.” De qualquer modo, ele parte do princípio de que o sabor e o aroma terão de ser adicionados artificialmente mais tarde.

Mesmo porque, até hoje não se sabe exatamente o que constitui o sabor da carne: o ferro no sangue, a gordura? Os músculos derivados de células-tronco de bovinos terão um gosto diferente dos músculos de células-tronco de suínos? E mais: será que as pessoas consumirão carnes artificiais como essas?

Em outra área de pesquisa, uma barreira de asco e repulsa faz com que uma fonte abundante de proteínas não tenha sido aproveitada até agora – pelo menos não nos países ricos do Ocidente. Por essa razão, os peritos em alimentação da FAO vêm exclamando em vão: “comam mais insetos!” Eles afirmam que gafanhotos, larvas e formigas são ricos em proteínas e gorduras insaturadas, e cheios de vitaminas e minerais. Além disso, a criação industrial de insetos seria algo quase natural, uma vez que eles constituem um verdadeiro maná da natureza. Uma Terra da Cocanha (país mitológico da abundância e facilidade da Idade Média). O único problema grave é sua aceitação.

Então a solução é a carne de laboratório? Sob a orientação da jovem professora de biotecnologia, Daisy van der Schaft, um grupo de pesquisadores de Eindhoven, no sul dos Países Baixos, procura métodos mais futurísticos ainda: ao contrário de seus colegas dos Estados Unidos, a cientista não quer produzir carne a partir de células-tronco de animais adultos, mas de células-tronco embrionárias. Essas têm a vantagem de se multiplicar muito rápida e quase infinitamente. Dez células poderiam produzir mais de 50.000 toneladas de carne.

Independente do método, ainda há muitos problemas não resolvidos na produção da carne artificial. Os biólogos se questionam, por exemplo, como “treinar” os músculos em desenvolvimento, pois eles precisam se exercitar para acumular proteínas. Experimentalmente, os cientistas aplicaram impulsos elétricos aos retalhos de carne para provocar contrações, mas os resultados dos “exercícios” com choques elétricos foram incompatíveis com um consumo racional de energia.

Outra questão em aberto é como as células-tronco poderiam ser alimentadas com oxigênio e nutrientes – sem veias nem sangue – em uma produção em massa. Na placa de Petri, isso ocorre por difusão; mas quando os músculos atingem uma espessura superior a dois milímetros as células internas ficam subnutridas. Mark Post visualiza uma espécie de sistema capilar ao redor do qual as células se multiplicam e são alimentadas simultaneamente.

Uma coisa é certa: ainda será preciso investir centenas de milhões de euros para que a carne de laboratório possa ser produzida industrialmente, como uma mercadoria. E até que os cientistas consigam um avanço nesse sentido, eles provavelmente ainda passarão dezenas de milhares de horas nos laboratórios – pelo menos no caso da carne.

É necessário dar um grande passo e nós, seres humanos, somos capazes de dá-lo. Nosso último avanço evolucionário ocorreu há aproximadamente 12 mil anos quando, na chamada Revolução Neolítica, o homem progrediu de coletor para agricultor e de caçador para criador de animais. As manadas de gazelas da região do Mediterrâneo e os mamutes do extremo norte haviam sido extintos ou fugiram de uma mudança climática radical. E, em vez de perseguir até os últimos exemplares de suas espécies, o homem preferiu levar para suas aldeias bovinos, suínos, ovinos e caprinos selvagens e domesticá-los.

Agora estamos no início de um processo que alguns peritos consideram igualmente impactante – mas que será mais fácil de ser realizado do que gerar carne em biorreatores: o homem está começando a domesticar as criaturas selvagens dos mares.

Precisamos de 12 milênios para colocar aos nossos serviços 294 espécies de animais e plantas terrestres. Na aquicultura conseguimos fazer isso em poucas décadas com 480 espécies – 106 delas foram acrescentadas só nos últimos dez anos. Embaixo da água, a revolução alimentar já começou.

Chineses já praticam a aquicultura há milênios. Atualmente, a China é o líder mundial da piscicultura. Muito mais modernos são os currais de salmões no lago Fryken, na Suécia – mas eles causam problemas ambientais

A FAZENDA DE PEIXES
Büsum, costa norte da Alemanha. “Precisamos aprender novas maneiras de aproveitar o recurso “peixe”, que frequentemente ainda exploramos do mesmo modo arcaico como há milênios”, diz Carsten Schulz, diretor científico da Sociedade para Aquicultura Marinha (GMA, na sigla em alemão). De sua mesa, ele olha por cima de campinas aluviais desabitadas para o dique do Mar do Norte; ironicamente, o estudo do qual foi coautor é intitulado “Fish in the City” (“Peixe na cidade”).

De acordo com ele, o peixe do futuro viverá em um andar qualquer de uma fábrica urbana e pertencerá a uma raça altamente produtiva que não foi gerada pela natureza, mas pela ciência. Munido com um chip de rádio para identificação individual, ele deslizará em grandes cardumes pelo mundo subaquático de um tanque equipado com sensores. Seu habitat será otimizado para uso industrial, mas funcionará como um ecossistema natural: em tanques conjugados, algas e mariscos se alimentarão dos resíduos da ração dos peixes e de seus excrementos, amadurecendo assim para se tornarem seus alimentos.

Esta certamente é uma inovação, mas a aquicultura praticada de forma muito menos mecanizada já é conhecida há milênios: há 4.000 os rizicultores chineses já “cultivavam” carpas em seus campos alagados. Atualmente, quase a metade dos peixes consumidos no mundo provêm de fazendas de piscicultura – embora essa atividade econômica também produza danos ambientais e riscos à saúde.

Infelizmente, a prática da aquicultura não se manifesta apenas em idílicas paisagens lacustres. Ela também significa desmatar os vastos manguezais das Filipinas, que estão cedendo seu espaço à criação industrial de camarões; a contaminação das águas pelas incontáveis toneladas de pesticidas, desinfetantes e antibióticos que os criadores vietnamitas do peixe pangasius, ou panga, despejam em suas lagoas; e as descargas de fósforo e nitrogênio dos currais flutuantes de salmões do Chile, que estão matando a vida nas baías.

Pelo menos no centro de pesquisa da GMA, dirigido por Carsten Schulz, esses são problemas do passado. Em Büsum, a aquicultura foi concebida como um sistema de circuito fechado – com filtros e bombas que limpam e reciclam as águas residuais e as fazem circular novamente pelos tanques.

Schulz olha para os monitores do painel de controle e vai clicando em várias colunas de números: a temperatura, o teor de oxigênio e salinidade, as condições de fluxo e o desempenho dos filtros têm de ser coordenados. Escumadores (também chamados de skimmers), peneiras de tambor rotativo, e tanques de sedimentação fazem a pré-limpeza mecanizada da água; bactérias a desintoxicam; e a luz ultravioleta e o ozônio, obtidos do ar local, a esterilizam. E ela é sempre reconduzida aos tanques pretos, nos quais crescem linguados e robalos. Nenhuma água suja ou contaminada sai para fora. Além disso, é impossível utilizar medicamentos em um sistema como esse, porque eles matariam os micro-organismos nos biofiltros. É uma máquina de peixes perfeita – só que lamentavelmente muito complicada e cara.

Até 2050, os peixes criados em viveiros de Aquicultura poderiam cobrir 62% da demanda global de proteínas

Vviveiros de enguias na província de Hubei


Portanto, os equipamentos precisam ser simplificados e barateados – um dos problemas básicos da aquicultura ecologicamente correta. Outro é a ração, que precisaria ser reinventada. Atualmente ela consiste principalmente de farinha produzida com pequenos peixes de cardumes, como sardinhas e anchovas. Mas suas populações também estão minguando, o que faz com que o preço da farinha de peixe não pare de subir.

Acima de tudo, porém, os custos ambientais dessa cultura exaustiva são astronômicos: os peixes pequenos deixarão uma lacuna na cadeia alimentar dos oceanos se os criadores continuarem a utilizá-los indiscriminadamente como ração para galinhas, porcos e salmões. O cúmulo do desperdício é a engorda do atum-rabilho: para ganhar um único quilo de peso, ele precisa devorar pelo menos 20 quilos de seus congêneres menores.



Pés de alface são cultivados em camadas verticais, na Coreia do Sul. Os vegetais crescem com luz artificial. O Japão, onde a terra arável é escassa, também está fazendo “agricultura vertical”.


Por essa razão, os cientistas de Büsum estão tentando transformar peixes predadores em variedades vegetarianas. Schulz quer substituir a farinha de peixe da América do Sul por extratos de batatas e colza, que resultam naturalmente da produção de amido ou biodiesel. Para descobrir qual espécie aproveita melhor a nova receita, os cientistas de Büsum examinam os excrementos dos peixes, analisam sua respiração, e medem o nível de seus hormônios de apetência – que controlam o reflexo de abocanhamento.

Eles já alcançaram um primeiro sucesso: “quando preparadas adequadamente, as proteínas de canola funcionam muito bem com trutas, que são comedoras agressivas”, explica Schulz. Comparativamente, o linguado é considerado um peixe “gourmet”, que experimenta uma ração e depois a cospe fora se não a achar palatável. “Para os linguados temos que adicionar sabores especiais aos ‘pellets’ de ração”, informa Schulz.

Mas há um porém: os ácidos graxos ômega-3, que tornam os peixes tão saudáveis para nós, não se formam quando a ração é pobre em óleo de peixe. Por isso, os pesquisadores buscam uma solução de longo prazo para futuros problemas alimentares humanos nas plantas marítimas: em algas e sargaços, que também são colhidos na aquicultura e que poderiam fornecer simultaneamente essas gorduras saudáveis.

Essa aquicultura ecológica, no entanto, ainda é uma visão futurística, pois em comparação com nossa experiência milenar com animais e plantas terrestres, nosso conhecimento sobre os habitantes marinhos ainda é mínimo. “A biologia reprodutiva da maioria das espécies ainda não foi pesquisada”, diz Schulz.

Não se sabe, por exemplo, que temperaturas de água são ideais para o picão-europeu (ou lucioperca) alcançar a maturidade sexual; nem como é possível capturar as larvas de halibutes-do-Atlântico, praticamente invisíveis a olho nu –, antes que elas encontrem um fim precoce nas baterias de filtros do circuito fechado.

Todas essas barreiras são acrescidas de uma deficiência política: a concorrência desleal em que se encontra a aquicultura. A União Europeia está investindo bilhões para modernizar suas frotas pesqueiras, e subvencionando o óleo diesel para navios, a manutenção das docas e também as licenças de pesca. Essa é uma das razões por que, até agora, não existe, em nenhum lugar do continente europeu, uma criação de peixes marinhos capaz de competir com a indústria pesqueira.

Ainda assim, a aquicultura atualmente já é o ramo mais dinâmico da indústria alimentícia. E o conceito básico do “Peixe na cidade” – isto é, produzir safras com rendimento máximo perto dos mercados, ocupando pouco espaço, e sob condições controladas –, poderia beneficiar também outros segmentos da economia: por exemplo, o da “agricultura urbana”.
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