Quem pensa que o Sistema Solar é interessante por ter um planeta habitável vai pirar com o que há ao redor da estrela Kepler-62. Lá, nada menos que dois mundos --possivelmente rochosos-- ocupam órbitas na região mais favorável ao surgimento da vida.
É a conclusão eletrizante a que chega um estudo produzido pela equipe do satélite Kepler, caçador de planetas da Nasa, e recém-publicado na revista científica americana "Science".
Os pesquisadores liderados por William Borucki identificaram um total de cinco planetas girando ao redor da estrela, uma anã laranja com 63% do diâmetro do Sol.
Todos eles são relativamente nanicos --quatro entram na categoria das superterras (com diâmetro até duas vezes o terrestre) e um é do tamanho de Marte, ou seja, menor que a Terra.
Os três mais internos são quentes demais para abrigar vida. Já os dois mais externos, Kepler-62e e Kepler-62f, têm suas órbitas na chamada zona habitável do sistema --região em que, numa atmosfera similar à da Terra, um planeta pode abrigar água líquida em sua superfície.
NASA/Ames/JPL-Caltech
Concepção artística do planeta Kepler 62f, o menor em zona habitável já achado fora do Sistema Solar
APARÊNCIAS ENGANAM
A questão é: esses planetas são parecidos com a Terra? Constatar isso é um dos maiores desafios da astronomia, uma vez que as superterras não têm equivalente no Sistema Solar.
Por aqui, há, nas órbitas mais distantes, planetas gigantes gasosos (Júpiter, Saturno, Urano, Netuno), e nas mais próximas do Sol os pequeninos mundos rochosos (Mercúrio, Vênus, Terra e Marte), dos quais o nosso planeta é o maior deles.
As superterras, em termos de tamanho, estão no meio do caminho entre essas duas categorias. Mas ninguém sabe com certeza se elas são rochosos grandalhões ou gasosos murchos.
E isso tende a fazer toda a diferença do mundo para a busca por vida.
Uma forma de resolver a questão é determinar, ao mesmo tempo, o diâmetro do planeta e sua massa. Assim, dividindo a massa pelo volume, obtemos a densidade. Com ela, dá para saber se o planeta é rochoso ou gasoso.
A técnica usada pelo satélite Kepler para detectar planetas (medir pequenas reduções de brilho nas estrelas conforme os mundos ao seu redor passam à frente dela, como minieclipses) é boa para medir o diâmetro.
Contudo, para estimar a massa com segurança, a melhor técnica é a usada pelos observatórios em terra, que mede o "bamboleio" gravitacional da estrela conforme os planetas giram ao seu redor.
Infelizmente, no caso do Kepler-62, os planetas são pequenos demais e a estrela é muito ativa para permitir o uso dessa estratégia para confirmar a massa desses mundos com o nível de precisão dos instrumentos atuais.
CASOS SIMILARES
Embora a composição desses mundos ainda seja desconhecida, os pesquisadores citam outros planetas com diâmetro similar que tiveram sua densidade medida (três casos no total) para argumentar que Kepler-62e e Kepler-62f provavelmente sejam rochosos como a Terra.
Uma modelagem em computador feita por um outro grupo liderado por Lisa Kaltenegger, do Centro Harvard-Smithsonian para Astrofísica, nos EUA, sugere que os dois planetas devem ter oceanos globais cobrindo totalmente sua superfície --planetas-água, por assim dizer. Mas isso pressupõe que os cientistas acertaram as quantidades dos ingredientes usados para formar os planetas, o que não é de modo algum certo.
Pelo menos, esses dois mundos não têm um problema que outros planetas detectados na zona habitável de suas estrelas possuem: o "travamento gravitacional".
Reuters
Concepção artística compara o tamanho dos exoplanetas, Kepler-22b, Kepler-69c, Kepler-62e, Kepler 62f, respectivamente, com a Terra.
Esse fenômeno acontece quando a mesma face do planeta fica o tempo todo voltada para a estrela. Mais comumente observado no sistema Terra-Lua, em que o satélite exibe sempre a mesma face para o planeta, casos como esse se apresentam naqueles mundos que orbitam muito próximos do astro principal. Mas não é o caso aqui.
"Exceto pelo planeta mais interno --Kepler-62b--, todos os planetas têm períodos orbitais tão grandes que é extremamente improvável que eles estejam travados", disse à Folha Borucki, antes de apresentar os resultados em uma entrevista coletiva organizada pela Nasa nesta quinta.
Em suma, esses dois mundos sobem direto para o topo da lista de potenciais planetas com vida, embora rigorosamente nada se possa dizer a esse respeito, exceto que, em teoria, eles podem abrigar água líquida na superfície.
Por isso, apesar do entusiasmo, os cientistas são muito cautelosos no parágrafo final de seu artigo científico: "Não sabemos se Kepler-62e e -62f têm uma composição rochosa, uma atmosfera ou água. Até que consigamos detectar espectros adequados de suas atmosferas não poderemos determinar se eles são de fato habitáveis."
Ainda assim, é impossível não se empolgar com a possibilidade.
Folha de S. Paulo
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