se perguntar o que pode estar errado com o seu modo de vida
Juliana Cavaçana
Jean-Pierre Clatot/AFP
INDIGNAÇÃO COLETIVA
Funcionários da France Télécom protestam na entrada do prédio: "O sofrimento é uma realidade"
Um funcionário da France Télécom, a principal empresa de telecomunicações da França, suicidou-se na pequena cidade de Alby-sur-Chéran, a 600 quilômetros de Paris, na segunda-feira passada. No bilhete deixado à esposa, o suicida culpou a empresa pelo tormento emocional em que vivia. O incidente seria apenas mais um drama familiar – a França possui uma das mais altas taxas de suicídio da Europa –, não fosse um trágico contexto. Nos últimos dezoito meses, 24 empregados da Télécom se mataram. Duas semanas atrás, um técnico em manutenção cortou o próprio ventre com um punhal durante uma reunião com quinze colegas de trabalho. Em julho, outro suicida acusou o patrão: "Faço isso por causa do meu trabalho na France Télécom; é o único motivo". O primeiro comentário do CEO da empresa, Didier Lombard, foi dizer que se matar tinha virado "moda". Agora, os sindicatos querem sua demissão. Com 100 000 funcionários, a France Télécom tem uma taxa de suicídios similar à média nacional, de 17,6 por 100 000 habitantes. Mas a sequência de mortes pôs o país em estado de choque. Não tanto pelas maldades que possam ocorrer dentro da Télécom – mas por ter feito os franceses se perguntarem o que há de errado com seu modo de vida.
Em princípio, eles vivem no melhor dos mundos. Os franceses gozam de uma jornada de trabalho folgada, um salário mínimo polpudo, férias prolongadas e aposentadoria precoce. A legislação trabalhista dificulta as demissões. Mas o ambiente é envenenado pelo temor de que a rede social que garante a assistência aos cidadãos do berço ao túmulo possa estar fazendo água. O engessamento do mercado de trabalho, que torna dificílima qualquer demissão, é um dos fatores que emperram a economia do país. Poucos franceses estão dispostos a abdicar das regalias, mas muitos são forçados a fazê-lo – sob o risco de perder o emprego. Para piorar, a crise mundial encolheu ainda mais o número de postos de trabalho: o desemprego entre os jovens chega a 25%. O resultado é um clima de insegurança em toda a sociedade. Um francês consome, em média, 29 antidepressivos por ano, quase o dobro da média na Alemanha e na Itália.
No caso da France Télécom, a onda de suicídios ocorre em um contexto de reestruturação da empresa. Privatizada em 1997, a companhia adotou um modelo de negócios mais agressivo e enxugou 40 000 nomes da folha de pagamento. Para seus 100 000 empregados, dos quais dois terços ainda são funcionários públicos, isso significou metas de produtividade, promoções por mérito e cobranças de maior eficiência. Para muitos franceses, trabalhar em um ambiente competitivo como esse é algo que fere a própria identidade nacional. Haja antidepressivos.
Revista Veja - 7 de outubro de 2009
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