terça-feira, 16 de abril de 2013

Secura em curso - O processo de desertificação no Nordeste

As regiões da caatinga, que vêm sofrendo processo de desertificação, precisam repensar suas escolhas econômicas, antes que seja tarde demais

Joana Marins



Em Capelinha, no Piauí, uma cena típica do semiárido brasileiro: Gonçala Batista dos Santos chega ao açude quase seco com os galões para o consumo doméstico diário. Mau uso do solo está por trás de muitos dos problemas vividos na região Foto: Araquém Alcântara

A vegetação verde e o ar úmido de Natal, capital do Rio Grande do Norte, vão ficando para trás. No caminho para o interior nordestino o verde da vegetação vai dando lugar aos tons de bege, ocre e areia em tempos de seca. As pedras começam a ficar cada vez mais frequentes e na linha do horizonte nos deparamos com serras em diversas nuanças de marrom. Nosso destino é a região do Seridó potiguar, encravada no semiárido brasileiro, uma das zonas mais secas da caatinga. Para aonde vamos, a temperatura do chão chega a atingir 60 graus, e a temperatura ambiente oscila entre 25 e 33 graus na maior parte do ano, segundo dados do Plano de Desenvolvimento Sustentável do Seridó. 

Em Caicó, a maior cidade da região, com 62 mil habitantes, é comum ver guardachuvas na mão das senhoras que andam nas ruas, apesar de não cair uma chuva “de encher os açudes”, como dizem os moradores, há mais de um ano. As sombrinhas no sertão servem para proteger o corpo da forte incidência solar nessa região de “pouca folhagem e pouca sombra”, fazendo justificar a origem do nome Seridó, segundo o folclorista Luís da Câmara Cascudo, nascido não muito distante dali, em Natal. Tanto calor e o pouco cuidado humano com o solo pedregoso e de baixa profundidade transformaram esse pedaço do semiárido em uma das regiões brasileiras mais próximas do que se entende como um deserto. 

“A formação de desertos, como o do Atacama, no Chile, foi natural, uma combinação de solo e clima. Já no semiárido brasileiro, o processo de desertificação é causado pelo homem, pois a caatinga é muito rica, tanto em plantas quanto em biodiversidade e as chuvas por aqui são mais abundantes do que em um deserto propriamente dito”, explica Leonardo Tinoco, pesquisador do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), um órgão de pesquisa governamental ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Para ele, o problema está no manejo inadequado da terra, responsável por retirar da região do semiárido 100 toneladas de solo por hectare ao ano, segundo estima Tinoco, que completa: “E a natureza demora 300 anos para recuperar isso”. Por manejo inadequado entenda-se o desmatamento das árvores nativas, a retirada de solos férteis para a fabricação de telhas e tijolos, a mineração e as queimadas. E, ainda, a criação de animais de grande porte em número acima do suportável para essa região. Além de consumir a pouca vegetação disponível, com seus cascos as vacas e cabras impedem que as novas plantas vinguem.

A família de José Ávila da Nóbrega sempre viveu no Seridó, mais especificamente na zona rural do município de Parelhas. Ao caminhar pela propriedade de 12 hectares, ele aponta a casa em que vivia sua bisavó. Esse não é o único pedaço de terra pertencente ao agricultor, mas é onde fica a sua residência, herdada do pai. Ao lado dela podemos ver mais três casas, uma ocupada pelo filho mais velho e duas vazias, à espera dos quatro filhos que estudam em cidades maiores. “Deus me livre vender uma delas! É para ficar aqui quando eles precisarem”, afirma. Orgulhoso da família que criou com Inês, sua esposa há 30 anos, ele diz ter abandonado o gado porque dava mais trabalho do que lucro. “Quando tinha seca, como agora, eu precisava comprar ração, que é muito cara. Agora só planto banana, manga, coco e goiaba, porque a minha propriedade é perto do rio Seridó. Mas, se não chove, tenho de irrigar”, conta. 

A seca se instalou por aqui desde 2011. Ela se configura, tecnicamente, quando o período de precipitação dura menos que quatro meses no ano e o balanço hídrico é negativo, ou seja, chove menos do que é evaporado. Esse cenário já se repetiu diversas vezes na história, como em 1915, 1932, 1958, 1983 e 1998. Algumas dessas secas se tornaram lendárias, como a de 1915, transformada em tema do romance O Quinze, da escritora cearense Rachel de Queiroz, ou a ocorrida na década de 1930, retratada no livro Vidas Secas, do alagoano Graciliano Ramos. “A seca é caracterizada mais por um problema social, pelo desequilíbrio ao acesso da água do que apenas pela falta de chuvas. Felizmente, não temos mais o cenário de morte e destruição que tínhamos no início do século passado. Muitas pessoas ainda passam necessidade, mas não perdemos mais vidas”, afirma Leonardo Tinoco. 
Revista Horizonte Geográfico

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