Por Fred Langer (texto) e Susanne Krieg (texto) Jean-Paul Bertemes, Florian Hanig , Malte E. Kollenberg und Fabian Kretschmer (colaboração)
Carne, legumes e frutos do mar em abundância. Muito bonito de se olhar, mas essa fartura só chega à mesa de uma minoria da população mundial. Se a raça humana quiser continuar satisfeita futuramente, ela terá que mudar radicalmente o modo como produz e consome os alimentos. Nas cozinhas experimentais voltadas para o futuro já fermentam novas ideias: salsichas de biorreator, espetinhos de insetos, peixes de fazendas de piscicultura, alface cultivada em arranha-céus e arroz geneticamente alterado
Espetada em ganchos, a mercadoria animal flui em uma corrente contínua para ser secionada em porções: estação final dos frangos de engorda, que se tornaram um símbolo do tratamento questionável dispensado a essas criaturas quando elas são criadas em escala industrial – mesmo que as fábricas de aves tenham nomes tão idílicos como “Fazenda dos Prados”
“Comam mais insetos!” Este não é o slogan de campanha dos seguidores de alguma seita bizarra, mas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Com boas razões: gafanhotos e seus congêneres são nutritivos e existem em abundância. Só que... Em nossa cultura, o consumo dessas iguarias crocantes é considerado, no mínimo, um ato de coragem
As instalações na Califórnia, lembram as longas fileiras de casas próprias dos Estados Unidos; mas aqui seus habitantes não são pessoas e sim bezerros. Os animais não crescem livremente, mamando nos úberes de suas mães, mas em “condições controladas”. Na foto maior: cordeiros de abate, na Itália
Maastricht, Holanda. Mark Post está de pé ao lado de incubadoras, microscópios e exaustores ainda embalados, mas promete resolver os problemas mais prementes da humanidade: com um hambúrguer. Seu bolinho de 125g de carne moída deverá pôr fim à fome, às epidemias e ao aquecimento global.
O médico especialista em fisiologia vascular está construindo um laboratório na Universidade de Maastricht, onde seus alunos doutorandos criarão fibras musculares em placas de Petri. As cerca de 3.000 pequenas tiras fibrosas serão transformadas em bolinhos de carne moída e grelhados – diante “das câmeras do mundo”, como espera Post.
O churrasco público deve marcar o início de uma nova era, pois o cientista quer abolir a produção de carne tradicional. Post acredita que a carne do futuro será produzida a partir de células-tronco de animais vivos e “amadurecida” em biorreatores. “Pois não existem outras alternativas!”
A razão por que o mundo muito em breve não poderá mais se dar ao luxo de alimentar seu desejo de carne é óbvia: de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), a produção de carne gera quase 20% dos gases de efeito estufa – mais do que todos os carros, aviões, trens e navios juntos. Além disso, a engorda de animais ocupa cerca de 80% de todas as áreas agrícolas aproveitáveis do mundo e consome quase um décimo de sua água doce.
A FAO prevê que o consumo de carne dobrará até 2050 – o que não é uma consequência da expansão da população mundial. O problema é sua crescente prosperidade. Na China, Índia e em outros países emergentes, cada vez mais famílias chegam à classe média – e querem consumir carne – não só como um ocasional assado de festa.
Ou então elas querem comer frutos do mar, o que está depauperando os mares. Atualmente, os navios pesqueiros do mundo capturam 80 milhões de toneladas de peixes por ano, provocando o colapso de muitas populações e a ruína da indústria pesqueira, que está perdendo 50 bilhões de dólares anualmente, porque o mar produz cada vez menos.
Por essas razões, especialistas estão investigando com urgência conceitos revolucionários para criar uma nova dieta para humanidade. Quais são as ideias mais promissoras? O que está sendo servido nas cozinhas experimentais da ciência? Para descobrir, visitamos visionários, pesquisadores e profissionais que trabalham no desenvolvimento de receitas para o futuro
A CARNE DE LABORATÓRIO Na realidade, a mesa global é farta. O mundo poderia produzir alimentos para mais de 10 bilhões de pessoas se todas fossem vegetarianas, afirma Mark Post em seu laboratório holandês. Infelizmente, os não-carnívoros constituem a vasta minoria; Post também não faz parte deles. Por isso, ele se propôs a reinventar a carne.
O médico-cientista diz que até poderia “criar um design” para deixar as pessoas mais saudáveis: por exemplo, ao substituir as gorduras prejudiciais da carne por saudáveis ácidos graxos ômega- 3. “Posso imaginar que futuramente os médicos prescreverão hambúrgueres aos seus pacientes em vez de proibi-los”, declara Post. Então é apenas uma questão de tempo até que a carne moída de laboratório possa ser encontrada na seção refrigerada dos supermercados? Além de Post, uma série de pesquisadores, inclusive americanos, conseguiu reproduzir células musculares de animais vivos em placas de Petri – e todos afirmam em uníssono que os desafios básicos já foram resolvidos.
Ironicamente, Post chama o hambúrguer-maravilha que ele e seus colaboradores pretendem grelhar publicamente dentro de cerca de um ano de “quarter-pounder” (em português, “quarteirão”, sendo que 1/4 de libra corresponde a cerca de 125g) – o que não é uma referência ao peso do hambúrguer, mas à soma de 125 milhões de euros (cerca de R$ 294 milhões).
Essa é a quantia de dinheiro necessária para desenvolver o protótipo. “Ele resulta completamente do trabalho manual de cientistas”, diz Post e explica: primeiro, seus doutorandos terão de isolar células-tronco adultas de músculos de suínos ou bovinos saudáveis. Em seguida, essas células serão cultivadas em uma solução nutritiva em placas de Petri até formarem pequenos músculos. Por fim, esses minimúsculos serão esticados entre diminutos “postes” de polímeros de açúcar, que se decompõem com o tempo, para que eles desenvolvam tônus. O resultado do processo é uma faixa gelatinosa branca e translúcida. E isso terá algum sabor? pergunto.
Post confessa que ainda não provou nenhum pedaço: “Afinal, um doutorando trabalhou durante semanas nele, então não posso simplesmente comê-lo.” De qualquer modo, ele parte do princípio de que o sabor e o aroma terão de ser adicionados artificialmente mais tarde.
Mesmo porque, até hoje não se sabe exatamente o que constitui o sabor da carne: o ferro no sangue, a gordura? Os músculos derivados de células-tronco de bovinos terão um gosto diferente dos músculos de células-tronco de suínos? E mais: será que as pessoas consumirão carnes artificiais como essas?
Em outra área de pesquisa, uma barreira de asco e repulsa faz com que uma fonte abundante de proteínas não tenha sido aproveitada até agora – pelo menos não nos países ricos do Ocidente. Por essa razão, os peritos em alimentação da FAO vêm exclamando em vão: “comam mais insetos!” Eles afirmam que gafanhotos, larvas e formigas são ricos em proteínas e gorduras insaturadas, e cheios de vitaminas e minerais. Além disso, a criação industrial de insetos seria algo quase natural, uma vez que eles constituem um verdadeiro maná da natureza. Uma Terra da Cocanha (país mitológico da abundância e facilidade da Idade Média). O único problema grave é sua aceitação.
Então a solução é a carne de laboratório? Sob a orientação da jovem professora de biotecnologia, Daisy van der Schaft, um grupo de pesquisadores de Eindhoven, no sul dos Países Baixos, procura métodos mais futurísticos ainda: ao contrário de seus colegas dos Estados Unidos, a cientista não quer produzir carne a partir de células-tronco de animais adultos, mas de células-tronco embrionárias. Essas têm a vantagem de se multiplicar muito rápida e quase infinitamente. Dez células poderiam produzir mais de 50.000 toneladas de carne.
Independente do método, ainda há muitos problemas não resolvidos na produção da carne artificial. Os biólogos se questionam, por exemplo, como “treinar” os músculos em desenvolvimento, pois eles precisam se exercitar para acumular proteínas. Experimentalmente, os cientistas aplicaram impulsos elétricos aos retalhos de carne para provocar contrações, mas os resultados dos “exercícios” com choques elétricos foram incompatíveis com um consumo racional de energia.
Outra questão em aberto é como as células-tronco poderiam ser alimentadas com oxigênio e nutrientes – sem veias nem sangue – em uma produção em massa. Na placa de Petri, isso ocorre por difusão; mas quando os músculos atingem uma espessura superior a dois milímetros as células internas ficam subnutridas. Mark Post visualiza uma espécie de sistema capilar ao redor do qual as células se multiplicam e são alimentadas simultaneamente.
Uma coisa é certa: ainda será preciso investir centenas de milhões de euros para que a carne de laboratório possa ser produzida industrialmente, como uma mercadoria. E até que os cientistas consigam um avanço nesse sentido, eles provavelmente ainda passarão dezenas de milhares de horas nos laboratórios – pelo menos no caso da carne.
É necessário dar um grande passo e nós, seres humanos, somos capazes de dá-lo. Nosso último avanço evolucionário ocorreu há aproximadamente 12 mil anos quando, na chamada Revolução Neolítica, o homem progrediu de coletor para agricultor e de caçador para criador de animais. As manadas de gazelas da região do Mediterrâneo e os mamutes do extremo norte haviam sido extintos ou fugiram de uma mudança climática radical. E, em vez de perseguir até os últimos exemplares de suas espécies, o homem preferiu levar para suas aldeias bovinos, suínos, ovinos e caprinos selvagens e domesticá-los.
Agora estamos no início de um processo que alguns peritos consideram igualmente impactante – mas que será mais fácil de ser realizado do que gerar carne em biorreatores: o homem está começando a domesticar as criaturas selvagens dos mares.
Precisamos de 12 milênios para colocar aos nossos serviços 294 espécies de animais e plantas terrestres. Na aquicultura conseguimos fazer isso em poucas décadas com 480 espécies – 106 delas foram acrescentadas só nos últimos dez anos. Embaixo da água, a revolução alimentar já começou.
Chineses já praticam a aquicultura há milênios. Atualmente, a China é o líder mundial da piscicultura. Muito mais modernos são os currais de salmões no lago Fryken, na Suécia – mas eles causam problemas ambientais
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