José Flávio Saraiva
16/11/2009
Inocente a interpretação de que a visita ao Brasil de três líderes do Oriente Médio no intervalo de dias seja coincidência. Cálculo diplomático nacional e oportunidade aberta para os interesses nacionais no jogo de xadrez mantido a distância pelo poder de Washington explicam os fatos e as personagens que desfilam na capital da República nessas semanas animadas de novembro.
O Brasil vem se habilitando a ator global. Deseja estar mais próximo dos grandes temas, para além do emaranhado do primeiro círculo concêntrico da sua influência na América do Sul e das trilhas afro-asiáticas que engendrou na direção dos emergentes da ordem internacional multipolar e sincrética que se instalou no mundo. Os Estados Unidos caminham lentos na realização do prometido em política externa no onírico discurso da vitória eleitoral de Obama há um ano. Ao Brasil e aos Estados Unidos convém uma pauta de cooperação mais estreita. Chegou o bom pretexto, que começou com Shimon Peres, presidente israelense, e segue até o desembarque do chefe de Estado iraniano, Mahmud Ahmadinejad.
O novo governo ianque, depois de um ano de modesta realização no Oriente Médio, necessita dividir e terceirizar, em parte, a política de convencimento das intenções de diálogo com a potência persa e com os palestinos menos radicais, como no caso do enfraquecido presidente da Autoridade Palestina, Hahmud Abbas, um dos visitantes ilustres a Brasília. Obama não necessita de mediações, mas necessita de peças intermediárias no jogo sem fim das tensões historicamente acumuladas na relação dos Estados Unidos com o Irã, em especial no que tange ao seu controverso tema nuclear e ao financiamento de grupos radicais palestinos.
Decepções brasileiras com aspectos da agenda bilateral com os Estados Unidos afastaram um pouco Brasília de Washington nos últimos meses. O retorno do protecionismo industrialista no Norte, o silêncio de Obama nos temas do etanol antes estimulado por Bush, o uso de bases colombianas por militares norte-americanos, as diferenças de metodologia diplomática no caso da crise de Honduras, um embaixador norte-americano que nunca chega ao Brasil, entre outros aspectos, evidenciam a tendência.
As visitas israelenses, palestinas e iranianas são, portanto, um bom pretexto para estimular um novo padrão de cooperação entre os Estados Unidos e o Brasil. Colabora o governo Lula com um esforço abrangente, colateral, de busca de canais complementares de superação de conflitos de interesse de Washington, afasta um pouco a relação Caracas-Teerã, ajuda a diplomacia brasileira na construção do diálogo direto das partes, as quais o Brasil, felizmente, não faz parte, e não deve fazer. Não podemos importar contenciosos internacionais que não nos pertencem, ou com os quais não temos meios para agir de forma soberana. Podemos, no entanto, promover espaço de diálogo. É o máximo que o Brasil pode fazer nas complexas matérias do Oriente Médio.
O que ganha Brasília ante o deslocamento geográfico dos holofotes dos diálogos promovidos tradicionalmente pelos europeus nos temas do Oriente Médio para um país emergente, localizado ao Sul das novas relações internacionais do novo século, com ambições de compor o diretório onusiano? Avança a projeção internacional do país e reduz a crítica ao caráter egoísta da política externa brasileira que não assume risco, à espera o vencedor da guerra para recolher as batatas. A exposição externa, com responsabilidade e cálculo, é um valor positivo na inserção internacional dos Estados cautos, como é o Brasil.
Em segundo lugar, demonstra o Brasil, no campo dos valores, que os conceitos brasileiros de relações internacionais, como a convivência tolerante de contrários ainda é possível no mundo que vivemos. É pedagógico para os visitantes notar que um país continental pode abrigar contrários sem se levar pela luta fratricida, com aquelas ainda mantidas no Oriente Médio. Aqui os primos judeus e palestinos vivem em paz.
E finalmente, como a política internacional não é feita apenas de diplomacia e valores, reconheçamos que o mesmo capitalismo brasileiro que se anima com os projetos de infra-estrutura e investimentos na América do Sul e com a diversificação da expansão comercial para a África e Ásia, já tem a região do Oriente Médio como uma área importante de retomada de negócios. Quem foi ao Irã sabe que o Brasil já está lá e faz negócios importantes. Fecha-se o ciclo das oportunidades e dos cálculos, próprio a um país que começa a avançar para sua maturidade internacional. Uma boa notícia para um jovem Estado que se aproxima do seu bicentenário.
José Flávio Sombra Saraiva é professor titular de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e diretor-geral do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais – IBRI (fsaraiva@unb.br)
16/11/2009
Inocente a interpretação de que a visita ao Brasil de três líderes do Oriente Médio no intervalo de dias seja coincidência. Cálculo diplomático nacional e oportunidade aberta para os interesses nacionais no jogo de xadrez mantido a distância pelo poder de Washington explicam os fatos e as personagens que desfilam na capital da República nessas semanas animadas de novembro.
O Brasil vem se habilitando a ator global. Deseja estar mais próximo dos grandes temas, para além do emaranhado do primeiro círculo concêntrico da sua influência na América do Sul e das trilhas afro-asiáticas que engendrou na direção dos emergentes da ordem internacional multipolar e sincrética que se instalou no mundo. Os Estados Unidos caminham lentos na realização do prometido em política externa no onírico discurso da vitória eleitoral de Obama há um ano. Ao Brasil e aos Estados Unidos convém uma pauta de cooperação mais estreita. Chegou o bom pretexto, que começou com Shimon Peres, presidente israelense, e segue até o desembarque do chefe de Estado iraniano, Mahmud Ahmadinejad.
O novo governo ianque, depois de um ano de modesta realização no Oriente Médio, necessita dividir e terceirizar, em parte, a política de convencimento das intenções de diálogo com a potência persa e com os palestinos menos radicais, como no caso do enfraquecido presidente da Autoridade Palestina, Hahmud Abbas, um dos visitantes ilustres a Brasília. Obama não necessita de mediações, mas necessita de peças intermediárias no jogo sem fim das tensões historicamente acumuladas na relação dos Estados Unidos com o Irã, em especial no que tange ao seu controverso tema nuclear e ao financiamento de grupos radicais palestinos.
Decepções brasileiras com aspectos da agenda bilateral com os Estados Unidos afastaram um pouco Brasília de Washington nos últimos meses. O retorno do protecionismo industrialista no Norte, o silêncio de Obama nos temas do etanol antes estimulado por Bush, o uso de bases colombianas por militares norte-americanos, as diferenças de metodologia diplomática no caso da crise de Honduras, um embaixador norte-americano que nunca chega ao Brasil, entre outros aspectos, evidenciam a tendência.
As visitas israelenses, palestinas e iranianas são, portanto, um bom pretexto para estimular um novo padrão de cooperação entre os Estados Unidos e o Brasil. Colabora o governo Lula com um esforço abrangente, colateral, de busca de canais complementares de superação de conflitos de interesse de Washington, afasta um pouco a relação Caracas-Teerã, ajuda a diplomacia brasileira na construção do diálogo direto das partes, as quais o Brasil, felizmente, não faz parte, e não deve fazer. Não podemos importar contenciosos internacionais que não nos pertencem, ou com os quais não temos meios para agir de forma soberana. Podemos, no entanto, promover espaço de diálogo. É o máximo que o Brasil pode fazer nas complexas matérias do Oriente Médio.
O que ganha Brasília ante o deslocamento geográfico dos holofotes dos diálogos promovidos tradicionalmente pelos europeus nos temas do Oriente Médio para um país emergente, localizado ao Sul das novas relações internacionais do novo século, com ambições de compor o diretório onusiano? Avança a projeção internacional do país e reduz a crítica ao caráter egoísta da política externa brasileira que não assume risco, à espera o vencedor da guerra para recolher as batatas. A exposição externa, com responsabilidade e cálculo, é um valor positivo na inserção internacional dos Estados cautos, como é o Brasil.
Em segundo lugar, demonstra o Brasil, no campo dos valores, que os conceitos brasileiros de relações internacionais, como a convivência tolerante de contrários ainda é possível no mundo que vivemos. É pedagógico para os visitantes notar que um país continental pode abrigar contrários sem se levar pela luta fratricida, com aquelas ainda mantidas no Oriente Médio. Aqui os primos judeus e palestinos vivem em paz.
E finalmente, como a política internacional não é feita apenas de diplomacia e valores, reconheçamos que o mesmo capitalismo brasileiro que se anima com os projetos de infra-estrutura e investimentos na América do Sul e com a diversificação da expansão comercial para a África e Ásia, já tem a região do Oriente Médio como uma área importante de retomada de negócios. Quem foi ao Irã sabe que o Brasil já está lá e faz negócios importantes. Fecha-se o ciclo das oportunidades e dos cálculos, próprio a um país que começa a avançar para sua maturidade internacional. Uma boa notícia para um jovem Estado que se aproxima do seu bicentenário.
José Flávio Sombra Saraiva é professor titular de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e diretor-geral do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais – IBRI (fsaraiva@unb.br)
Meridiano 47
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