sábado, 7 de setembro de 2013

Sol novo, Sol velho


Marcelo Gleiser
Você gostaria de se ver mais velho? Se houvesse um espelho mágico capaz de mostrar sua imagem em uma, duas ou mais décadas, você olharia?

Imagino que a opinião seria dividida, uns tantos sim, outros tantos não. Afinal, ver o futuro teria repercussão sobre como viveríamos no presente, o que criaria uma série de paradoxos estranhos.

Se no futuro eu me visse gordo e resolvesse fazer uma dieta, emagreceria? Se emagrecesse, não estaria mudando o futuro? E será que isso é possível? Afinal, o espelho me mostrou gordo... Ou, quem sabe, o futuro não seja um apenas, mas feito de múltiplas opções, como no conto de Jorge Luis Borges "O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam".

Deixando essas preocupações um tanto humanas de lado (voltaremos a elas em outro dia), o fato é que em astronomia, ao menos, ver o futuro e o passado é extremamente útil.

Tanto assim que um time internacional de astrônomos, liderados pelo brasileiro Jorge Meléndez, da USP, vem buscando estrelas semelhantes ao Sol, mais velhas e mais novas, para que possamos aprender sobre a evolução da nossa estrela-mãe. Para tal, o grupo usa o gigantesco telescópio em Paranal no Chile conhecido como VLT (do inglês Very Large Telescope, "Telescópio Muito Grande"), do ESO (Observatório Europeu do Hemisfério Sul), um consórcio de 15 países com vários instrumentos de grande alcance e precisão. O Brasil deve ratificar sua presença como membro oficial do ESO ainda este ano.

Em artigo de abril publicado no prestigioso "Astrophysical Journal Letters", com TalaWanda Monroe, também da USP, como primeira autora, o grupo revela dados de duas estrelas "gêmeas" do Sol, uma bem mais nova, a 18 Scorpii, e outra bem mais velha, a HIP 102152. Ou seja, um olho no nosso passado e outro no nosso futuro ou, ao menos, no futuro do Sol.

HIP 102152, com 8,2 bilhões de anos, é bem mais velha do que o Sol, que tem 4,6 bilhões de anos. A questão de maior importância para o público é se o Sol é uma estrela típica ou atípica. É bom sabermos, pois nossa sobrevivência na Terra depende do Sol e da sua estabilidade.

Caso seja uma estrela normal, dentro de sua classificação (estrelas aparecem em classes diferentes, dependendo da sua massa, temperatura etc.), o Sol continuará a gerar luz por muitos bilhões de anos, em torno do dobro da sua idade. Caso não seja normal, as coisas podem complicar. E, se complicarem, a vida na Terra poderá estar em apuros mais cedo do que gostaríamos.

Estudando 21 elementos químicos presentes nas três estrelas, o grupo mostrou que o Sol é uma estrela normal. Em particular, que o elemento lítio, que é bem mais raro no Sol do que em estrelas gêmeas mais novas, é destruído com o envelhecer da estrela: HIP 102152 tem aproximadamente a metade do lítio que temos aqui.

O grupo mostrou também que a HIP 102152 não tem planetas gigantes como o nosso Júpiter ou Saturno na região mais próxima dela, onde podem existir planetas rochosos como a Terra. Ou seja, da imagem do Sol idoso, aprendemos que o nosso Sol não foge à regra; o que possibilita que outros como ele tenham planetas como a Terra que, quem sabe, abriguem também formas de vida.
Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia do Dartmouth College, em Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e autor, mais recentemente, de "Criação Imperfeita". Escreve aos domingos na versão impressa de "Ciência".
Folha de S. Paulo

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